Nei Duclós
A dificuldade dos documentários é que dependem das
aparências. Como é impossível mostrar visualmente a origem do que é mostrado,
então o que vemos acaba substituindo uma explicação mais profunda. As palavras
isoladas não servem para resolver o impasse sem mexer com a natureza da obra:
fica sendo discurso filmado e não um trabalho audiovisual. O verbo, num livro,
convive com a imaginação que suscita. Mostrado na tela com reforço da voz se
limita ao perfil externo do assunto, o que resulta na reincidência do problema.
Como a demanda da indústria é pesada, se produz
documentários em massa, onde impera o lugar comum da abordagem, pois fica
difícil contrariar o cânone quando tudo, da publicidade à produção, da
percepção do público à análise, está viciado. Por décadas aturamos a síndrome
do “sonho acabou” para documentários sobre os anos 60. Ao filmar a natureza,
aprendemos a todo instante que os filhotes brincam para treinar ferocidades na
vida adulta. Jamais se coloca o fato de que a especificidade da tenra idade
nada tem a ver com as seguintes e que brincar é algo que tem suas leis próprias
e não fazem a miniatura de comportamentos futuros, apesar das aparências. Mas
vai contrariar vozes sóbrias mostrando gatos nenéns arranhando árvores?
Um exemplo é a realidade que vivi de perto – e isso não
significa que eu a conheça. Trata-se de São Paulo. Migrante, morador da
periferia, lutando com dificuldades junto com a família, entrei em contato com
a megaelite paulistana, os grandes empresários e entrevistei-os, como também
fiz reportagens sobre empreendedores de todos os nichos e tamanhos. Estava
dividido entre ser da população e reportar os capitães do capital e do trabalho.
Vi como foram montados partidos como o PT e arreglo de elites como a Nova
República. Acompanhei as manobras sobre a opinião pública providenciadas pela
mídia, que se impregnava de todos os discursos e interesses. Mas o que vejo nos documentários é o Coração
de Estudante da morte de Tancredo, os marmanjos se dando as mãos e cantando o
hino e as velhas percepções sobre o regime ditatorial civil-militar, apelidado
de ditadura militar.
Nunca me senti o migrante tradicional. Assim como eu,
milhares de pessoas que vieram de outros lugares para a grande cidade também não
se enquadram nas gavetinhas dos documentários. Ideologias e disputas de cargos
acabam influindo a indústria audiovisual e vemos personagens enquadradas em
leituras teóricas e não uma visão mais aprofundada dos mecanismos das
atividades humanas.
Uma entrevista que me impressionou foi com o mais poderoso
empresário do país, José Ermírio de Morais, no prédio que fica nos fundos do Teatro
Municipal e foi um hotel famoso nos anos 1920, um ambiente do modernismo de
sólidas paredes e que praticamente desaparece no caos urbano do centro da
megalópole. Ele falou sobre cultura, já que a Votorantim investe nessa área.
Diante da minha curiosidade, ele me levou pelos corredores para mostrar o
passado impregnando as paredes. Falou pouco comigo, uns 15 minutos. Vi ali
alguém que ninguém reportava direito. Quem aparecia era seu irmão, Antonio Ermírio.
Mas José era a essência oculta.
RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Moimento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: tirei daqui.