Nei Duclós
Revi a sequência inesquecível da perseguição a Sundance Kid
e Butch Cassidy num canal pago de filmes. Quem são esses caras? perguntam os
dois bandidos diante da persistência dos seus rastreadores, que dia e noite os
seguem até o lugar aparentemente sem saída do desfiladeiro. Vamos pular, diz
Paul Newman. Não sei nadar! grita Robert Redford antes de se decidir por cair
no abismo. Vimos isso várias vezes na tela grande até que o clássico de George Roy
Hill, com roteiro de William Goldman, de 1969, se recolher à televisão e ao
download, onde podemos acessar a qualquer momento. O que estava retido na
memória em sessões inesquecíveis hoje é prato do dia. Katharine Ross está mais
perto de nós do que nunca. Imbatível como a bela de uma época de belas.
Impressionante a resistência física dos atores filmando no
meio das pedras e das areias dos desertos nesta e em outras obras igualmente inesquecíveis,
como é o caso de Os profissionais, de Richard Brooks, com roteiro dele e de Frank
O'Rourke, de 1966, que traz um elenco assombroso: Burt Lancaster, Lee Marvin,
Robert Ryan, Woody Strode, Jack Palance e Claudia Cardinale. Sem amor, sem a
revolução, nada somos, diz o bandido mexicano encarnado por Palance na outra
sequência inesquecível dessa época, o do duelo contra Burt no desfiladeiro.
Vendo hoje esses velhões sacudidos, de massa corpórea e presença carismática
inigualáveis, nos perguntamos de onde tiravam energia para filmar embaixo da
bigorna do sol?
E aquelas mulheres? Nos dois filmes, vislumbramos a gloriosa
sensualidade de Ross e Cardinale, em sombra e luz sobre porções dos seios e os
rostos iluminados pela extrema beleza. Nenhuma baixaria, nenhuma apelação medíocre,
apenas arte audiovisual de intensa carga erótica. O sorriso de Burt olhando
para Claudia e se perguntando o que ela fazia para merecer um regate de cem mil
dólares é um momento hilário do drama que se desenrola numa época de perguntas
sobre a luta armada para a tomada do poder e a mudança do mundo. Mais tarde
vimos no que deu: novas tiranias tomaram conta do cenário, mas os filmes
permanecem como sagas heroicas de uma memória que mudou de natureza e consistência.
Chega de saudade, dizia o clássico de Tom e Vinicius. Foi o
que um artista carioca me disse quando cheguei no Rio em 1969, pedindo para eu
focar no significado da frase. Esses dois filmes, entre muitos outros, povoavam
minha memória, mas hoje estão disponíveis. O que significa isso? Que houve uma
mutação importante no relacionamento que mantemos com o tempo. A simultaneidade
das mídias, que enterrou a época em que precisávamos nos locomover para determinado
lugar para ter acesso a uma obra cultural, faz com que a memória mude de
natureza, exista paralelamente, com alguns pontos de contato com o que temos na
mão hoje.
Posso lembrar do tempo em que ia à matinê ver meus filmes
favoritos (que eram todos, ô época maravilhosa) mas o que pega é o que posso
ver agora. Ligo a emoção de rever a cena com o que estava retido na emoção do
já visto. No fundo é outro momento, sem ligação nenhuma com o passado, se for
possível ver assim. Claudia e Katharine continuam esplendorosas nesses filmes e
os heróis do deserto nos impressionam por suas performances de grandes atores
em cena, fazendo estrago nas telas com seus diálogos minimalistas, seus esgares
e gestos, seus silêncios e decisões.
Burt decide ficar para estancar a perseguição mexicana e
assim dar tempo para o serviço ficar completo, ou seja, devolver a beldade ao
seu dono. Pega suas armas e dá uma corrida pelo solaço, em passadas curtas e
apressadas. Vimos Burt de costas se afastando em direção ao desfiladeiro. Logo
em seguida ele está matando o bando inteiro, aprisionando seu chefe e dando o
beijo da morte na guerrilheira que tenta matá-lo enquanto se declara. Esses filmes
são os épicos modernos e os grandes cineastas e seus atores, atrizes e
personagens são nossos companheiros de viagem.
Tudo era feito no muque, não existiam as facilidades de
hoje. Sim, havia os stunts, os truques de câmara etc., mas a cena precisava ser
feita na marra, à luz do deserto. Tudo se resume a isso, dinheiro, diz o
guerrilheiro. Não só. O que vale é a arte e o talento e o fôlego para chegar a
um resultado que permanece.