28 de fevereiro de 2009

A ESPERANÇA EM MOTHER JONES


Nei Duclós (*)

Aconteceu em Nova York, no início do século 20. Milhares de crianças, com o rosto borrado de carvão, cruzaram a cidade gritando e exibindo cartazes com os dizeres: “Queremos ir para a escola, não para as minas”. Na liderança da passeata, firme, do alto dos seus 93 anos, aquela que era considerada pela polícia “a mulher mais perigosa da América”, conhecida como Mother Jones. Pessoa marcada, de oratória precisa e poderosa, foi presa várias vezes como agitadora, numa época em que as reivindicações dos trabalhadores, que não tinham salário nem jornada de trabalho fixos, eram consideradas atos de traição à Pátria, em plena véspera da participação americana na guerra na Europa.

O que fazia nas ruas uma anciã, envergando longo vestido preto, com sua carranca herdada de suas origens irlandesas e de suas tragédias pessoais, como a morte família por motivo de doença e a perda de todos os seus bens num incêndio? Por que não se recolhera à cadeira de balanço e ao tricô, como queriam seus inimigos? Por que insistia em esfregar nas fuças da América o crime que se cometia contra a infância pobre, quando se gerava uma cidadania despossuída e assim se condenava o futuro do país? Por que Mother Jones não ficou vendo tudo assustada, pela fresta das janelas?

Porque, entre outras coisas, ela sabia dos fatos, tanto pela vivência e pelas reportagens da imprensa combativa da época, onde se destacava John Reed, o maior repórter do mundo, que escreveu livros sobre o México Rebelde, a Revolução Russa, o front europeu da I Grande Guerra e o massacre dos mineiros nos Estados Unidos. No seu livro “Eu vi um novo mundo nascer” ele cita a figura de Mother Jones, que com suas milhares de crianças foi até as portas do presidente Theodore Roosevelt, que se recusou a recebê-la. Hoje ela é título de revista alternativa importante. Deveria virar um grande filme. Veríamos aquela senhora idosa à frente da infância maltratada a meter o dedo nas fuças dos marmanjos bem nutridos.

Mother Jones encarna a esperança na idade em que tudo fica claro depois de tanto sofrimento. O grande evento da longevidade não é o que aparece no espelho, mas essa lucidez que atrapalha o trânsito e faz a Terceira Idade vociferar contra a injustiça. É o recado terminal de quem não tem mais nada a perder e ainda precisa enfrentar a retaliação alheia. Hoje, quando se vive além do permitido numa era de altos custos e nenhum sentimento, as cobranças se sucedem. Época em que não se deve esperar reconhecimento e intensificar a presença quando todos dão as costas.

Churchill achou que seria eleito depois de tudo o que fez na II Guerra. Foi derrotado nas eleições, apesar de ter sido o líder que venceu os alemães. Resolveu colher os louros, acabou com um maço de urtigas. É constrangedor aguardar homenagens. Mais saudável é enxergar a indiferença dos que ainda, em tese, viverão por muito tempo. Não existe nada de mais desumano do que a comiseração tardia. É preferível ser xingado, assim se faz justiça a quem continua vivo. Ou temido, como acontecia com Mother Jones.

Se alguém muito antigo é tratado sem aquele olhar bovino de afetividade forjada, ele se sentirá muito melhor. Num ambiente de sinceridade, quando vier alguma homenagem, terá muito mais impacto e será mais benéfico. Mas vivemos na época dos corretos, onde tudo foi substituído por sua representação, pela falsidade das intenções e resultados, pelas aparências. Ao mesmo tempo em que se fala tanto em proteção aos animais, respeito aos idosos ou defesa das crianças, sobram exemplos de exploração infantil, comercialização predatória da fauna silvestre e jogo bruto do abandono dos velhos nas ruas, asilos ou quartos dos fundos.

A grande solidão hoje da Terceira Idade é o desperdício de uma chance de recuperarmos os paradigmas perdidos. A vivência por muitas décadas é o testemunho vivo do que se foi, especialmente no Brasil, onde se somaram as mudanças radicais da era pós-industrial e o longo regime de exceção, ainda vigente, apesar do discurso recorrente sobre democracia.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada neste fim-de-semana na revista Donna DC, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Mother Jones em Nova York na passeata que organizou com os filhos dos mineiros.

VINTE MANDAMENTOS DA PAZ


Nei Duclós

Publiquei estes mandamentos no dia 19 de maio de 2004, aqui mesmo no Diário da Fonte. Mas eles estavam misturados a outros assuntos e não foram separados em itens, como agora. Esta é a nova edição dos mandamentos, revista e melhorada.

1. Não coloque o destino das pessoas em tuas mãos, que elas se voltarão contra ti.

2. Não aguarde reconhecimento, porque a espera pode te consumir. Nem cobre o bem que fazes aos outros, pois lembrá-los será o mal.

3. Não fuja da chance que se abre à tua porta, sob pena de te perderes para sempre. Nem deixe a oportunidade se transformar num fardo, senão ela te derrubará.

4. Não suporte nenhuma escravidão, por mais necessária que possa parecer.

5. Veja as pessoas como elas são, criaturas de alma imortal enredadas na precariedade do tempo.

6. Pense sempre no momento em que não estiveres mais aqui, que tudo se revelará.

7. Jamais dependa da iniciativa alheia, porque o único pesadelo que conta é o Outro, e tu és esse cara.

8. Nunca evite um encontro, pois o encontro é o convite supremo, único, que some para não mais voltar.

9. Não te coloque como parâmetro de nada - evite, portanto, a expressão "eu, por exemplo".

10. Nunca pose em frente às câmaras dando carinho para crianças carentes.

11. Nunca deixe de dizer o que é preciso. Mas lembre: o que tens vontade de dizer nem sempre é o que é preciso dizer.

12. Pergunte antes de dissertar.

13. Não dê conselhos quando lhe pedem, só quando a sabedoria te fizer uma visita.

14. Pense, antes de falar, na repercussão das tuas palavras. E fale sem pensar que um anjo te guiará.

15. Não se esconda quando te chamam. Não apareça quando fores evitado.

16. Não force o abraço. Não roube o beijo.

17. Olhe para trás para enxergar o futuro.

18. Preveja o vôo, fareje a tempestade. Faça poesia enquanto é tempo.

19. Escreva tuas memórias, que elas permanecerão, como as montanhas. Teu verbo, quando verdadeiro, tem a permanência das pedras.

20. E consulte sempre teu coração. Ele pode estar vazio e sonhando com flores enquanto pensas na guerra.

RETORNO - 1. Imagem desta edição: Mandalas em Muro Sobre Escada, foto e instalação de Juliana Duclós na Praia de Ingleses, Florianópolis. 2. Igreja Católica lança a Campanha da Fraternidade, com foco na segurança pública. Paz.

27 de fevereiro de 2009

JOHN REED


Nei Duclós (*)

Ele ficou sem dinheiro numa viagem perigosa, quando cobria a Primeira Guerra Mundial, uma carnificina promovida por comerciantes, segundo sua definição. Teve que viajar agarrado fora do trem, para não ser visto. Quando, por qualquer motivo, o comboio parava no meio da madrugada e do ermo absoluto, ele corria para o campo, se escondia, esperava. E voltava para pegar o vagão em movimento. No México, seguiu um velho viajante, cruzando montanhas geladas e desertos e foi ao encontro de Pancho Villa. No Colorado, numa sangrenta greve de mineiros, acabou sendo preso e fez suas entrevistas com os líderes do movimento encarcerados em meio a multidões sem ar nem luz, depositados em porões imundos.

Foi preso várias vezes, confundido com o objeto de suas matérias: o povo em armas. Contou toda a história, com detalhes, do tiroteio entre mineiros e os bandidos a serviço das grandes corporações nos Estados Unidos, que durou meses e desembocou num massacre onde foram queimados homens, mulheres e crianças. Tentavam impedi-lo de trabalhar. Mas ele chegou até a Rússia e viu a revolução, que gerou seu mais célebre livro, “Os dez dias que abalaram o mundo”. De seu texto, magnífico na reportagem e na ficção, saíram inúmeros filmes, a começar por “Outubro” e “Que Viva México”, de Eisenstein.

Ele é o autor do personagem pobre, errante e com ares distintos que influenciou decisivamente Charles Chaplin a criar seu imortal vagabundo, num conto publicado na revista The Masses. Desconfio que as cartas dos mineiros condenados à morte pelos chacinadores, que ele publicou em suas grandes reportagens, também tenha inspirado o filme “Ox Bow Incident” (1943), de Willian Wellman, grande faroeste com Henry Fonda sobre o enforcamento, sem julgamento, de três suspeitos.

Ler John Reed é não apenas um prazer como um abismo de infinitas revelações sobre as primeiras décadas do século vinte, ou como ele dizia, de maneira mais apropriada, sobre a luta de classes daquela época. Nele confluía a formação apurada (fez Harvard), o texto antológico, a ousadia sem limites e a coragem de dizer com todas as letras. Quando Trotski, reportado por Reed no seu livro imortal, disse que a revolução russa seria vista no futuro como um modelo de revolução, o mesmo serve para a obra de John Reed.

Ela é um modelo de jornalismo, exatamente o jornalismo que precisamos desesperadamente hoje. Não pela sua capacidade de denúncia, pois hoje parece moda apontar o dedo para todas as direções. Mas pela maturidade da opção mais perigosa, a de contar toda a verdade e ficar firme no mesmo lugar aguardando a resposta. Quando ele debocha de Rockfeller, patrão dos mineiros, que elogiava os verdugos depois de um massacre, sabemos que boa encrenca era esse cara baixo, de queixo proeminente, testa larga, olhar fuzil e sorriso quase a explodir diante de seus contemporâneos e da posteridade.

Ao descobrir que a maioria passava necessidades para que a minoria vivesse no luxo, John Reed descobriu a missão da sua vida. Parece hoje ingênuo, ultrapassado. Vivemos uma época de pragmatismo e desilusões. Pode-se colocá-lo no índex por estar enterrado ao lado de Lênin, em Moscou. Mas seus funerais, dignos de um herói, apenas atestam o quanto foi longe o repórter e escritor que não tinha medo de nada, apesar de, nas suas memórias (“Eu vi um mundo novo nascer”) confessar que se sentia sempre um covarde, pois fugia de seus adversários quando era adolescente.

Admiro a coragem, essa fagulha que nos coloca no miolo do furacão como se estivéssemos indo na esquina. Quando leio John Reed e mergulho na plasticidade de suas narrativas, no movimento histórico de suas reportagens, na grandeza de sua lucidez, na graça de seu texto admirável, começo a fazer parte de algo maior. Algo que me transcende e me leva de roldão, como inundação repentina numa planície de bocejos. Ele tem o dom de escrever de maneira decisiva, sem transparecer falsidades ou intenções ocultas.

Vejam que frases: “Eu soube, então, e não foi pelos livros, como os trabalhadores produzem toda a riqueza do mundo, e que esta vai para aqueles que nada fazem para merecê-la. Vi as batalhas bem de perto, vi meus companheiros serem derrotados e mortos, corri pelo deserto para salvar minha vida. Se alguém pensa que as massas russas queriam essa guerra, é só colocar o ouvido no chão nesses dias, agora que elas estão rompendo seu silêncio secular, e escutar o troar cada vez mais próximo da paz”.

John Reed. O texto obrigatório.

RETORNO - 1. (*) Texto publicado na minha coluna semanal da seção Literário, do Comunique-se. 2. Imagem deste post: John Reed, o jornalista de ação, num momento raro, teclando.

BATE O BUMBO: REPERCUSSÃO DESTE TEXTO NO COMUNIQUE-SE

José Casadei [27/02/2009 - 11:27] (Profissional Contratado) Não lembro de ter lido algo tão bom e educativo aqui no portal. Parabéns ao autor.

Keizo Palmares [27/02/2009 - 09:24] (Freelancer) Um dos melhores artigos que li por aqui nos últimos anos...

Mara Narciso [26/02/2009 - 23:56] (Profissional Contratado) A sua narrativa é um convite irresistível para entrarmos definitivamente no mundo de John Reed. Cheguei a separar o livro dos "Dez dias...", e devido ao forte cheiro de mofo, acovardei-me, já que tenho asma. Preciso comprar outro, sem demora. Coragem, lucidez e texto agradável, são para mim cachaça da melhor. Obrigada pelo chamamento.

Daniel D'Assumpção Dos Santos [26/02/2009 - 13:19] (Freelancer) Caro Nei, é muito bonito observar a humildade de gente talentosa como vc que reconhece o talento alheio. Reconhece e festeja e estuda. Talvez esse seja o segredo dos mestres, aqueles que vivem de observar e vão fundo nas coisas. John Reed é o máximo mesmo, um gladiador que se lançou em todas as arenas. Parabéns por essa justa homenagem que tanto te engrandece.

26 de fevereiro de 2009

MONSTROS DA AREIA


Nei Duclós

Agora que temporada chegou ao fim e precisamos enfrentar a súbita revelação de que o crescimento era insustentável e a marola, tsunami, dá para fazer um balanço da areia sem medo de prejudicar o turismo. Pelo que pude constatar no trânsito, não houve aquela lotação dos anos passados, o que pode significar que o número de visitantes não foi tão intenso como chegou a ser anunciado. Andei tranquilamente por ruas que, nos verões anteriores, não permitiam passagem de jeito nenhum.

Os poucos que vieram foram os tradicionais, os argentinos, que não conseguem ficar longe daqui. Os paulistas, com a crise, se recolheram. E os gaúchos compareceram, mas timidamente. Não que a ilha não estivesse superpovoada, é que a avalanche desta vez foi menor. Além das nuvens carregadas na economia, teve a água fria das inundações um pouco antes do início do veraneio. Hotéis vazios e imóveis em excesso de oferta conviveram com o gesto mais constrangedor do turismo amador, gente a céu aberto sacudindo as chaves na fuça de placas adventícias. Devia ser proibido, assim como o som alto e a grilagem de espaços entre os banhistas.

Explico. Um bom horário para se pegar praia é de manhã, lá pelas oito ou nove horas. Às onze, chegam os invasores. Eles te rodeiam e vão logo se espalhando pelo lugar que você escolheu para ficar. Cedendo à forte pressão, você ensaia uma retirada honrosa quando eles, então, sem esperar que enrodilhemos a esteira, se jogam para cima. Ninguém me contou, aconteceu comigo mais de uma vez. Olhei para cada um dos transgressores: pareciam normais. Eram monstros.

Na sorveteria, o atleta atropela a senhora para pegar a cabeça da fila; na muvuca do desfile, o saradão pisa abruptamente o calçado alheio, rebentando tiras; no cruzamento, o boy rodeado de gatinhas ruge como um leão faminto; nas avenidas lotadas, os carros atiram-se na contramão para desviar de buracos. E as motos? São veículos da vontade hegemônica. A moto quer, a moto pode.

O som alto é o crime recorrente de todos os dias. Não apenas o canhonaço dos carros envenenados. Mas o vizinho da serra elétrica ou as celebrações ruidosas, como a justificar a impressão que a humanidade é um sonho perdido. Todos esses eventos podem ser considerados menores diante de outros, que geram sérios prejuízos físicos. Por que reclamar da invasão do espaço na areia se existe coisa pior, como atropelamentos e assassinatos?

Acredito que o ambiente de transgressão permanente beneficie o exercício da criminalidade. Se ninguém mais respeita a contramão, se xingam pessoas com idade ao volante, se conseguem ser tão caraduras tentando sentar no lugar onde ainda nem te levantaste, então daí para um soco, um pontapé, um tiro nem precisa fazer esforço. O conflito medra como cogumelo depois da chuva.

Dou a ré no estacionamento e um novo tipo, o véio Viagra, vem para cima de mim. Eu teria encostado no carro prateado dele ao fazer a manobra. Perguntei onde estava o arranhão. Não soube responder. Fui-me embora. Sorte que fui criado na disciplina da gentileza. Senão estaria engrossando o coro da barbárie.

RETORNO - Imagem desta edição: um banhista procurando encrenca.

25 de fevereiro de 2009

OLHOS DE LATA


Nei Duclós

Sou como o vento: roubei
o coração de alguém
que desconheço

Corro entre
cactos. Um anjo
me aguarda

Pégasos e delfos
me escapam. Ninguém
alcança
água

Mas continuo ao sol
pelo Tempo
amordaçado

Olhos de lata
interrogam cristais
no futuro gelado

No secreto xis do canyon
patacas piscam morse

Caio de lado. Areia
afunda o tesouro
sem mapa

Cascavéis armam
o bote na fronteira
da carne

Na hora de cruzar
o deserto, dobro
ao peso do alforge

Como ladrão de prata
demoro uma vida
até pegar a arca

RETORNO - 1. Poema do meu livro inédito Partimos de Manhã e que é destaque na coluna do Mestre Moacir Japiassu, no Comunique-se, desde a semana passada. 2. Imagem de hoje: Peter O´Toole como Lawrence da Arabia.


EXTRA - FOLHA TORRA SUAS BANANAS

A Folha de S. Paulo anuncia uma megaliquidação de títulos da série “Folha Explica” ou os manuais de negócios, amor e comportamento. Tudo, como eles dizem, "a preço de banana". Em oferta, as obras “Como enlouquecer seu homem" ou "O Livro das Crendices". Enquanto isso, inúmeros livros permanecem inéditos porque não “vendem”. No seu lugar, são investidos dinheiro e espaço em “Aprenda a usar o tempo, Guia Zen em São Paulo, Executivo em Harmonia, Sonhos e relacionamentos”, tudo encalhado.

24 de fevereiro de 2009

LUDWIG, DE LUCHINO VISCONTI


Nei Duclós

Arte, conhecimento, cultura são os palácios mais permanentes da realeza, que sobrevivem à decadência, ao esquecimento e à morte. O rei esclarecido, o mecenas de autores e artistas, garante a sobrevivência do criador para que seu reinado usufrua do prestígio da produção que cresce sob essa sombra generosa. Mas há uma clara diferença entre o nobre que detém o sustento e o cortesão escolhido e pago para pintar, compor, escrever. Um rei ocupa lugar de destaque na platéia, mas jamais pode ser palco, espaço exclusivo de seus protegidos. Ou protagonista, concorrer com a obra que nasce sob sua guarda.

Essa divisão radical de papéis colocou os protetores como coadjuvantes dos seus apaniguados. Goya é mais importante que a Corte espanhola, Leonardo da Vinci suplanta a presença do Papa, Machiavel ofusca o príncipe. No fundo, a verdadeira realeza pertence à criação. O Príncipe Ludwig (1845-1886), da Baviera, sabia disso. Tinha noção exata da falsidade de sua função, herdada pelo sangue numa família interminável, que dominava a Europa e onde medrava o fratricídio. Colocado no miolo desse drama aos 19 anos, Ludwig quis legitimar seu mandato real convidando para ficar debaixo de sua asa o maior criador do seu tempo, Wagner, que compôs duas obras primas enquanto foi sustentado pelo rei: Tristão e Isolda e O Anel dos Libelungos.

Ludwig queria a permanência, não apenas como criatura (o distribuidor de benesses para os gênios), mas como criador. Desiludido dos negócios de Estado, ferido por um amor não correspondido (a rainha Elizabeth, da Austria), entregou-se às fantasias lúdicas cevadas no que ele chamava de enigma, sua identidade sexual e pessoal. Aprofundou-se no convívio com a orgia, o estuário onde desaguava o assassinato de sua alegria de viver, que lhe foi negada pela situação em que foi convocado ainda adolescente; e com a repetição das diálogos das peças que amava, como se fosse possível negar a ficção e encarnar em seus aposentos a realidade produzida pelo talento. Manteve-se imóvel na idade em que não precisava assumir responsabilidades, enquanto crescia nele a imperiosa necessidade de romper o dique que separa poder de beleza, delírio de realidade.

Luchino Visconti encontra em Ludwig sua própria representação. O filme (1972) de quase quatro horas que fez sobre o Príncipe da Baviera foi mutilado, esquartejado, desvirtuado exatamente pelo gabinete dos poderosos, os mesmos que, em mais esta obra- prima de sua lavra, aparecem todos de preto, portando guarda-chuvas sinistros em meio ao aguaceiro para cercar, aprisionar e depois levar à morte o rei que queria um lugar entre os criadores. Visconti filma o deslocamento de Ludwig diante de seus algozes e sua determinação em permanecer fiel a si e a seu reinado de imaginações, apesar de toda oposição e maledicência.

O filme é uma sucessão de castelos suntuosos, as cinco partes em que foi dividido na restauração da obra original feita após sua morte. Cada castelo é uma maneira de tornar eterna a vida dedicada à criação. É também, cada uma, o capítulo do lento e fatal mergulho terminal do príncipe maldito. O cineasta é a majestade que não se entrega e vai até o fim, usando seu poder para construir algo que fique e que não sucumba às pressões da mediocridade, da inveja e do medo. Um rei sem poder a não ser a própria criação. Confinado em salas estreitas depois de ter construído espaços monumentais. Levado à destruição porque não há solução para o impasse gerado pela sua radicalidade.

Um rei não se dobra e lega à posteridade os monumentos de sua grandeza aprisionada e ferida. Não que Ludwig (interpretado por um intenso Helmut Berger) seja um modelo de ética, comportamento, política. Tudo nele é exagero, desde o amor platônico pela prima, rainha austríaca (interpretada pela atriz perfeita, Romy Schneider), a aversão à noiva, irmã do seu objeto de desejo, a atitude voluntariosa nas decisões importantes, o auto-confinamento em palácios inabitáveis, a dispersão de recursos nacionais em favor de golpistas de todo o tipo etc. Mas é nessa precariedade humana de alguém com mandato divino, esse impulso numa pessoa que deveria, pelo cargo que ocupa, se pautar pela prudência, esse afastamento do que é razoável e previsível que faz o encanto do personagem de Visconti.

Mais do que o encanto: a expressão de uma vida voltada para a arte por parte de alguém que não foi talhado para ela é a tragédia dessa busca obsessiva pela criação em território estéril. O mestre, no fundo, lega ao futuro seu inconformismo contra a sacralização das funções, a cristalização dos papéis, a definição prévia dos destinos. Alguém com poder, diferente dos despossuídos que também procuram a transcendência, intensifica esse drama pessoal e coletivo de vidas talhadas para serem subjugadas por leis imutáveis e que acabam reinventando algo maior.

Não se trata, portanto, de um filme sobre “a decadência da aristocracia e da nobreza” como querem os que vêem no Maestro uma eterna repetição de Il Gattopardo, outra obra magnífica e imprescindível. Em O Leopardo, o nobre se alia à burguesia para ter uma sobrevida. Em Ludwig, o rei é a representação da mortalidade que tenta ocupar um lugar no Olimpo. São, portanto, temas absolutamente diversos. Em ambos, Visconti trabalha o estranhamento, insumo fundamental da arte que provoca a sabedoria.

Isso acontece na escolha dos atores, na dublagem. Em O Leopardo um atleta americano, o clássico Burt Lancaster, encarna um nobre siciliano. Em Ludwig, temos personagens falando em italiano na mais profunda pan-Germania. Essa paralaxe nos mantém atentos, expectantes, esforçados. Nada nos é proporcionado como se alguém servisse um jantar com finos talheres. Somos ascetas assistindo a execução de uma pena de morte. Vivemos uma vida inteira no longo espetáculo do Maestro inigualável, aquele que ficará eternamente como prova de que a Sétima Arte um dia produziu alta cultura.

Poderemos dizer, então, onde estivermos, no futuro: no tempo em que nos foi dado viver na terra, vivíamos sob o impacto de Luchino Visconti, o gênio que alcançou a majestade.

RETORNO - Agradeço a Ricky Bols por ter me recomendado este filme. Bem no momento em que eu assistia o "Obsessão", também de de Visconti, e que será tema de futura edição aqui do Diário da Fonte.

DISTORÇÕES


Nei Duclós (*)

Quando era proibido ter dúvidas e ninguém podia desconfiar de nada, o mundo se assentava em princípios eternos. Eles foram varridos mais tarde quando Baudelaire publicou suas “Flores do Mal” e Marcel Duchamp decidiu que seu mictório era arte. A diferença entre tradição e ruptura gerou impasses. Uma poltrona antiga foi concebida para sentar, um celebrado banco de design ultra chic é feito para expor. Uma obra de Oscar Niemeyer é um encanto para os olhos, mas vai passar uma tarde de verão nos seus ambientes de concreto.

Na poesia, é infinita a capacidade de produzir coisas sem nenhum significado. O romance chegou a perder a linhagem narrativa, que fazia a cumplicidade entre a curiosidade do leitor e a maestria do autor. Retomou, mas com excesso de pipas e Kabul. O cinema é um espanto. Mata-se milhões em frente às câmaras para públicos cada vez mais anestesiados.

Se o cinema de autor começa a dar sinais de vida, ele chega sem a radicalidade que o definia. Passou a fase de obras-primas insuperáveis, que entrou em descenso a partir do aperto sobre a Sétima Arte, indústria estratégica por excelência. Todos tiveram chances de produzir seus filmes de propaganda, a exemplo do modelo hitlerista. CIA, FBI, Pentágono, Marinha, Serviço Secreto, lobby dos advogados contrataram estrelas, diretores e roteiristas por milhões para provarem como são necessários à humanidade.

Enquanto isso, fica no limbo filmes fundamentais como “O Intendente Sansho”, de Kenji Mizoguchi, ou “O Barba Ruiva”, “Céu e Inferno” e “Cão Danado”, de Akira Kurosawa. A majestade em Luchino Visconti, a erudição em Godard, a grandeza épica em David Lean, a civilização popular em Vittorio de Sica, o mágico realismo em Fellini, tudo ficou para trás. Hoje, arte em cinema é alvo de deboche. Triunfou a nulidade posuda de filmes pomposamente descartáveis e de bilheteria fácil.

Os mestres são esquecidos, enquanto cresce a corrida arrivista. A vanguarda foi clonada pelo oportunismo. Perdeu-se a capacidade de somar, unindo o acervo acumulado e as experimentações. Faz falta sentar num tradicional banco de praça. Haveria algo mais inovador do que usufruir, sem medo e com relativo conforto, uma porção do espaço público?

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 24 de fevereiro de 1009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. Imagem desta edição: Curva dos Amores, Rio de Janeiro, 1950. Vejam que curvas do Rio antigo, infinitamente superiores às curvas da capital artificial construída pela megalomania e que serviu para destruir o perfil do país soberano. Depois me digam se o que vemos aqui é algo a ser esquecido, descartado como velharia. Nunca é demais lembrar: 1950, era Vargas.

Tirei a foto do belíssimo
blog de Carlos Henrique Brack, "Curiosidades cariocas": "Já não se ouve falar desse ponto da geografia carioca (Curva dos Amores). Nem se encontram referências a ele em buscas pelo Google. Talvez porque tenha perdido sua magia com os sucessivos aterros na orla da baía. Por esse nome era conhecida a curva de entrada na Av. Ruy Barbosa de quem vinha pela praia de Botafogo. O apelido decorria do fato de quem, de carro, à noite, fazia a curva para acessar a Ruy Babosa, infalivelmente iluminava pelo menos um casal de namorados, no escurinho, junto à amurada."

Continua Brack: "O local era, de fato, mágico. A amurada sobre o mar deixava vislumbrar a enseada de Botafogo, com o Pão de Açúcar e o Morro da Urca ao fundo. As fotos mostram trechos da Av. Ruy Barbosa e sua bela vista, durante o dia, em 1950; o trecho da amurada que ficava bem na curva, onde pescadores tentam a sorte, fora destruída, provavelmente por um acidente de trânsito, e ainda não reparada; a outra foto mostra um rapaz na posição usual das moças durante os namoros noturnos que deram o nome à curva."

EXTRA: MANGUEIRA DE DARCY RIBEIRO

Na próxima vez em que aparecer a Mangueira com seu samba-enredo sobre Darcy Ribeiro, viu, Cleber Machado, não se encha de dedos nem faça mais rodopios do que ala de baiana na hora de narrar o desfile. No lugar de apenas dizer que Darcy Ribeiro era antropólogo e escritor, diga mais algumas coisas, com todas as letras.

Vou te ensinar: "Darcy Ribeiro foi o fundador da Universidade de Brasília no governo duplamente eleito (nas urnas e no plebiscito) de João Goulart, do antigo PTB, presidente que foi derrubado pelo golpe de estado de 1964. Darcy Ribeiro foi chefe de Casa Civil daquele governo e um dos mais importantes nomes da lista de exilados. Na sua volta, foi senador eleito pelo PDT e um dos responsáveis pela rede de escolas conhecidas como Cieps, que propõe periodo integral para estudantes pobres."

Além disso, Darcy Ribeiro é o nome próprio do Sambódromo, essa obra que acabou com a sacanagem do monta-desmonta do carnaval e que vocês insistem em chamar de Marquês da Sapucapí, num esforço brutal e gigantesco de tapar o sol com a peneira, de negar essa evidência explícita da visão social e de futuro e de cultura popular do trabalhismo. Hoje, às vezes, até falam em Sambódromo, que está completando 25 anos, mas continuam tentando ignorar, sem dar o crédito, uma das muitas obras da gestão Leonel Brizola como governador do Rio de Janeiro e que tinha em Darcy Ribeiro seu braço direito.

23 de fevereiro de 2009

CRIMES CONTRA PAULA OLIVEIRA


São muitos. Acompanhem:

CONFISSÃO FORJADA - Quer dizer que uma pessoa maltratada, ferida, “confessa” para a polícia num hospital, sem que seu advogado esteja presente? Onde está Justiça nesse caso, que deixa a vítima à mercê dos seus inquisidores? A pessoa está muda, ninguém sabe o que ela disse, mas assim mesmo existe uma confissão? E todo mundo acredita?

ABANDONO DAS INVESTIGAÇÕES - Já que Paula foi considerada culpada, ou seja, foi julgada antes de poder se defender, então ninguém foi atrás dos bandidos que a violentaram num ermo gelado numa estação de trem. Ninguém mais vai atrás de pistas dos cabeças peladas?

LÚPUS x INDENIZAÇÃO - Se Paula se feriu de propósito porque tem lúpus, a doença que causa brancos mentais porque o sistema imunológico se volta contra ela, então não tem lógica a acusação de que ela estaria mesmo trás da “vultuosa” indenização da tirania suíça (200 mil reais! Parem com isso. Ninguém se violenta, arrisca a vida, a carreira e o casamento, por 200 pilas). Ou ela é louca ou ela é desonesta. Não pode ser as duas coisas, não faz sentido. Segundo sua avó, entrevistada pelo Fantástico, Paula é uma pessoa honesta e de caráter. Acredito em Paula e na sua avó.

O REPÓRTER DO POLEGAR- O que faz o Marcos Losekan, correspondente da Globo, na Suíça? Segue os passos de Paula, manda filmá-la à socapa, pela fresta da janela e fica entrevistando o pai, sem parar. O cara não vai falar com uma autoridade suíça, com um jornalista de lá, com um policial. Não conversa com um especialista criminal. E quando vai ao local no crime é para exercer aquele jornalismo de polegar, tão em voga hoje: o segurador de microfone fica de costas para a cena e aponta com o polegar. Já viram isso? Está em todas as matérias televisivas.

A INDIFERENÇA DIPLOMÁTICA - Numa boa, mas eu não gostaria de ver, nem de dia nem de noite, a tal vice-consulesa brasileira na Suíça. Toda pintosa, com aquela indiferença metida a aristocrática, pseudamente a favor da conterrânea, trata-se de um poço de lavagem pública de mãos. A diplomacia faz o papel de Pôncio Pilatos publicamente. Nos bastidores, deve estar tirando os sapatos no aeroporto, como costuma fazer.

O CONSENSO DA MÍDIA - Desde que a polícia suíça difundiu uma versão não comprovada sobre o crime contra Paula, a mídia brasileira em peso migrou para o outro lado. Não há defecções. Mesmo os que divulgaram a denúncia em primeira mão, estão abaixando as calças. Por que? Mistério. Na hora em que Paula conseguir romper o cerco e declarar sua verdade firmemente para todos, será que eles vão migrar em peso para a vítima? Ou vão cair de pau matando, como estão fazendo agora?

CONTINUAMOS FIRMES no que dissemos desde o princípio: Paula Oliveira, estamos contigo. Eles não te acham uma vítima lucrativa. Como poderão defender uma mulher rica, bem posta, que estava feliz com sua vida? Não poderão faturar cargos, dinheiro público te defendendo. Então, te abandonam num país estrangeiro, num inverno feroz e são capazes de aplaudir se pegares uma cadeia. Eles nada tem a ganhar contigo, Paula.

Só quem tem a ganhar contigo é tu mesmo, tua família, tua querida avó, teu pai presente, a imprensa séria, a nação em frangalhos e o amor que nasce conosco e que jamais poderemos abandonar, em nenhum minuto da vida, em casa, no trabalho, nas ruas, nas praças, portos, procissões. Estamos contigo, Paula.

22 de fevereiro de 2009

MEU VERSO NA REVISTA CARAS


O verso "Quero um sorriso que dure uma quadra e dobre a esquina a iluminar-me" é de Nei Duclós, por coincidência, eu. É preciso fazer essa ocorrência, pois esse trecho de um poema meu está se espalhando pela rede. Todos os dias, me dedico a um compromisso: pedir para as pessoas que reproduziram esse verso, publicado na edição 796 da revista Caras, seção Foco, que coloquem o crédito. Normalmente sou atendido, especialmente no Orkut, onde ele foi adotado por inúmeros perfis.

Caras deu o crédito corretamente, só errou o nome do poema. Não é "A Noite dos Milagres", como está na página reproduzida acima, pois esse é o título do poema anterior ao poema do sorriso, segundo a paginação do meu livro de estréia, Outubro (1975). O certo é "Quero um sorriso". Na edição única de Outubro, esse poema saiu sem seu título (quando isso acontece, se escolhe o primeiro verso).

O que me impressiona é que o sucesso do verso não está ligado ao autor. Tudo que é citação tem autoria, mas na minha vez parece que a poesia brota como cogumelo. Todos sabem como é árduo o ofício do poeta e como custa o retorno. Neste caso, levou 40 anos para ter alguma repercussão. É o momento de reconhecer: este verso faz parte de um poema de Nei Duclós! O poema, na íntegra, é este:

QUERO UM SORRISO

Nei Duclós

Quero um sorriso
que dure uma quadra
e dobre a esquina
a iluminar-me

uma lágrima
sem consolo
que traga um soluço
de dez minutos

um corpo que aperte
com fogo de inferno

uma dor que desperte
um ruído que abra

qualquer coisa
forte
que rasgue

21 de fevereiro de 2009

ESQUINAS, TRENS, TARDINHAS








Nei Duclós (Sobre fotos de Ricky Bols)

Sou essas esquinas, sou esses trens, sou essas tardinhas.
Sou Uruguaiana. Lá moro eu, de onde nunca saí.
Sou esses tijolos, esses capins.

Lá nos reunimos, nós, os insubmissos espíritos.
Com nossas calças de brim coringa, de linho branco, com bainha.
Camisas Volta ao Mundo, sapatos de verniz .
Lá, cabelo com gomina, lenço no paletó, afivelado cinto.

Somos nós, o olhar sobre essas cenas, casas, ruínas.
Somos a cidade que nos domina.
Uruguaiana, vista assim, como se fosse apenas fotografia.

O ADEUS DE CLÁUDIO FAVIERE (1948-2009)


O amigo jornalista Paulo Paiva Nogueira manda um e-mail de Brasília: Recebi com muita tristeza a notícia do passamento, nesta sexta-feira, dia 20, do grande amigo Cláudio Faviere. Jornalista dos bons, com passagem pela grande imprensa e na combativa imprensa alternativa dos anos de 1970, o conheci na Folha de São Paulo, nos anos 80, quando o jornal era ainda uma referência na imprensa brasileira, em termos de credibilidade. O Cláudio ganhou prêmios (entre eles o Vladimir Herzog), mas nos anos 90, acho que antevendo os rumos do jornalismo brasileiro, comprou uma pequena propriedade em Cunha, SP, num lugar mágico, com mata atlântica e várias cachoeiras, e o tornou ainda mais mágico.”

Cláudio Faviere tinha 60 anos, exatamente a minha idade. Somos do mesmo ano, passamos pelas mesmas redações, onde eventualmente nos encontramos. Desencantou-se com a profissão quase na mesma época. Internou-se num lugar ermo, como eu. Viveu algum tempo de indenização, como aconteceu comigo. Investiu tudo o que tinha no lugar que escolheu para viver, coisa que também fiz.

Por isso, o texto dele, que só descobri agora, sobre essa experiência, me tocou profundamente. É de partir o coração, nesta nação que joga fora seus talentos, novos e veteranos, e nos empurra para lugares remotos, quando deveríamos estar no miolo da guerra, contribuindo para o país. O fato é que a ditadura não acaba e dá sinais de longevidade acima das forças de qualquer um. Vamos a Favieri e seu texto antológico.

NO DIA EM QUE EU VIM ME EMBORA

Claudio Faviere

Não tinha nada demais. Tinha o vento a favor. Havia comprado o sítio em Cunha sem que tivesse planejado comprar sítio, construído a casa sem que estivesse nos planos mudar de cidade. Tudo aconteceu sem planejamentos e intenções. Coisas do destino ou sabe-se lá do que. Era 1993. Dois anos depois, ao sair do último emprego, sentia um grande desencanto com o jornalismo, do que jeito que passara a ser praticado. Morte da reportagem, imprensa oficialesca, sem investigação e denúncia, império do release, matérias feitas em série como em uma fábrica de salsichas, visões áridas, estatísticas, sem contemplação do ser humano.

No período entre a compra do sítio e a saída do emprego mesclava o trabalho em São Paulo com a construção da casa, nas rápidas viagens de fim de semana a Cunha. Nas conversas de bares na pequena cidade ou nos humildes armazéns da zona rural, nas visitas às casas e nos passeios aos pequenos vilarejos da roça, o contato com novas realidades, novos cenários, novas pessoas. E a descoberta de novas histórias, de uma nova cultura, de um novo e prazeroso relacionamento com os moradores. Tudo em contraste relevante com a metrópole, onde nasci, vivi, trabalhei. O fascínio por tudo isto era grande. Destes contatos e histórias surgiu a vontade de uma nova experiência: escrever um romance ambientado naquela realidade, a primeira entrada no mundo da ficção. Fazia quase 30 anos que praticava o exercício de escrever, mas sempre em cima de fatos e acontecimentos.

Somando tudo: desencanto com o jornalismo, a saída do último emprego, um dinheirinho no bolso, a casa semipronta (mas já em condições de morar), as primeiras linhas do romance se delineando nos breves intervalos do cotidiano de São Paulo. Pronto. Lá vou eu. Bye-bye tudo.

E vim me embora com o projeto de passar um ano com dedicação exclusiva ao romance. O dinheirinho dos direitos trabalhistas não era muito, mas o suficiente para não ter outra preocupação do que viver plenamente a experiência da liberdade proporcionada pela literatura. E aqui no sítio tudo era a favor: as cachoeiras rodeando a casa, a mata, o silêncio, o sagrado isolamento, as montanhas, o céu que chega a dar um porre de azul. Só uma coisa não foi a favor: a realidade. O dinheiro acabou, parei o romance quase concluído, fui atrás da sobrevivência, retomei o romance, parei novamente, fui atrás da sobrevivência.

Em 2000, recebi uma pequena herança e construí uma pousada com o claro objetivo de ela não ser um fim, mas o meio através do qual fosse possível atingir o objetivo maior: ler e escrever. Passaram-se quase cinco anos de trabalho árduo para que a pousada se estruturasse, ficasse conhecida, possibilitasse a sobrevivência e, enfim, eu alcançasse a paz e tranqüilidade para terminar o romance.

Penso que assim como o destino me trouxe para cá e me privilegiou com um pedacinho de terra tão sagrado (sem que eu houvesse planejado ou pretendido), o mesmo destino designou a hora certa para concluir este sonho de liberdade. Era inexorável e foi agora. O livro chama-se "Na Cacunda do Lagarto" e só falta um pequeno detalhe: editá-lo. Vamos ver. Mas os percalços desta batalha nunca me tiraram a felicidade de estar aqui, mais perto da vivência do que da sobrevivência.

Nota:
O título deste artigo e a primeira frase são de uma música de Caetano Veloso.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Cláudio Faviere, livros e cachoeiras. 2. Atenção para os créditos, no caso de alguém difundir estas informações pela rede: o que está entre aspas é de outros autores. Ou seja, o primeiro parágrafo é do Paulo Paiva e todo o texto depois do título "No dia em que eu vim me embora" é do Cláudio Favieri. E os dois parágrafos sem aspas existentes entre o primeiro parágrafo, em itálico e o texto de Cláudio, são meus. Muita atenção, para não haver confusão.

A SOLIDÃO EM PAULA OLIVEIRA


Como pode uma pessoa que está muda, ou seja, que ninguém vê ou ouve, apesar de se situar no centro de uma tragédia internacional, confessar alguma coisa? Como pode um marido não se pronunciar nem mesmo sobre a gravidez ou não da mulher? Como pode um argumento tão nefasto e pífio como a auto-imolação em troca de 200 mil reais colar e todo mundo sair repetindo como se pertencessem a um genoma de papagaios sinistros? Como podem colocar a culpa na vítima sem ter feito nenhuma investigação, dando tempo aos suspeitos armarem o álibi que bem entenderem?

Sem apoio do marido, do governo, da mídia, da opinião pública nos cinco continentes, sem acesso aos bilhões de canais existentes para a livre expressão e que num momento desses se revelam inúteis, Paula Oliveira hoje é o nome da solidão. Ferida, acuada, apavorada, ele tem na sua frente os verdugos, que vão interrogá-la na quarta-feira de cinzas, um pai presente, mas cheio de dúvidas, uma consulesa que parece ter saído de uma história infantil de horror porque fala como se estivesse dando apoio, mas emite um ar de desaprovação e indiferença assustadora, pontuada por roupas finas e um ar blasé.

Na internet, sobram exemplos dos novos catequistas, subitamente ungidos em arautos da isenção e do anti-patriotismo, em nome do bom mocismo da globalização informativa, a mesma que concentra tudo em monopólios, destrói a reportagem e manipula as notícias em infindáveis mídias. É de vomitar o tom advertinte e de dedinhos levantados de blogueiros e jornalistinhas anódinos a dar dizidas a torto e a direito, condenado um jornalista que agiu corretamente, que foi o Noblat, que fez uma denúncia baseado em fatos e evidências. Mas bastou um meganha suíço levantar a suspeita para todo mundo levar as mãos na cabeça.

O caso está praticamente encerrado, em detrimento da vítima. Não há como reverter, pois tudo já foi determinado. Agora é colocar panos quentes, pedir perdão, bater amigavelmente na cabeça da mulher estuprada, violentada, cortada, sangrada. Não permitir que ela continue insistindo nessa coisa fora de moda, a verdade. O que vale é a versão policial truculenta, que se ainda tivéssemos jornalismo não se sustentaria um segundo. Mas o que temos é uma rede de concordinos, replicantes, cloneiros, repetidores, com suas sacadas ungidas pela mesmice, a má fé, a ignorância e o medo.

Paula Oliveira, estamos contigo. Não sabemos o que dizer agora. Colocam palavras na tua boca, insinuam que és louca, alucinada, que sofres de lúpus, seja isso o que for. Mas a verdade é que colheram tua vida em pleno vôo. Que foste violentada sob os olhos do mundo e todos te acusaram de criminosa. Não te deram voz nem chance. Simplesmente te julgaram e ameaçam te colocar na cadeia.

19 de fevereiro de 2009

POUSO


Nei Duclós

Barco é sonho em desuso
Criatura de espécie surda
Pousa no obscuro azul
Ao largo de oculta praia

Barco náufrago, presságio
Asa na superfície, nada
Sinal de mastros amargos
Mapas de horizonte ralo

Absorto, em pânico, vaga
Imóvel no balir da tarde
Paisagem do olho exausto

Miragem do vago instante
Viagem de verbo escasso
Na lua, estará a salvo

RETORNO - Imagem desta edição: foto de André Piantino, publicada por Francis França no seu espaço no Orkut.

PAULA, UM CASO HERZOG NA SUÍÇA





O partido assumidamente nazista que domina a justiça e a polícia na Suíça armou uma arapuca para a brasileira agredida. O caso é político e envolve a segurança nacional lá deles. O partido está em pleno processo de referendum para aprovar leis rigorosas de xenofobia contra os migrantes. Segundo uma delas, o imigrante ilegal flagrado vai para a cadeia e é expulso do país, junto com o resto da família. A agressão a Paula colocaria todo o esforço xenófobo a perder. No dia em que Paula foi agredida, milhares de cartazes mostrando os imigrantes como corvos forravam o país.

Existem muitas ligações com o caso Vladimir Herzog. Flagrada no assassinato de um jornalista, a ditadura brasileira forjou o suicídio (auto-imolação), mostrando inclusive fotos do pretenso atentado contra a própria vida. Flagrados num bárbaro atentado contra uma mulher, advogada, estrangeira legalmente no país, os nazistas suíços se desesperaram, acharam que tudo iria por água abaixo. Então reverteram a situação, forjaram a tese de auto-imolação e até mesmo estão agora surgindo “provas” como um depoimento (ilegal, segundo o advogado da família de Paula), pretensamente assinado por ela assumindo a culpa.

A imprensa marrom da Suíça , conivente e cúmplice , deita e rola, dizendo que a brasileira forjou o atentado para ser indenizada. Mulher rica, bem posta, com relacionamento estável, não iria se submeter a uma barbárie com resultados duvidosos. Isso não cola. O que impressiona não é a cara de pau das falsas versões, mas o acovardamento do Brasil, tanto por parte da imprensa (li artigos cheios de vergonha de sermos brasileiros), quanto do governo.

O autor do furo, Ricardo Noblat, explicou no Comunique-se que agiu corretamente ao fazer a apuração rigorosa da denúncia , defendendo a divulgação de um crime hediondo. Disse também que os outros jornais repercutiram depois de as devidas checagens. Então é mentira essa história que foi uma barriga e que isso é vergonhoso e tal. Foi uma reportagem de denúncia, que a política nazista atualmente no poder da Suíça distorceu em favor de seus próprios interesses, como fez aqui a ditadura no caso Herzog.

Agora Paula está sendo indiciada por falso testemunho e por ter tentado enganar a polícia. Imaginem uma bomba desse tamanho: Paula de Oliveira, numa prisão por três anos. Isso é dinamite pura. É um crime que está acontecendo e o Brasil não deveria ser tão covarde, tão cheio de remorso e culpa, tão cúmplice. Os sujeitos mentem e todos ficam calados, pedindo perdão? Paula foi agredida, atacada, quase morreu. O atentado arruinou sua vida. A versão de que tenha se auto-imolado é mentira. É a partir daí, da primeira e correta percepção do fato, que o caso deve ser encarado.

Ou vamos abandonar Paula, assim como Herzog foi abandonado em plena ditadura? Paula Oliveira, estamos contigo.

RETORNO - 1. Imagens desta edição: Paula Oliveira e Vladimir Herzog. No fundo, a ditadura é a mesma. Por isso os métodos se parecem. 2. Deu no Comunique-se: "O jornal suíço Weltwoche, com informações que diz ser de confissões de Paula Oliveira à polícia local, afirma que a advogada sustentou a tese de que tinha sido vítima de um ataque neonazista para conseguir uma indenização. O valor, segundo o jornal, seria de R$ 200 mil. A Justiça suíça decidiu não se pronunciar sobre a revelação do jornal. "

Meu comentário à notícia é a seguinte: "Em troca de 200 pilas uma advogada de multinacional, de família rica iria encher o corpo jovem de cortes, criar um problema internacional, destruir a própria carreira, arriscar o casamento e ainda ficar uma semana sangrando no Hospital? Parece a versão da polícia no caso Herzog: a vítima se auto-imolou! " E acrescento aqui: 200 mil reais é, por baixo, o custo das operações plásticas a que Paula terá de se submeter. Quer dizer, contem outra. Essa não colou.

17 de fevereiro de 2009

O VERDADEIRO TU


Nei Duclós (*)

Há uma feérica busca pelo “verdadeiro eu”. Milhões de exemplares são vendidos por autores que acenam com a solução para tão candente tormento. Pessoas mergulham em cursos de auto-ajuda e exercícios zen-aeróbicos para livrar-se da casca das convenções sociais e assumir a própria identidade, soterrada em toneladas de cascalhos de indiferença e repressão. O resultado é que existe cada vez mais cultura psicanalítica das massas, todo mundo voltado para si mesmo, trafegando em mão única nas estradas perigosas da convivência múltipla.

Sabemos que esse esforço é inútil. Buscar o verdadeiro eu é perda de tempo. A máscara sempre encontrara um jeito de sobreviver. O que somos permanece um mistério abaixo ou acima de camadas de disfarce. No máximo se consegue formatar um novo personagem, com a desvantagem de ser exatamente igual ao do vizinho. Vemos então multidões de clones em demonstrações de força, como acontece nos megashows em que todos levam a latinha de cerveja ao bico ou gritam iuhú. Eles aparentam ter encontrado o verdadeiro eles: uma espécie de criatura em conexão com espumas mal-cheirosas e baticuns surtados.

A tragédia real é que, perdidas nesse exercício insano, as pessoas acabam fazendo o oposto e vão em busca do verdadeiro tu. O que vem a ser isso? No lugar de ir à cata de algo dentro de si, inalcançável, fica bem mais cômodo pesquisar a vida alheia. Basta escolher os alvos entre os ensimesmados grupos de egos em depressão. Convencê-los de que estão no caminho errado, que devem despertar o tesouro soterrado em almas perdidas. O objetivo é cavocar nos outros o que ficou exaustivo em nós. Vemos isso nos catequistas que batem à sua porta para salvá-lo. O pessoal da cientologia, com Tom Cruise e John Travolta à frente, também são do ramo. Buscam tus de verdade por toda a parte. Assumiram um ar de pastor demente, enquanto continuam fazendo filmes em que encarnam assassinos charmosos.

É fácil entendê-los. Buscaram embaixo do próprio tapete e se decepcionaram. Quem não se decepcionaria, se a aparência física fatura uma boa nota? Melhor mesmo é cutucar o que existe lá fora: pessoas não ungidas pela celebridade, ansiosas e trouxas. É mais divertido e não dói.

RETORNO - 1. (*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 17 de fevereiro de 2009, no caderno Variedades, do Diário Catarinense. 2. O astro Tom Cruise, 44 anos, virou o "Jesus da Cientologia" em caricatura publicada no site Gallery of The Absurd. Ele aparece ao lado de Kirstie Alley, John Travolta, Will Smith, membros famosos da crença, e de sua mulher Kate Holmes, em reprodução da pintura A Santa Ceia, de Leonardo Da Vinci.

BATE O BUMBO

CITAÇÃO NO GLOBO.COM SOBRE AMAZÔNIA

Na matéria do portal G1, da seção Globo Amazônia, da globo.com, sobre desmatamento, o repórter Iberê Thenório, de São Paulo, cita uma opinião minha sobre o assunto que publiquei no Orkut. Veja o que diz a reportagem:

'Operação de guerra' coleta imagens de desmatamento na Amazônia - Aviões de reconhecimento da Aeronáutica mediram devastação. Em 450 horas de voo eles sobrevoaram área de dois Paraguais.

"Nas comunidades sobre a Amazônia na rede social Orkut, o uso das forças armadas para proteger a floresta é o assunto mais discutido pelos internautas. A maior parte das pessoas defende que o governo brasileiro deveria usar o Exército, a Marinha e a Aeronáutica a serviço da preservação ambiental."

“As Forças Armadas ajudariam muito a frear o desmatamento na Amazônia, até porque eles já fazem treinamentos lá”, defende o internauta Renato Monteiro em debate no Orkut. Já para Nei Duclós, somente usar o poderio militar não ajudaria o meio ambiente: “Forças Armadas não podem ser o foco da defesa. O que nos defenderia na Amazônia seriam políticas públicas focadas na população que existe marginalizada lá.”

16 de fevereiro de 2009

NO HORTO DAS OLIVEIRAS


CALICE

CHICO BUARQUE – GILBERTO GIL

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

De muito gorda a porca já não anda
De muito suada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

RETORNO - 1. Assista e escute Chico e Milton cantando a obra-prima no you tube. 2. Paula Oliveira, estamos contigo.

NO REINO DA MENTIRA

O castelo do deputado é um favelão, como mostrou o Fantástico. Elevador não funciona, cozinha foi transformada em depósito, a adega está mofada e abandonada etc. O castelo é, claro, mentira. Não passa de uma porcaria de origem suspeita e que é tolerado pela mídia há mais de dez anos e celebrado como uma coisa interessante e exótica, quando está na cara, é evidente, que representa alguma espécie de crime, pois como pode alguém jogar dinheiro pelo ralo num mastodonte sem sentido? Para posar de novo rico? Para tripudiar em cima de quem vota por obrigação?

A mesma coisa na Suíça. Enquanto Paula Oliveira continua internada e sangrando, segundo seu pai, toda retaliada com as iniciais do partido nazista de lá, a polícia, a imprensa e o governo deles destratam todos os brasileiros para defender a idéia de paraíso deles. O sociólogo suíço Jean Ziegler, autor de “A Suíça lava mais branco”, e que denunciou a lavagem de dinheiro do narcotráfico e, fato mais antigo ainda, do roubo dos judeus no Holocausto, é que tem a ficha completa dos meliantes. A versão da polícia suíça, de que a advogada Paulo tenha se mutilado, é, obviamente, mentira.

O pseudointelectual Luiz Werneck Vianna, que se acha comunista, realimentou a calúnia sobre Vargas, dizendo textualmente no Estadão (o tradicional porta-voz da direita) que Lula é um novo Vargas e pode eleger Dilma, assim como Getúlio elegeu o Dutra. A versão de que Lula, esse paspalho bobalhão e entreguista, deva ser comparado ao fundador do Brasil Soberano, porque ambos seriam “populistas”, é, claro, mentira. O populismo foi inventado pela direita, com Jânio Quadros, para enfrentar a imagem que a própria direita fazia de Vargas: elegeram um demagogo que colocou o Brasil no buraco, de onde não saiu até hoje.

A pergunta é: de onde vem tanta força para a mentira? Como pode uma versão absurda como a da polícia suíça amedrontar os jornalistas brasileiros, fazer todo mundo cagar miudinho, como se fôssemos culpados de existir? Como poderia uma pessoa jovem, com dinheiro, bem resolvida, se entregar a uma autopunição bárbara, atacar inclusive suas partes íntimas, como revelou o pai, só porque é louca, mesmo sem ter dado nenhum sinal disso antes? Impressionante como todo mundo deu para trás, achando que o ataque neonazista era teoria da conspiração. Essa história está nos fazendo muito mal.

Eu acredito em Paula e no pai dela. Paula não está mentindo. Quem está mentindo são os suíços. Não são os suíços que estão internados, com o corpo jovem e bonito mutilado, sangrando sem parar. Não são eles que tem tatuados na pele as iniciais do partido nazista. Não são eles que sofreram qualquer tipo de violência. Foi Paula, brasileira, mulher, que estava esperando gêmeos. O brutal é que todas as evidências poderão sumir e a vítima corre o risco de responder inquérito por inventar sua versão. É de lascar.

Tudo isso acontece porque o Brasil destruiu a si mesmo, se suicidou em 1964, optou pelo fim da soberania, caluniou o grande presidente, colocou toda sorte de energúmenos no poder, de medíocres de todo naipe, numa sucessão de nulidades nunca vista. Foi transformado numa fábrica de monstros e criminosos, que tomaram conta da imagem pública do país, que é sempre visto como um conjunto de estúpidos, quando as pessoas honestas ficam à sombra, escondidas, indignadas e silenciosas. Assim, quando um brasileiro estiver com algum problema no exterior será sempre culpado, pois é isso que 1964 formatou entre nós e para o resto do mundo.

Esta época a partir de 64 será lembrada no futuro como a Grande Idade das Trevas no Brasil. Época em que os talentos foram desperdiçados, os estadistas assassinados, as crianças violentadas, as famílias desconstruídas, a cultura pisoteada. Época em que a violência, a miséria e a mentira cresceram sem parar. Quando se falou como nunca em democracia, quando homens públicos construíam castelos, quando cidadãs brasileiras eram destratadas no Exterior, quando arrogantes ágrafos pontificavam todos os dias com o dedinho levatado. Época de sombras.

Mas nossa resistência prepara a volta do Brasil soberano. Ele virá, tão certo quanto o sol que ilumina o tempo e elimina as dúvidas cevadas pela noite aparentemente interminável.

RETORNO - Imagem desta edição: Oswaldo Aranha discursa diante do túmulo de Getúlio Vargas, ao lado do futuro brasileiro deposto, João Goulart.


BATE-O-BUMBO

OSORIO NA ACADEMIA

O escritor e jornalista José Antônio Severo, autor do livro General Osorio e seu tempo (Editora Expressão, 848 pgs., R$ 80,00), foi convidado para integrar a Academia de História Militar Terrestre do Brasil e Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul, que tem como presidente o historiador Cláudio Moreira Bento, correspondente no Brasil da Academia Portuguesa de História.

Bento reproduz o release da obra e sua apresentação, onde destaca "esta consideração muito procedente do apresentador Nei Duclós, com a qual a historiografia e historiadores militares brasileiros se defrontam, tornando-se este assunto progressivamente um deserto de especialistas em História Militar Brasileira crítica, ou seja, aquela que contribui para a formulação de uma doutrina militar brasileira genuína: Nossa história militar, apesar de grandes e importantes trabalhos (muitos deles jogados num canto das estantes) amarga o preconceito, fruto do desconhecimento e muitas vezes da má-fé. O esquecimento, que merece ser rompido por uma questão não só de justiça, mas de sobrevivência. Parabéns a Nei Duclós por esta conclusão brilhante, da qual nossos dirigentes ainda não se deram conta".

O OUTUBRO DA MAESTRINA

A maestrina Gilia Gerling faz emocionado depoimento em seu blog sobre minha poesia. Ela tinha postado Carta ao Amigo. Nos comentários, eu disse que esse poema está fazendo agora em 2009, quarenta anos. Ela então escreveu o seguinte:

"Eu soube hoje, pelo próprio autor Nei Duclós, que o poema que postei no sábado está fazendo 40 anos! Fiquei muito emocionada quando soube disso porque aquele poema cala fundo em mim, desde que o li pela primeira vez, e lá se vão possivelmente também uns 40 anos.
Sinceramente, acho que Nei Duclós deve ser mais lido, visitado, revisitado, habitado, citado, consagrado, etc.,etc.

Ele não me conhece, mas desde que li "OUTUBRO", em 1975 não deixei de me referir a ele como um poeta essencial. Gosto demais, quando ele diz : "Lento e bruto mudo. Sei que vem outubro." Desde então, eu acesso essa frase para renovar forças, entender fraquezas, enfim, é uma frase de referência para mim. Não tenho como, nem porque explicar, AQUI, tamanha importância e impacto dessa frase em mim, mas tenho como e porque citá-lo uma ou mais vezes, AQUI!

Hoje, para iniciar a semana, estou postando outro poema dele. Mais um, que vale a pena ler, reler e reter!"

Gilia postou meu poema Salvação, que faz sucesso desde que foi citado por Martha Medeiros na sua resenha sobre o filme Closer.

REPERCUSSÃO EM CARAS!

Meu poema "Quero um sorriso/ que dure uma quadra/ e dobre a esquina/ a iluminar-me" foi reproduzido na seção Foco, da revista Caras, edição número 796. No mesmo instante, dezenas de perfis do orkut divulgaram o poema, publicado pela primeira vez no meu livro de estréia Outubro. É o novo hit deste livro que só teve uma edição, há mais de 30 anos!

15 de fevereiro de 2009

SUÍÇA: NAZISTAS EM PELE DE CORDEIRO

Quer dizer então que a polícia , o governo e a imprensa dessa ditadura que é o regime político suíço; um regime facínora mais do que provado por um conterrâneo deles, o sociólogo Jean Ziegler, autor de vários livros como A Suíça lava mais branco, que denuncia a lavagem de dinheiro do narcotráfico e antes disso, do dinheiro roubado do judeus no Holocausto; quer dizer que o skinhead porco de uma autoridade lá, apoiada por esse sistema, acusa uma mulher, brasileira, que abortou em função da chacina promovida por suíços, de mentirosa, tentando assim livrar a cara dessa pseudo civilização, núcleo da ditadura financeira internacional, que mata centenas de milhares de pessoas a toda hora, segundo o próprio Ziegler, e TODO MUNDO MIJA PARA TRÁS?

Quer dizer que uma advogada de uma multinacional, de carreira brilhante, que é paga por estrangeiros para trabalhar no Exterior, que estava grávida de gêmeos, resolve assim no más se mutilar porque os fofinhos dos nazistinhas lá incapazes dessa crueldade? Quer dizer que a mulher brasileira é sempre suspeita, porque não presta , assim como todo o povo brasileiro, pois somos um bando de energúmenos, segundo esses porcos nazistas, E TODO MUNDO, PRINCIPALMENTE A MÍDIA E OS DIPLOMATAS DO BRASIL, CAGA MIUDINHO?

Quer dizer que as evidências não servem para nada, o que vale é o preconceito, o racismo, a violência, a sacanagem, a pouca vergonha, a arrogância, a má fé, a calúnia não só contra uma cidadã, mulher, mãe, desarmada, estrangeira, mas contra todos nós que assistimos bestificados esses merdas, porcos nazistas, fazendo misérias com uma pessoa e tudo pode ficar por isso mesmo, e pior, a vítima ainda pode ser culpada e pegar cadeia, porque, claro se mutilou e fez até aquelas iniciais do partido que publica propaganda como vemos acima, pedindo voto para expulsar as ovelhas negras do paiseco de iogurte podre de maisena e protuberâncias de leite azedo dele, assassinos e safados, que fazem do seu sistema bancário o mais perversa máquina de opressão do mundo E TODO MUNDO VAI FICAR QUIETO, ESPERANDO OS ACONTECIMENTOS?

Claro que tudo vai conspirar contra a pessoa que acabou com sua vida num canto qualquer nevado dessa merda desse país de merda. Pois as provas, as evidências, ou não aparecem ou vão sumir, porque ela é culpada de ser brasileira, bem sucedida, sonhadora, de classe média, que estava falando ao celular com sua família, que tinha namorado fixo e ia casar, isso não vale nada para esses pulhas que acham que nossas mulheres são todas o que as mulheres deles devem ser e TUDO VAI FICAR POR ISSO MESMO PORQUE SOMOS TÃO COVARDES ASSIM?

Só falta dizer que a chacina acobertada é pura teoria da conspiração!!!! Então lá vai bala: é tanta determinação de tapar o sol com a peneira que dá para desconfiar que os criminosos façam parte do governo ou dos familiares dos governantes. Pois não é possível que sejam tão caras-de-pau! Se forem mesmo, a situação ficou terrível, pois o governo de consenso, sem oposição, como diz Ziegler, não permite defecções. Mas isso NÃO DEVE SER MOTIVO PARA COLOCAR O RABO ENTRE AS PERNAS!

Na Caros Amigos leio matéria que entrega todas: “O Professor de sociologia nas universidades de Genebra e Sorbonne, escritor e inimigo número um dos bancos suíços, segundo a imprensa helvética, Jean Ziegler reforçou a imagem de traidor da pátria através do livro A Suíça, o Ouro e os Mortos. O livro trouxe à tona a receptação dos bens dos judeus mortos no Holocausto e do ouro nazista pelos banqueiros suíços. Essa postura polêmica o levou a ser processado por bancos do seu país, sem receber apoio do parlamento do qual fazia parte.”

“Jean Ziegler não é bem-visto em seu país por sua consciência crítica em relação à imagem de paraíso cultivada pela Suíça. Acidamente afirma que seus compatriotas são hipócritas e falsamente liberais frente aos problemas do mundo. O próprio Partido Socialista suíço se recusou a apoiá-lo nas últimas eleições e ele foi obrigado a se candidatar por Zurique, quando seu reduto eleitoral é Genebra. "

"Alguns o consideram persona non grata, enquanto outros concordam com as denúncias mas não simpatizam com Ziegler. Até mesmo entre os judeus ele é visto com reservas e é acusado pelos suíços de ser uma pessoa capaz de escrever ou falar qualquer coisa para alcançar o sucesso. De qualquer forma, neste começo de século, sua busca por relações transparentes nas instituições comerciais e governamentais atravessou fronteiras e influenciou sociedades de todo o mundo que agora exigem a quebra do sigilo bancário suíço. "

"Diz Ziegler: “ Suíça, mais do que nos outros países, a oligarquia dirigente conseguiu eliminar todo tipo de oposição constituída. O governo do Estado é consensual; todos os partidos políticos fazem parte desse consenso — o governo. A greve é quase desconhecida. Existe uma atmosfera pacífica de trabalho. Não existe uma imprensa de oposição digna desse nome. Resumindo: essa concepção de consenso é a lei suprema da Suíça. Qualquer um que ouse atacar o segredo bancário é tratado como um baderneiro. Um inimigo público. Minha crítica a esse pensamento único liderado por essa oligarquia assassina encontra um eco apesar de tudo; mas quase clandestino. "

RETORNO - Imagem de hoje: cartaz do Partido Popular Suíço, nazista, mostra como as ovelhinhas brancas precisam expulsar as ovelhas pretas aos pontapés. Esse é o tipo de canalha que acusa a brasileira honesta de se automutilar.

14 de fevereiro de 2009

AMOR PÓS-ROMÂNTICO


Nei Duclós (*)

No clássico Pais e Filhos, Turgueniev (foto) enxerga a força animal de pessoas engessadas em hábitos e comportamentos de um país e de uma época

Amor é abandono: os pais andam na ponta dos pés para evitar que a admiração pelo filho pródigo, enfim de volta à casa, vire desprezo; o estudante pobre e radical oprime a aristocrata, repentinamente dona do seu árido coração; o amigo suporta todas as humilhações do companheiro de quarto para manter acesa sua devoção por alguém que julga seu superior. Todos sofrem em silêncio esse amor fora de hora, pois em 1859, época em que se desenrola a obra-prima de Turgueniev, Pais e Filhos (Cosac Naify, 1994, tradução de Rubens Figueiredo), o realismo dava as cartas e havia um esforço para que o romantismo fosse coisa do passado.

Era o tempo da ascensão das ciências, quando livros até então considerados canônicos caíam no ridículo; das mulheres livres, que, apesar da inteligência e independência, continuavam sendo desprezadas por parte do poder masculino; dos jovens niilistas (termo que apareceu pela primeira vez neste livro), que não aceitavam nenhum tipo de autoridade ou paradigma; dos senhores progressistas, que distribuíam terras, emancipavam seus servos e os transformavam em mão-de-obra assalariada (o que aconteceu com a própria família do autor). Onde caberia o amor, totalmente entranhado na ideia do romantismo, contra o qual se insurgiam as mentes que se emancipavam?

Turguêniev, que sabia das coisas, coloca o amor onde sempre esteve: nas situações irreversíveis ditadas pelos laços consanguíneos (o rebento que nunca se separa do umbigo materno); na solidariedade inata da juventude, que procura protetores e gurus dentro e fora da família; na relação afetiva entre pares que se flagram na arapuca do estranho sentimento. O amor contraria o conforto do mancebo radical, colocando em xeque suas ideias de um novo mundo, livre das amarras das ilusões; rema contra a corrente da vida doméstica, pois as atenções do filho se desviam para a amizade não-correspondida; e desestabiliza a rotina da madame isolada e rica, que vê na paixão pelo niilista um transtorno que precisa ser imediatamente extirpado.

Amor, nas circunstâncias dessa época que Turguêniev reproduz magistralmente, deixa de ficar confinado na literatura romântica ou de aventuras, ou nos hábitos ditados pelos interesses, para se transformar no penetra da festa do realismo. Para que amar, sentimento inútil, se o mundo se revela avesso a qualquer entrega ao outro, se as pessoas exibem uma transparência sem limites, se nada fica oculto nessa sociedade sacudida pela ansiosa necessidade de mudança? Amor por que, se a soberba toma conta de elites e classes subalternas? Essa má vontade, ou desconhecimento, em relação ao amor é uma fonte de conflitos e desperdícios.

Cada personagem encarna uma forma de amor perdido. Paviel, o tio do promissor Arcádio, e um solteirão anglófilo que desafia o niilista para um duelo, ama em segredo a jovem cunhada, que tem medo dele. Arcádio, que se apaixona pela aristocrata, vê sua amada escorregar para as mãos do amigo que tanto admira. Bazarov, o revolucionário contra todas as correntes ideológicas, a tradição, a família e os costumes, perde o prumo diante do envolvimento com alguém que considera superficial, limitada, previsível. Nicolai, o pai de Arcádio, perde a esposa e tenta reencontrá-la na empregada que lhe dá um filho, e com a qual se casa.

Enquanto as emoções correm por um verão cheio de surpresas, os papéis tradicionais acabam se impondo e as tentativas de mudanças caem no vazio. Catia, a moça prendada que toca piano e cede à corte de Arcádio, é a continuidade da família tradicional, em que os cônjuges se submetem à servidão social e dos costumes. Piotr, o chefe dos mujiques, que sonha com a ascensão social, apenas reitera uma situação econômica de patrões e empregados. Os sentimentos verdadeiros se desencontram, submergem no leito modorrento das relações datadas, ou caem em desgraça, como é o caso do velho casal que perde o filho de tifo. Mas triunfa a narrativa que inventa a própria permanência, apesar de tão amarrada aos detalhes provisórios da época em que foi escrita.

Leitura obrigatória dos outros gênios, como Górki e Tchecov, Turguêniev foi um escritor de grande prestígio e importância. Mesmo tendo denunciado a escassez e a precariedade dos radicais, que diziam não acreditar em nada, foi acusado de ter incentivado os niilistas, que tacaram fogo em São Petersburgo. Precisou emigrar em função dessa ameaça. No fundo, os autores existem à revelia do que escrevem. São cultuados ou perseguidos pela percepção coletiva de sua notoriedade e não pelo mergulho nas suas obras. A verdade é que ninguém lê de fato, com raras exceções.

Ler para enxergar o próprio pensamento, para confirmar preconceitos, para se escandalizar ou se deslumbrar são formas equivocadas de um exercício árduo. Pois o único instrumento de um escritor é a linguagem. Não se pode querer que ele traga à leitura os doces e mistérios perseguidos por vidas vazias ou ansiosas. Essa ferramenta complicada, a linguagem, é o único percurso da leitura. Em Turguêniev, cada parágrafo é uma escultura de situações e vivências que saltam vivas de um livro que tem quase um século e meio de vida.

Ele conseguiu enxergar a força animal de pessoas engessadas nos hábitos e comportamentos de um país e uma época. Encontrou no amor a verdade que resiste aos rótulos. Descobriu que o amor não pertence ao romantismo. E que cruza as tendências e modas como uma flecha envenenada, capaz de contaminar as certezas mais definitivas. Turguêniev encontrou no amor não apenas a sobrevivência da espécie, já que não faz sentido a reprodução física sem o sentimento que empurra as pessoas para um abismo de prazer e iluminações. Encontrou, também, a transcendência.

Os velhos que choram no túmulo esquecido do filho, considerado uma promessa para o mundo; a moça que tocava piano e encontrou no pretendente uma razão para se livrar da influência familiar e gerar uma nova realidade; a jovem mãe que redescobre no velho marido a esperança que tinha perdido por uns tempos; esses se contrapõem ao velho solteirão recluso que amarga um amor proibido.

O amor, não o dinheiro, não as ideias, é o que vale. O amor pode. Por isso tudo se insurge contra ele. Por algum tempo, numa quadra da vida, numa época qualquer do mundo, ele parece ser abandono. Mas todos sabem: não é. Porque o amor é como anatomia: destino. E vocação para a humanidade, que nasce para morrer e vive por instinto.

RETORNO - Ensaio publicado neste sábado, dia 14 de fevereiro de 2009, no caderno Cultura, do Diário Catarinense.

O QUE É TEORIA DA CONSPIRAÇÃO?

Teoria da conspiração é a explicação óbvia para eventos sinistros. Significa: esse acontecimento, fruto evidente de brutalidades explícitas, e que nem precisa de comprovação porque está na cara, não passa de besteira, paranóia, pura teoria. O certo seria um outro motivo, pretensamente mais elaborado, profundo e que está fora do alcance do conhecimento dos mortais comuns. Esse deslocamento das evidências para o limbo, a escura caverna ignota de uma aparente burrice coletiva, é o instrumento mais poderoso da impunidade. Os interesses contrariados pelos fatos criminosos evidentes sempre falam em teoria da conspiração quando são flagrados no pulo. Vamos a alguns exemplos.

ALEMÃES NÃO BOMBARDEARAM NOSSOS NAVIOS – É óbvio, evidente, que os alemães jamais cometeriam a besteira de bombardear um monte de navios mercantes brasileiros na véspera de uma decisão importante, que seria tomada pelo governo Vargas, ou seja, a entrada do Brasil na II Grande Guerra. Mas falar nisso é teoria da conspiração. Agora vejam isto: John Reed, no seu livro “Eu vi um mundo novo nascer”, lançamento da Boitempo, fala que os Estados Unidos entraram na I Guerra porque seus navios foram bombardeados pelos alemães. Ou seja, o expediente maroto já tinha sido usado antes. Está na cara. Quando a verdade enfim vier à tona, ninguém mais vai se importar com isso.

Falei para amigo meu dessa evidência e ele jurou que os alemães estavam furiosos com a quantidade de insumos de guerra que o Brasil exportava para os Aliados via navios mercantes. Imagino que nenhum estrategista iria sucumbir à tentação de destruir algumas embarcações quando poderia contar com o apoio do maior país da América do Sul. O troço não cola. Não que Vargas fosse fechar com os alemães. Mas é óbvio que os nazistas não eram esse monte de idiotia que pintam.

OS EUA COMETERAM O 11 DE SETEMBRO - Um autor francês provou que isso é verdade e um documentário pesquisou à exaustão a sacanagem que os próprios americanos fizeram contra seu povo, para aumentar seu poder no mundo e dentro do próprio território, por meio da ditadura que enfim foi implantada. Mas é forte demais, bruto demais, óbvio demais para ser levado em consideração. Então todos fingem que um cara com problemas renais, escondido numa caverna, tenha elaborado um plano maquiavélico, ultra tecnológico, com precisão absoluta, envolvendo dezenas de pessoas sem que ninguém notasse, e que esse indigente realmente tenha destruído o símbolo da hegemonia imperial apenas dando ordens lá do meio do deserto.

Claro, não foi a realização de testes comprovadamente feitos anteriormente com pilotos automáticos e que sugeriam o atentado que enfim se realizou. Os americanos são os únicos capazes de cometer esse tipo de barbaridade. Pelos recursos, pela capacidade militar e técnica e também pela enorme, grandiosa cara de pau e crueldade, já que carbonizaram 400 mil civis desarmados do Japão no maior atentado terrorista da História e tudo ficou por isso mesmo.

OS PRESIDENTES ASSASSINADOS - O Brasil matou sucessivos presidentes da República: João Goulart, JK, Castelo Branco. Mas isso é teoria da conspiração. Jango, vítima de uma injeção que provocou infarto e não deixou pistas, porque se aproximava a abertura política e ele não poderia voltar porque a ditadura não permitiria. A mesma coisa com JK: o mal explicado acidente na rodovia, que até hoje encuca os pesquisadores, impediu que um estadista pré-64 reassumisse o poder. Não que JK fosse grande coisa, mas perto do que tínhamos desde 64 e o que tivemos depois, é um fenômeno. E poderia, na sua volta, fazer um governo bom. E Castelo Branco, que caiu com um aviãozinho no Ceará, era arquivo vivo.

Mas não fale dessas coisas. Os entendidos vão rir de você. Vão dar aquele sorrisinho cool, que entorta levemente a boca, enquanto suspiram fundo e fazem cara de paisagem. Toda pessoa que fala em teoria da conspiração diante de fatos evidentes faz cara de paisagem.

Um dos grandes aliados da teoria da conspiração são os loucos de dar um nó, os paranóicos mesmo, que inventam evidências quando algo precisa de pesquisa séria. Esses episódios acabam fortalecendo a teoria da conspiração. Viu só? Isso é pura paranóia, deixe de lado. E deixamos. Até que outro fato sinistro, óbvio, exploda na cara de todo mundo e os apresentadores façam aquela expressão de que tudo irá ser investigado, duela a quién duela, quando bastava prender os meliantes que se locupletam com os crimes.

RETORNO - Imagem desta edição: foto da reportagem de John Reed no front russo na I Grande Guerra. Reed, o maior repórter do mundo, americano e socialista, conta como viajou no meio de mil perigos como se fosse até a esquina. E diz como os governos jogaram as massas na carnificina sem que elas soubessem os motivos. Reed não conhecia a teoria da conspiração: viu tudo com clareza e não escondia nada. Além de tudo, nosso herói escrevia como ninguém. Feche o punho, soque o ar e diga comigo, bem alto: Reed! Reed! Reed! Reed!

13 de fevereiro de 2009

TRABALHISMO TRAIDOR


Ontem, tive o desprazer de assistir o programa do PDT na televisão. O partido destaca um egresso do PT, o senador Cristovão Buarque, autor da tese do educacionismo, que, claro, serve para substituir o conceito de trabalhismo. E tem como âncora o político que refluiu para o PT, o Ministro Luppi, o sujeito que faz parte do atual governo, cuspindo assim no túmulo de Leonel Brizola, que, morto, arrancou dos correligionários os gritos de “traidor, traidor” quando Lula decidiu ir aos funerais. O PDT deixou de ser coadjuvante, agora é cúmplice. Arca com todo o ônus da falta de políticas públicas para o emprego, já que o governo agarrou-se às tetas da ciranda financeira, e quando elas secaram, tirou a escada, deixando Luppi falando sozinho.

O trabalhismo precisa assumir sua função histórica, o de refundar o Brasil Soberano, assassinado a partir de 1964. Os militantes precisam entender que o trabalhismo está na vanguarda, voltado para o futuro, pois logo depois da Revolução Russa implantou no Brasil um regime que prega o equilíbrio entre capital e trabalho, o que todo regime político sério busca, principalmente depois de tantas tentativas fracassadas de ditaduras do proletariado, uma pretensa solução para o capitalismo predador. Nenhuma ideologia decente pode pregar a ditadura. Nem pode deixar que a idéia de democracia mascare um sistema de tirania.

Instalou-se no imaginário nacional a idéia de que 1964 foi uma ditadura militar e que, ao nos livrar dos militares no poder, entramos numa democracia. Não foi bem assim, volto ao tema. O golpe de estado foi dado pela direita civil, com inspiração e apoio do imperialismo. Usou os militares porque achava que iria se repetir o de sempre: a farda voltaria ao quartel e os maganos de terno e gravata iriam assumir tudo. Não assumiram tudo, mas o principal: a política econonômico-financeira, fundamental par cumprir o objetivo do golpe, que era destruir o país e colocar nosso território e população a serviço das potências do Exterior.

Depois que os militares ficaram com a imagem bem suja pelo longo tempo que ocuparam o Palácio do Planalto, a mesma direita retomou o poder político, no papel do atual presidente do Senado, que assumiu a presidência por vias tortas (eleição indireta que deixou de valer com a morte do titular). A corrupção e o marketing terminaram de fazer o serviço. A sucessão de escândalos é o normal da atual ditadura civil, que conta com o apoio do trabalhismo traidor. Dizem que as denúncias contra o castelão mineiro vai acabar em pizza. E que a cassação de dez governadores servirá para abrir caminho para um terceiro turno dos mesmos caras acusados hoje. Dizem.

O que me irrita é esse aplomb, essa postura metida a besta, esse cheiro de naftalina em ternos engomados, essas caratonhas de produção de pensamento que os políticos assumem quando estão diante do povo, ou melhor, das câmaras. Parece que são sérios. Como podem ser sérios se acham quem pode educacionar sem eliminar a atual política econômica e financeira? É uma covardia deixar intacto o arrocho que penaliza a nação em favor de uma idéia de educação dirigida para o mercado, porque no fundo é isso que vai acontecer com o tal educacionismo.

Pois a única educação que vale a pena é aquela sustentada por um regime de soberania e que seja de formação básica, humanista, generalista. Você não pode usar a escola para treinar o estudante a passear cachorro. Em aula ele precisa ler Conrad, Platão, Shakespeare, Machado, Cecília. Precisa estudar línguas, matemática, química, biologia. Se for reprovado em uma só matéria ou falta xis número de aulas, repete. Se repetir por dois anos, rua. Era assim no tempo do Brasil Soberano. É assim que deve ser.

Ou vamos formar bobalhões treinados em técnicas de mercado que ficam obsoletas a cada ano?

RETORNO - Imagem desta edição: Judas beija Jesus. Todo mundo está vendo.