27 de setembro de 2015

DEZ DIAS DE SETEMBRO





Nei Duclós

Reúno neste post dez dias de setembro de muita intensidade poética. Os versos se aglomeram para cruzar a fronteira da percepção e deságuam nas nações da leitura com um impulso migratório irresistível. Quanto mais complicada a situação brasileira e mundial, mais necessidade temos de trabalhar a criação literária. Não como refúgio, mas como conquista de espaços culturais abandonados.

O BRASIL É UM DESERTO

O Brasil é um deserto, não há eco
Cultura, só de vícios (entre eles, a virtude)
Somos vice-campeões em tudo
que no fundo é a lanterna

O que vale é o bocejo na hora da sesta
e o butim alheio entupindo o alforge
Autoajuda é a doença da sabedoria.
Matamos nossa arte, nossa música

A literatura virou comadrismo, autores
vão a Paris mentir sobre o que ignoram
O resto é cala-te boca, morte em massa
e a praga da ideologia de resultados

DIMENSÃO

Quer que te escutem? Grite
Talvez seja o que precisam
Sobreponha-se ao ruído
com a alta voz do conteúdo

Nem carece fazer barulho
apenas habite o pobre espírito
Projete a flor da tua origem

Não copie. Confie no coração
O que sentes tem dimensão
na árida arena do pensamento

MAGICLIC

Ao vivo somos como os poemas
compreendidos em toda sua grandeza
só depois da volta completa
na elipse do cometa Halley.

Virtualmente somos magiclic
Prazer em te conhecer,
pele sobre sonho

ENCAIXE

O encaixe é físico
mas o domínio é o coração
e o sonho

O encaixe é lírico
mas o cheiro traz a flor
no freio

O encaixe definitivo
entre a pegada
e o olho

VONTADE

Tenho minha arte
espaço de raro oxigênio
no rarefeito
mundo que se esgarça

Teço a túnica
onde cabe teu rosto
cálido

Respiração convicta
no terreno único
da vontade

20 DE SETEMBRO

Nasci na fronteira
Terra estrangeira
Paz na diferença

Guerra que ainda lembro
Tiro de escopeta
Cavalo em campo aberto

Celebro a voz do tempo
Poder de permanência
Futuro ainda no espelho

HORA DA MESA

Disponho da mesa posta
No ofertório do dia
Nuvem de sonho precoce
Flor que o tempo cultiva

Em cada porção do linho
Manchas de pele encardida
 
Palavras da doce estiva
Lençóis de rude convívio
As pernas ainda feridas
Pelo calor da refrega
 
Amor no rumo da entrega
Manhã de café e conversa
Tens olhos plenos de pétalas
Na casa agora desperta

VIDA DE VIDRO

De manhã à noite, a arte
em dose maciça. criação
e convívio, vida de vidro
aquário que mostra o dom
de estar sozinho. respiração
boca a boca, benefício
de quem assiste a ladainha

Verbo, compaixão divina

VOZ E CORAÇÃO

Voz e coração. Disso és feita
perfeita em arte temporã
cantas para que haja corpo
jogo aberto antes da manhã

De brinde teu rosto satisfeito
flor feminina na luz de neón
melodia da tua leitura atenta
fios de prata em pernas de lã

TESTAMENTO

É insana a situação humana
sabendo-se mortal focada em sobreviver
Deveria entregar-se já que é finita?

A ideia de infinito é a marca divina
na nossa consciência, dizia Descartes
Temos a vocação para a eternidade

No mar ignoto onde podemos submergir
qualquer resíduo serve para ficar à tona
Disso se aproveitam os vendedores de lixo

Buscamos fora de nós a Providência
enquanto o Deus interior tem a chave
e dorme na barca em plena tempestade

Deus inventa-se no que temos de imortal
a alma, passageira na passagem dos milênios
Nenhum argumento cabe em seu espelho

Não são as palavras a morada do Absoluto
mas elas são seus melhores mensageiros
Leitura liberta no verbo, na véspera da carne

Concordamos com os textos que são areia
escorrem no tempo com suas receitas
Precisamos do livro que nos completa

E ele existe, aberto, em nossa memória
Escassos em tudo, folheamos a sabedoria
somos a Criação na sua imperfeita glória

PURO FERMENTO

Costuro com a linha do tempo
agulha de puro fermento
casulo contigo dentro
botão que um dia me deste

Tuas asas cobrem meu ombro
descansas do voo tenso
vibras em tocaia grudenta
nem esperas que eu me apronte

RETORNO - Imagem desta edição: obra de Degas.

LEIO TUA ARTE



Nei Duclós

Leio tua arte
que os versos transportam
como rios subterrâneos
de uma terra ignota
*
Encerras o papo agradecendo
Devias deixar em suspenso
Para a resposta ficar
À altura do assédio
*
Estás perdida. Obra das armadilhas
que encaras como profecias.
Volte ao seu aprisco, o poema límpido,
a prosa como luar e neblina, tua alma,
o mais raro diamante da profunda mina.
*
Sujas teu verbo,
talvez arrependida
do teu talento.
Fique atenta.
Não eras assim,
quando sonhada pela Lua.
*
Te escondes
Submersa
Tesouro que não acesso
Minha tragédia
*
Remota
e feminina
Torre em alto mar
Concha de vidro
*
Rosto contrito
Concentrada no dom
De ser amada
Suspenso suspiro
Aguarda meu impulso
Decisivo
*
Preciso de paz
fonte do poema
*
Deu tudo certo
Você fez manha
Te tirei do aperto
Lembrei que devia
Mil abraços
*
Era o amor, não tínhamos dúvida
Por isso choramos quando o primeiro raio de sol dourou
nosso lençol de linho
*
O poema fica com a última palavra.
Depois dele, o universo se apaga
Deus não retruca, a vida se recolhe
tudo volta à planície da aurora
antes de uma novo Gênesis
caixa de Pandora
*
Suspiras para imitar o vento.
Já levantei âncora, na espreita.
Estás no cais, perfeita.
Imã de concentrado pouso.

FRIORENTA

Cruzei a noite contigo no ombro. A Lua sentiu ciúme e da janela aberta providenciou geada. Acordaste tonta, friorenta.

Doçura extrema, amargas o exílio. Vou te buscar alimentado pela memória do teu açúcar.

Nenhum verso era para ti. O endereço estava errado.

Distribuo o verbo que a vida me entrega. Compromisso de fonte que jamais seca. Cântaro cheio por todo o deserto.

Ficaste muito tempo longe de mim. Agora lembras de algumas tardes de sol. Trechos de versos que escondi junto com o amor.

RETORNO - Imagem desta edição: A Arte e a Literatura, obra de William Bouguereau.

25 de setembro de 2015

INCLUAM JESUS FORA DISSO



Nei Duclós

Jesus não era socialista. Isso é anacronismo grosso.
Também não era operário, era filho do dono.
No caso, o dono, José, não era carpinteiro, mas empreiteiro. Ele se encarregava das construções contratadas pelos ricos da Judeia e pelos romanos, que dominavam a área. Eram serviços de grande responsabilidade, que incluíam os préstimos de pedreiro, carpinteiro etc., assumidos por parentes, amigos, agregados, mestres de ofício etc.

Jesus foi iniciado nos trabalhos do negócio paterno como colaborador e herdeiro, da mesma forma que teve formação espiritual apurada, frequentando o templo desde cedo.
Colocar o cristianismo no âmbito marxista é aparelhagem política oportunista sacana, assim como colocá-lo a serviço dos reaças.
Meu Reino não é deste mundo dizia ele. Ou seja, não fazia parte dos interesses, das celeumas, das questiúnculas políticas e religiosas. Francisco deveria prestar atenção no que seu Mestre diz.

Ao mesmo tempo, Jesus não se negava a encarar os poderes, usando seu domínio da palavra, seu discernimento e sabedoria. Devolver a moeda do tributo ao cobrador do imposto, não cair na armadilha da pergunta sobre a verdade, denunciar a exploração comercial da religião são alguns feitos famosos de sua ação.

O Papa Francisco não tem densidade teológica e fica à mercê do vento. Faz sucesso, mas à custa da doutrina que representa.
O Papa é falível. Contraria o dogma da infalibilidade papal.
Não pode colocar Cristo como a representação do Che Guevara, mesmo não tendo intenção para isso. O marxismo já fez esse serviço ao destacar a iconografia do Che como um Jesus crucificado. Pasolini também fez um Cristo revolucionário, pardo, pobre que fez muito sucesso nos anos 60. Tão equivocados quanto as representações medievais do Cristo loiro.

Há muita diferença em relação a João Paulo II (nome que homenageia o papa assassinado, João Paulo I), que passou um pito no bispo de esquerda na frente das câmaras. Precisa ter poder espiritual e temporal para isso. Não basta ser contra o câncer, a destruição do meio ambiente, da guerra ou ser a favor dos migrantes.

Jesus não era um desamparado. Seus pais foram para a manjedoura porque Belém estava lotada na Páscoa. José tinha recursos para pagar uma hospedaria. Foi um problema de lotação, não de exílio ou marginalização. Fugiu para o Egito na perseguição, mas conseguiu ir e voltar depois, pois fazia parte das familias abastadas.

Ele teve segurança financeira suficiente para ficar em casa até os 30 anos desenvolvendo sua doutrina. O que foi difícil, mesmo sendo filho de Deus. Ponha-se no Seu lugar: decidir abandonar a confortável casa paterna (e negá-la publicamente depois, no auge da pregação), reunir discípulos e doutrinar a massa.

Parafraseando o grande frasista Vicente Mateus, incluam Jesus fora disso. É preciso sobriedade e conhecimento para não cair na tentação de usar Jesus politicamente.


SOPRO



Nei Duclós

Perder a humanidade quando o gesto
engessa
economizar esforço num treinamento
avesso
saber-se sem saída na cidadania
presa
compor algo supremo enquanto cala
o estro

Eis a situação onde ninguém
regressa
revolvendo o passado em redoma
espessa
de lá nada se enxerga especialmente
o tempo

Por isso inventa-se um coração
de gesso
embalagem de poemas ainda no ovo
estéril
e um ruflar de anjos que em conluio
flertam
com a chance viva de combinar
a obra
aquilo que fazemos depois de dar
o exemplo

A liberdade é fuga e confronto ao mesmo
tiro
corremos em direção ao pó que não
se entrega
somos o endurecido barro a devolver
o sopro




24 de setembro de 2015

O DEBOCHE DA PAN GERMANIA



Nei Duclós



Alemães debocham do Brasil num painel em Frankfurt. Nos representam como traficantes violentos corruptos que levam de 7 a 1.

Deveríamos pedir esmolas para os alemães. Vamos estender um capacete nazista para que eles coloquem lá alguns euros da especulação.

Em retribuição, vamos depositar em Berlim os resíduos da bosta do programa nuclear que eles acertaram com a ditadura brasileira.

Quem sabe vamos representar a Alemanha de bigodinho de Hitler e com as fotos das vítímas do Holocausto?

Quando o governo corrupto brasileiro subornou a opinião publica internacional posando de extintores da miséria escancarando as pernas para a indústria especulativa, que abriu um rombo de gerações em nossas finanças, todos celebravam, inclusive os alemães.

Éramos os fenômenos que tinham erradicado a miséria e merecíamos o Nobel da Paz.

Agora que tudo foi desmascarado e se descobre que a ascensão da miséria à classe média foi um truque político de marketing para os chacais se perpetuarem no poder, são os primeiros a posar de vestais.

Eles devem nos identificar com as massas indignadas que vão às ruas contra a corrupção e a violência e não colocar o perfil da nação no rosto dos criminosos.

O pior é notar brasileiros engolindo a patranha como se todos fôssemos culpados da situação onde estamos. Fomos ludibriados, espoliados, explorados. O sistema político saqueou a nação enquanto falava em democracia.

Temos nossas responsabilidades, fazemos autocrítica, lutamos, mas não podemos ser identificados com a poeira humana.

A campanha alemã contra o Brasil tem algo oculto, sacana. Centenas de cidades brasileiras adotam o alemão como segunda língua. Daqui a pouco serão a primeira? Penetram surdamente no tecido nacional investidos de novos centuriões de um império de moral. Que moral? Espoliam países com seu poder bancário e chafurdam na riqueza enquanto a miséria bate em suas portas.

A ideia nazista da Pan Germania (a Alemanha fora da Alemanha), de domínio, está mais ativa do que nunca. Eles nos querem submissos, escravos e por isso fazem campanha da sua superioridade. Enfeixam todas as virtudes mas esquecem que tem as mãos branquelas sujas de sangue. Para sempre. Nada apagará esse crime hediondo.

Respeito é bom e eu gosto. Ninguém está aqui tentando tapar o sol com a peneira. Somos transparentes. Mas enxerguem o país na sua inteireza e não selecionem o lixo, deixando de lado o que multidões fazem diariamente, trabalhando para manter o país, enquanto os aproveitadores, nativos e estrangeiros, jogam pesado levando tudo para o ralo.