Nei Duclós
Tínhamos três tipos de bicicletas em casa. As com rodinhas
suplementares, para a petizada aprender a se equilibrar, a bicicleta dos
rapazes e as das gurias. A nossa passava de irmão para irmão. Era vermelha e
com os aparatos da época (a imagem dá uma ideia): lanternas dianteiras e traseiras,
bomba de ar acoplada e com placa identificando o veículo. As bici dos garotos
tinham um ferro, como se vê na foto (e onde eram levados os caronas) e as das
moças não, para caber as enormes saias.
Cada bici possuía a sua placa oficial, outorgada pela
prefeitura. Só assim era possível trafegar. Se houvesse acidentes, todos
saberiam quais veículos estavam envolvidos. À noite, todos viam que ali estava
um ciclista. Alguns colocavam luzinhas nas rodas, para enfeite ou para aumentar
a segurança. Existiam também as com motor, em que se colocava no eixo da roda
um dispositivo barulhento que dava grande velocidade ao piloto. Usava-se muito
no meu colégio, o Santana.
Nós morávamos em frente e tanto na entrada quanto na saída
multidões se atiravam nos seus veículos salvadores e aproveitavam a cidade
plana, de ruas largas e poucos automóveis. Quando ficamos adolescentes, era
considerado ridículo usar bicicleta, isso era coisa de meninos, não de homens,
que iam a pé ou de carro. Mas as bici faziam parte da nossa vida e as oficinas
especializadas viviam lotadas, para consertos, colocar parche no pneu furado
(que tinha câmaras internas). Nos desfiles cívicos, eram grandemente apreciados
os grupos que levavam orgulhosos suas bicicletas adornadas nas rodas de papel
crepom colorido. Maior sucesso.
Hoje vejo um monte de descalabros. Primeiro, a gana
assassina dos motoristas de carro e ônibus, que não respeitam ciclistas e
atropelam e matam a torto e a direito, como num genocídio premeditado. Eles
querem extinguir a “raça” que usa bicicleta. Segundo, a total falta de adereços
fundamentais, pois como você vai enxergar uma bici no escuro, sem lanternas nem
luzes, e que se confunde na escuridão? Isso jamais justifica o morticínio, mas
haveria uma chance mínima para quem se identificasse na rodovia. Isso só se consegue
com leis. As indústrias foram retirando os adereços para economizar e lucrar
mais, pois era obrigatório vender com tudo em cima.
Outro descalabro é o que fizeram aqui na aldeia onde moro: transformaram
em ciclovias uma grande parte das poucas calçadas (é tudo tomado pela
especulação imobiliária, não sobra uma nesga de espaço para os pedestres) . O
passeio público agora é dividido com ciclistas que trafegam a toda e reclamam
aos berros se você está na frente. Uma vez eu levantei um braço na parada de
ônibus avisando que eu queria embarcar e um degenerado veio veloz nas duas rodas
bater em mim porque eu estava usurpando o sagrado direito dele. Sem falar no
psicopata que quase atropelou minha neta que cruzava a ciclovia para ir á faixa
de segurança na rua,a junto comigo e gritou para a menina: ciclovia, porra! Não
tive tempo de revidar porque o covarde fugiu tão célere quando chegou.
Os crimes contra os ciclistas não justifica a vitimização
das bicicletas.Certa vez eu cruzava a faixa de pedestres na
avenida paulista e uma saradona com sua bike caríssima quase me pegou e eu
reclamei. Faixa de segurança! Ela parou
se voltou para mim furiosa e gritou: E daí!? Estava vestida com todas as grifes
da moda, musculosa e feroz. Pois existem as bici, que servem de transporte para
quem não quer pagar ônibus e depender do péssimo transporte público, que
carregam compras e crianças por todo lado, como se vê aqui e se via muito na minha
cidade, Uruguaiana, e as bikes, que é exclusivamente para o esporte e os
procedimentos para manter a forma.
Acho que deveriam ser enquadrados todos. Fazer como em
Amsterdã, em que as bicicletas, aos milhares, tem seu espaço e cumprem as leis
do trânsito e servem para toda obra, como nos conta meu filho Daniel Duclós em
inúmeros posts. Tirar as ciclovias das calçadas e fazer ciclovias decentes,
disputando com o leito carroçável, e não com os pedestres, pois isso é oportunismo
e covardia, uma ideia de jerico das nossas falsas políticas públicas. Regular a
velocidade pois tem energúmeno trafegando a toda sem olhar a quem. Impor o uso
de lanternas e luzes e emplacamento obrigatório. E punir rigorosamente os criminosos do
trânsito, que matam ciclistas e ficam impunes.
Só assim vai funcionar.