Nei Duclós
Foi preciso que um jornalista veterano, Fernando Gabeira, fizesse
a pauta óbvia: qual o impacto da liberação da maconha no Uruguai e quais seus
principais aspectos, do ponto de vista das autoridades, dos consumidores e do
povo em geral? No seu programa na Globo News, Gabeira faz como no noticiário
europeu, sem a obrigatória passagem do repórter, focando o principal, deixando
a fonte falar sem interferência, só quando for necessário aparecer a pergunta.
Gabeira “some” ao longo do programa e só no final senta-se em frente à sua câmara
(ele mesmo produz as imagens) numa espécie de assinatura visual do trabalho. Elegante,
preciso, discreto, eficiente, informativo.
O texto televisivo assim ganha credibilidade e não se
esgarça na aparição reincidente das mesmas figuras carimbadas seguradoras de
microfone. Com os novos recursos digitais, microfone ficou obsoleto. Ainda é
usado porque não sabem fazer de outra maneira. O gesto mais artificial que
existe e o que sobra em programas de auditório: alguém dirigi o microfone que
está em sua mão para a boca gargalhando de maneira cretina. No noticiário, o
que temos é a realidade atrás dos ombros doas seguradores, que pontificam sem
parar, entre alguém que está no link para outro que está no estúdio.
Certa vez trabalhei em televisão e fiquei impactado com o
estrelismo de todos, até do office boy. Todos protagonistas de um ego
demolidor, impermeável a qualquer observação ou crítica. O chefe de reportagem
mandava cobrir todos os dias o sindicato para o qual fazia a assessoria. O
apresentador (que também fazia propaganda no varejão dos eletrodomésticos) se
achava o editor chefe, e, apaixonado pela própria voz, entrava na redação para
dar ordens. O repórter esportivo fazia merda e se garantia porque ganhava mal e
se você pedisse mais qualidade batia na mesa com suas enormes manoplas. O
correspondente no Exterior selecionava imagens das TVs estrangeiras e ficava
pontificando, jamais fazia uma única reportagem, nunca saía à rua. Quando
pautei algumas saídas teve um faniquito.
Fiquei impressionado com a quantidade gigantesca de pessoas
numa redação de TV para produzir um noticiário ruim e ridículo. A pauta era
feita com recortes de jornal (hoje devem chupar da internet). A matéria era
derrubada em dominó: quando passava por um dançava na etapa seguinte. Assim uma
pauta boa morria nos pauteiros, ou no chefe de reportagem, ou no repórter , ou
no editor de ilha e finalmente no apresentador. Quando furava o bloqueio
ficavam impressionados com a repercussão. Esse foi o mundo da televisão que
conheci, onde eu era execrado por ser “da escrita”, pecador, portanto.
Eu mandava reescrever “cabeças”, as aberturas de matérias,
pois achava uma bosta. Eles diziam que isso não existia em televisão e que eu não
entendia nada porque era da escrita. Replicava que eu não entendia, mas tinha
que reescrever senão não ia ao ar. Ficaram muito, mas muito putos. Aproveitaram
a reengenharia, a eliminação de intermediários para sentarem diretamente no
colo dos patrões acusando o diretor de redação. Conseguiram. É preciso intervir
nas TVs, desde as concessões até o estrelismo, que é conivente com os
sucessivos poderes. O ego substitui a reportagem. A publicidade paga todos os
espaços e você paga TV a cabo para ver anúncios.
Gabeira vai para a rua. Mostra o Uruguai da maconha liberada, as apreensões, os ataques, as defesas, as perspectivas. Uma situação que tem tudo a ver com o Brasil, pois é um país da nossa fronteira que agora atrai comércio e consumidores da erva. Ele fez também um excelente programa sobre os
andarilhos das estradas brasileiras. Vários programas da Globo News são idênticos.
Todos sentados em suas poltronas pontificando. Aprendam com o repórter
veterano. Tirem a bunda da cadeira e parem de fazer gestos com as mãos falando
abobrinhas.