31 de julho de 2017

LAS ACACIAS: O AMOR NASCE NA ESTRADA



Nei Duclós

Vi ontem no Canal Brasil o filme Las Acacias (2011), de Pablo Giorgelli , com Germán de Silva como o motorista de caminhão Rubén, Hebe Duarte como a caroneira Jacinta, e a menina de 5 meses Nayra Calle Mamani como Anahí, filha de Jacinta. A carona é armada pelo dono do caminhão que possivelmente é o pai da criança, já que a mulher é filha de uma empregada doméstica do patrão e registrou a filha com pai desconhecido. Ela é paraguaia, descendente de índios. O patrão certamente é branco.

Há um desconforto total entre os ocupantes da cabine, cidadãos excluídos numa estrada anônima, barulhenta e indiferente. Todos em silêncio, com exceção da criança, que dá um show de simpatia. Aos poucos o gelo vai cedendo para dar lugar a uma sintonia e por fim o sentimento, revelado subitamente numa silenciosa e devastadora cena de ciúmes.

O filme é impressionante e causou na Europa, onde ganhou um prêmio em Cannes. Celebrado pelo rigor e pelo muito que diz num roteiro que não ultrapassa as 20 páginas, este é mais uma obra do cinema argentino que deveria ser imitada por nós, tão preocupados em mostrar gente trepando sem olhar a quem e tendo ataques de asma erótica diante das câmaras.

Em La Acácias, o amor brota na estrada à medida em que o caminhoneiro solitário e bruto se humaniza, tocado pela presença das duas companheiras de viagem. É tocante a evolução do envolvimento de Ruben com a criança e depois com a mulher, quando se dá conta o quanto perde em ser avesso a tudo, turrão e intragável.

Nasce o puro sentimento e atração recíproca entre o cara fechadão e a mulher ferida pelas dificuldades, mas amorosa nos mínimos detalhes (a sedução do sorriso espontâneo, a graça feminina na maternidade) . Um encanto de filme.


30 de julho de 2017

PERIGO


Nei Duclós

Amor rompe o casulo
Inaugura o inaudito
Faz bagunça do discurso
Pega fogo no conflito

Diz bobagem de criança
Com ar de sabedoria
Como aula de autoajuda
Botando banca em subúrbio

Todos se penalizam
quando ocorre a bizarria
Pessoas normais desandam
gente pesada levita

Despeça quem for amante
Contrate quem não capricha
Na relação mais humana
que aposta na sintonia


CARNE VIVA



Nei Duclós

Forçar a barra - ação bizarra - da palavra
em carne viva
para mascarar o comércio de posturas,
prólogo de cargos em miniatura
de escribas mínimos
pode ser a explícita via da denúncia

Mss há o engano inocente
de quem não domina
e perde tempo perseguindo a fonte
que só existe onde não cabe a pedra
de onde jorra a lua


EU CANTO EM TI



Nei Duclós

Eu canto em ti quando há silêncio
Virtuose a dedilhar um instrumento
Música na linha divisória do segredo
Em que geramos flor e partitura

És bissexta em recitar poemas
que compomos em comum acordo
Te concentras mais noutro roteiro
que é pura cena de uma peça avulsa

Mas cultivas o amor nestes momentos
Palavra que na solidão acaba presa.
Quando fazemos serão, perto de agosto

Vem aí a multidão, o som do tempo
Toco tuas mãos, par sem sofrimento


DEPENDEMOS DA SURPRESA



Nei Duclós

Invento a hora ou ela se apresenta?
Importa decidir a diferença?

Unidos ao tempo de saúde ou desavença
dependemos da surpresa
quando se aproxima a criação exposta

Atingimos o osso, somos suspeitos
Alugamos uma peça em hotel barato
Cinzelamos na pedra o último poema
Buzinas urbanas dão o ultimato

Vale o escrito, rodizio de penas


29 de julho de 2017

ARMADILHAS DA IDEIA


Nei Duclós 

Aristóteles precisou provar que o mundo existia fora do Ser, contrariando assim os idealistas da linhagem platônica que colocavam o mundo nos limites da Ideia. Marx pretendeu ser pragmático e realista mas acabou formatando um idealismo fechado. Foi um autor radical   identificado com o Antigo Testamento, sendo o proletariado o povo escolhido, e com a tradição filosófica alemã, mitificando as sociedades pré-burguesas num mundo de equilíbrio social rompido pelo capitalismo, impondo a luta de classes como paradigma de uma História que se pretendia científica e era apenas ideológica.

A esquerda do Brasil ainda se pauta pelos ditames do Manifesto Comunista de 1848, e as versões de Engels da obra de Marx, que destacam o conflito burguesia x proletariado como o perfil definitivo de um mundo que mudou profundamente desde o século 19. Alguns bolsões da esquerda (com defecções no tucanato, que compartilha a mesma origem na universidade pública e na militância clandestina) foram temperados pelas intervenções filosóficas de Lenin e a atualização retrógrada do marxismo primitivo feita por Gramsci. Mas passaram ao largo da desmistificação do marxismo, que ficou a cargo de vários autores na segunda metade do século passado.

Esse atraso da esquerda reflete o atraso dos adversários, que também estão encerrados num mundo ideal, o do neo-liberalismo ou do capitalismo primitivo, duas soluções sagradas para o Brasil sem soberania (a falta de soberania identifica as preferências de ambos os lados, um sendo entreguista do Ocidente na Guerra Fria, outro da Asia na Globalização). A criminalização das ideias opostoa levam ao conflito, não de classes, mas de interesses dependentes do butim, o dinheiro público do pega quem puder.

Esquerda e direita são assim prisioneiras do idealismo, deixando a cargo da população o pragmatismo da luta pela sobrevivência, uma realidade que prescinde de posições ideológicas ou paradigmas filosóficos.   A criminalidade, a miséria, o sucateamento dos serviços públicos, a corrupção endêmica confinam a cidadania às portas fechadas, mas devassadas por milícias e assaltantes, enquanto a politicalha se deblatera na superestrutura (pendurada nos orçamentos suspeitos) como se a mentira tivesse a força da realidade e a solução para os males da nação dependesse apenas dos habitantes considerados apáticos e pusilânimes e que atualmente participam de uma fuga em massa do país.

Falo isso escudado no brilhante livro do professor Orlando Tambosi, O declínio do marxismo e a herança hegeliana – Lucio Colleti e o debate italiano (1945-1991), publicado pela editora da Ufsc em 1999, título que passou ao largo da comunidade acadêmica, que tem mais o que fazer.   Voltarei a este livro em posts futuros. Não sei se entendi direito a complexa trama filosófica do livro, mas algo ficou da explanação minuciosa, elogiada pelo próprio Colletti, que diz não haver nem na Italia um estudo dessa envergadura. Ou seja, o professor está isento das minhas observações, já que sou um aprendiz e um leigo, procurando palmilhar um pouco o universo do meu filho filósofo, Miguel Lobato Duclós, que se foi em 2015 deixando vasto acervo como legado, em textos e livros.


 RETORNO - Acesse o blog de Tambosi    http://otambosi.blogspot.com.br/2006/04/uma-crtica-marxista.html