31 de outubro de 2015

O LEGADO DE MIGUEL LOBATO DUCLÓS

Dos 19 aos 37 anos, de 1997 a 2015, meu filho amado que se foi para sempre criou e desenvolveu um vasto acervo virtual de conhecimento, que foi pioneiro num país onde a universidade tinha a princípio preconceito contra a internet. Um espaço que atraiu milhares de estudantes e que foi responsável pela introdução à Filosofia e atualização do conhecimento para mais de uma geração de alunos, que se mostravam admirados e agradecidos, como atestam as inúmeras cartas recebidas e publicadas.

Muitos chamavam Miguel Lobato Duclós de Mestre, que com sua humildade e foco apenas na importância de repassar o que sabia ou procurava saber, não fazia questão de nenhum título. Foi professor sem ter sido oficialmente reconhecido e foi permanente estudioso de tudo o que importa.

Seu site, que o sustentou por muitos anos e chegou a ter uma média de 35 mil visitas/dia, é seu legado. "Cumpriu sua missão", disse Frei Carlos na cerimônia de ontem. "E agora chegou seu momento".

Cedo demais, filho amado, cedo demais. Dor insuportável;.


Consciência.org - Filosofia e Ciências Humanas
É um espaço virtual de estudo, pesquisa e ensino. Tradicional site de filosofia, ampliou o leque temático para abranger outras ciências humanas: História do Brasil, História Geral, Literatura, Antropologia, Sociologia, Linguística e áreas afins.

Publicamos trabalhos acadêmicos, ensaios e artigos dentro desta proposta, resumos, resenhas, biografias e apresentações de filósofos e pensadores antigos, medievais, modernos e contemporâneos nos textos introdutórios e ebooks e textos de autores clássicos digitalizados na Biblioteca. O site conta com outras seções, como os Testes de Filosofia e o Fórum de Debates. Explore a estrutura de navegação através dos índices estáticos, categorias e tags para encontrar assuntos de seu interesse e use a Pesquisa Interna para localizar palavras-chave dentro do acervo. Veja na seção de colaborações como contribuir.
Temos 1881 posts publicados no site.


O PIONEIRO

Quinze anos atrás, a IstoÉ detecta a emergência da filosofia na Internet e destaca um dos seus protagonistas: Miguel Lobato Duclós, na época com 22 anos, e seu megasite consciencia.org que já tivera 100 mil acessos. O pioneiro que abriu caminho com as novas ferramentas do conhecimento.
http://googleweblight.com/…

MLD: A OBRA DO ACADÊMICO, AUTOR, TRADUTOR


MIGUEL LOBATO DUCLÓS
(1978-2015)

Possui graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2003), atuando principalmente nas seguintes áreas: tradução, digitalização de textos clássicos de ciências humanas para uso estudantil na internet e elaboração de resumos.
Informações coletadas do Lattes em 10/06/2015
Formação complementar 2001 - 2001
Extensão universitária em Introdução ao grego I. (Carga horária: 80h). , Universidade de São Paulo, USP, Brasil.
Além da Usp, onde se formou em Filosofia, frequentou também a Ufsc, a Udesc, a Ufpr, sempre atrás de uma acolhida acadêmica para sua obra.

Algumas produções bibliográficas
DUCLÓS, M. L. . O sentimento dos cidadãos, 2008. (Tradução/Outra).
DUCLÓS, M. L. . Cartas de Nietzsche, 2008. (Tradução/Outra).
DUCLÓS, M. L. . Rousseau - Carta a Voltaire - 10/09/1755, 2008. (Tradução/Outra).
DUCLÓS, M. L. . Rousseau - Carta a David Hume, 2008. (Tradução/Outra).
DUCLÓS, M. L. . A todo francês que ainda ama a justiça e a verdade, 2008. (Tradução/Outra).
DUCLÓS, M. L. . Carta a Rousseau 30.08.1755, 2008. (Tradução/Outra).
DUCLÓS, M. L. . Minha Própria Vida, 2008. (Tradução/Livro).
DUCLÓS, M. L. . Última carta de Thomas More, 2008. (Tradução/Outra).
DUCLÓS, M. L. . Carlos Castaneda - Mágica ou Realidade?, 2008. (Tradução/Artigo).
DUCLÓS, M. L. . O Estoiscimo Antigo, 2002. (Tradução/Livro).

Outras produções
DUCLÓS, M. L. . Discusware em português. 2000. (Tradução de Software).
DUCLÓS, M. L. . HomepageSearchEngine em português. 1999. (Tradução de software).
DUCLÓS, M. L. . Consciência. 1997 (Website de Filosofia) .

30 de outubro de 2015

MIGUEL LOBATO DUCLÓS (1978-2015)


"MIGUEL DUCLÓS, MESTRE E AMIGO DE TODOS OS DIAS"

Depoimento de Marcos Cavutto

"Conheci o Miguel Duclós por volta de 1998, no canal #filosofia do IRC na rede Brasnet. Naquele tempo, início da Internet, o IRC era um dos principais recursos para conversas pela rede, e havia canais temáticos, como filosofia, cinema, música. O #filosofia era praticamente o único que eu frequentava, passava madrugadas inteiras em longas conversas com aquele pessoal, a maioria uma molecada metida a intelectual, apenas alguns, como o Miguel, intelectuais e filósofos de verdade. Aos poucos, o canal foi minguando e as pessoas se dispersando, até só sobrar eu e ele, já não no canal #filosofia, mas no #humanidades. Nestes quase vinte anos de conversas pela Internet, não faltou assunto. O IRC acabou, pelo menos por aqui no Brasil, começaram as redes sociais, primeiro Orkut, depois Facebook. Perdi o contato com todos, menos com o Miguel, passávamos no máximo dois ou três dias sem trocar alguma mensagem, este aqui foi nosso último diálogo:

***
Miguel:
 opa lembra uma vez q falamos do poema do Camões da vilania vencendo a honestidade e tal, será q era esse?
https://lusografias.wordpress.com/2009/05/28/luis-de-camoes-desconcerto-do-mundo/

20 de outubro de 2015 15:45

Marcos:
É, esse mesmo. Síntese genial do portuga.

***
Nossos diálogos às vezes eram curtos, mas sempre significativos.

O Miguel tinha uma inteligência aguda, profunda. Certas vezes eu pensava: “Cheguei a uma conclusão profunda sobre tal coisa”, e ia lá contar a ele, e ele sempre mostrava que minha conclusão profunda era, na verdade, a superfície, lançando luz sobre a coisa de uma forma admirável. Eu entendia o Miguel, e ele sabia disso, porque ele também me entendia, eu consegui entrar e participar do seu Universo composto de filosofia, arte, conhecimento, erudição, de tudo o que era belo, bom, verdadeiro, sublime e profundo, a originalidade e a inteligência sempre encantaram mais o Miguel do que o sentimentalismo, a arte fácil, a “modorra”, como ele gostava de dizer. Influenciávamos um ao outro de uma maneira formidável, indicações de livros, filmes, músicas, sempre vinham dos dois lados e sempre tínhamos combustível permanente neste sentido. O último livro que li, Persépolis, de Marjane Satrapi, foi indicação do Miguel. Lembro-me de sua música preferida, o segundo movimento da sétima sinfonia de Beethoven, e de seu filme preferido também, Morangos Silvestres, do Ingmar Bergman, ele me disse que havia mudado este há algum tempo, mas não me disse qual era o novo eleito. Conversávamos sobre qualquer assunto, inclusive os assuntos de homem, mas havia regras, o Miguel detestava a deselegância, se alguém dizia algo muito tosco ou imoral, ele logo repreendia ou simplesmente saia do canal, eu aprendi isso depressa, creio que foi um dos motivos pelos quais ele me conservou como amigo até o fim.

Declarei no Facebook que o Miguel era meu melhor amigo. Pode parecer estranho, afinal, como é que alguém tem um melhor amigo que mora a centenas de quilômetros de distância? Alguém que sequer chegou a ver pessoalmente? A explicação é que, se num dia qualquer, eu perguntasse ao Miguel: “Você acha que, na questão da imortalidade da alma, tinha mais razão Tomás de Aquino ou Duns Scott? ” Ele não apenas me respondia, mas adicionava novas perspectivas à questão, citando outros filósofos, outras ideias. Não vou conseguir este nível de diálogo com alguém tão cedo, talvez não consiga nunca mais.

No ano de 2006, meu irmão, Milton Cavutto, faleceu sozinho em seu apartamento na cidade de Santo André-SP, aos 44 anos de idade. As amídalas sempre infeccionadas, desde criança, os médicos sempre recomendando cirurgia, mas ele melhorava de repente e pensávamos que estava tudo bem, não estava, a infecção aos poucos enfraqueceu o coração, até que parou de bater. Conversei com o Miguel sobre ele, e que ele escrevia ocasionalmente, poesia e prosa. Mandei-lhe uma poesia do Milton e ele de imediato publicou em seu blog, está lá até hoje:
http://blog.cybershark.net/miguel/2009/09/09/caramujo-poema-inedito-de-milton-carvalho-cavutto/

Estranha coincidência, o Miguel acaba nos deixando em circunstâncias parecidas. Vai fazer falta como faz falta um pai, não apenas um amigo, porque ele nos guiava, nos direcionava para o que é bom, para o que é certo, ele sabia o caminho.
***

“Quando este corpo corruptível estiver revestido da incorruptibilidade, e quando este corpo mortal estiver revestido da imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura: A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? ”
1 Coríntios 15:54,55"

MARCOS CAVUTTO

RETORNO - Texto originalmente publicado em http://oasisnet.blogspot.com.br/?m=1

20 de outubro de 2015

DA CRÍTICA


Nei Duclós

Criticar não é faltar com o respeito, é colocar em dúvida o que é hegemônico fundado na tradição. Há a crítica desrespeitosa, mas isso não faz parte da análise e sim do impropério, do xingamento, da briga ideológica, da disputa de cargos, da necessidade de mostrar força. O que nos interessa é a abordagem isenta e racional, sem que esses conceitos sejam manipulados sob a ótica do fundamentalismo. O pesadelo da razão não deve se impor a uma crítica, que para ser boa não precisa ser obrigatoriamente construtiva.

Precisamos começar definindo o que é tradição, sem invocar o vasto acervo que cerca essa palavra. A produção do pensamento não é fast food, mas nem sempre prescinde da velocidade ou do conforto de manobrar na superfície. A tradição é o que sobrevive apesar dos embates da transgressão em sucessivas gerações. As vidas, quando chegam na fase terminal, costumam recarregar os conceitos tradicionais porque é deles que precisam para continuar em frente. A ultrapassagem, a ruptura, por não construírem uma tradição, já que existem a partir da oposição à herança, acabam sucumbindo ao poder maior do que já está estabelecido há tempos. O revolucionário migra para o conservadorismo, mesmo quem optou pelo marxismo, que, como todas as outras culturas, conseguiu formar um escopo de granítica preservação.

Opor-se ao marxismo é complicado, pois os fundamentos da teoria atingem duramente e de maneira clara a trajetória da civilização. Ele perdeu a forma ao transbordar para o socialismo (que lhe precedia), o reformismo, a aceitação pelo cânone. Foi desmoralizado com a “paz americana” a partir da queda do muro de Berlim, mas se mantém, apesar de os partidos marxistas terem mudado de nomenclatura (nem todos, no Brasil ainda se usa a palavra comunista, à esquerda e à direita). É possível criticar de maneira competente o espírito revolucionário que mantém as mesmas certezas das suas origens nos séculos 18 e 19, mas não a performance teórica e filosófica que impregnou as ciências humanas. Pode-se discordar da luta de classes como presença permanente e hegemônica na História humana, mas não a influência da vida prática na formação dos conceitos, o poder da infraestrutura sobre a superestrutura, mesmo quando isso não obedece ao fundamentalismo do materialismo dialético.

O fato é que se anda em círculos quando se fala em opções políticas e religiosas. O catolicismo deu uma guinada importante com João 23 mas recuou até achar um equilíbrio com João Paulo II e hoje passa por crise de credibilidade com o Papa que pretende ser capa da mídia todos os dias (isso depois da experiência de Bento XVI, um teólogo tradicional que não segurou as pontas soltas da sua religião). Jovens judeus revolucionários, por mais bem humorados que sejam, acabam se rendendo ao cânone ortodoxo, e é isso que mantém a cola que gruda o estado israelense, pois sem a tradição não haveria chances de o Estado se manter em território conflagrado. O movimento negro perdeu seus grandes lideres dos anos 1960 e uma parcela dele, na América, ascendeu socialmente, mas está vivo no varejo, batendo forte em cada evento formatado pelo preconceito. As mudanças não influem radicalmente na postura, já que a repressão continua firme.

No Brasil a confusão instalou-se a partir do momento em que a esquerda atinge o poder e esbagaça o patrimônio da nação, sob o álibi que era um acervo amealhado em séculos de exploração. Não se atentou ao fato de que um país é feito pelo seu povo, por mais submisso que seja, e destruir o que foi construído via corrupção ou abertura completa à invasão estrangeira tira o principal da existência da nação, pois o Brasil foi feito para abrigar os brasileiros, ou então não teria sentido.

Os conservadores se perderam no liberalismo globalizante e hoje tentam demonizar os adversários que lhe impuseram humilhante derrota via urnas eletrônicas suspeitas. Não se pode lutar para restaurar uma ditadura sob pena de desmoralizar a indignação. Assim como não se pode deixar passar em branco o volume de denúncias sobre a roubalheira geral patrocinada pelos novos donos do poder.

Trinta anos do novo regime dito democrático criou uma tradição de incompetência e desvirtuamento das instituições. Busca-se desesperadamente a volta da credibilidade para que a nação permaneça em pé. Nesse processo vale tudo, até esquecer os pecados da farda, que foi erradicada do poder pelo seu complemento civil dos anos de chumbo. Podemos exercer a crítica sem cair na tentação de definir o inimigo para podermos assumir uma identidade. Nosso inimigo não é a República nem a democracia ou a esquerda. Nosso inimigo é difuso, navega entre a imoralidade vigente e a necessidade de mudança. Tenta-se cristalizar o adversário por meio de bonecos infláveis gigantes, mas toda forma de ação sem um foco definido acaba se esvaziando – à força ou não.

O que falta é a crítica fora das paixões, reunir o pensamento racional não fundamentalista, produzir pensamento para o futuro. Ou seremos devorados, como os sírios, os curdos ou os palestinos. Hoje a barbárie toma conta do país por meio de mais de 50 mil assassinatos por ano, das chacinas promovidas por gangs de adolescentes, da manipulação da cena do crime por parte de policiais, das decisões judiciais suspeitas e da recessão, em que finalmente a marolinha mostrou a caratonha. Criticar requer competência, aprofundamento e uso lúcido das mídias disponíveis. E denunciar a pregação da brutalidade pura e simples, como a ideia de que é preciso paredão, bala, pá e cova para os adversários, em vez de debate e Justiça.



RETORNO - Imagem DESTA EDIÇÃO: Gerard Depardieu em Germinal, de Claude Berri, 1993, sobre obra de Emile Zola.