Nei Duclós
(Atenção: texto com spoiler)
Lazzaro morre,portanto permanece o mesmo: o bom rapaz do
interior, prestativo e sem nenhuma maldade, que acaba sendo envolvido por uma
sucessão de crimes e maus personagens. Na sua busca ao ressuscitar vai atrás de
alguém que se diz seu meio irmão, sua outra identidade, que é o filho da
marquesa exploradora de uma comunidade de aldeões e que produz tabaco
clandestinamente e acaba sendo expulsa pela concorrência monopolista e pela
indústria financeira, que a tira da terra junto com os moradores e em troca
oferece apenas ruínas.
Lazzaro encontra seu meio irmão já velho e pede que ele
retorne ao início, quando todos eram explorados mas tinham um vincula com a
terra, enquanto no presente são apenas mendigos, despossuídos de tudo e que
sobrevivem com pequenos golpes e biscates. O lobo que o encontra morto, que o
vê ressuscitar e é também testemunha do seu assassinato numa agência bancária
onde foi confundido com um assaltante, retorna à terra abandonada trafegando em
meio aos carros e à poluição da grande cidade.
O filme não prega a volta à exploração, antes a denuncia.
Mas coloca a diferença entre uma situação em que os aldeões estão vinculados à
terra e tinham intactos seus hábitos e cultura e a situação escabrosa em em que
são párias, golpistas eventuais e comedores de batatinha chips vencidas. No
fim, o estado politicamente correto que condenou a marquesa por explorar
trabalhadores e fazer comércio ilegal de tabaco apenas ajudou a eliminar a
concorrência do monopólio e aumentou o patrimônio da indústria financeira, que
nada faz pela terra, antes a abandona para especular em função de mais lucros.
O velho lobo que devorava cabritos e galinhas porque tinha
sido expulso da matilha por não ter mais o pique da caça é a metáfora de um
povo desenraizado que sobrevive por teimosia e sonha com o retorno a sua vida
numa fazenda de nome inviolata. É a inocência perdida, da qual Lazzaro é a
metáfora maior. O rapaz simples que permanece idêntico, lembrando a todos que é
possível viver novamente a vida simples, mesmo em situações precárias. Trata-se
de um confronto com o politicamente correto e a urgência de se retomar àvida
verdadeira de um povo que veio da terra.
Não vi em nenhum lugar essa ligação entre o filme LAZZARO
FELICE (2018) e o mito do eterno retorno que , segundo a Wikipédia, “é um
conceito filosófico do tempo postulado, em primeira vez no ocidente, pelo
estoicismo e que propunha uma repetição do mundo no qual se extinguia para
voltar a criar-se. Sob esta concepção, o mundo era retornado a sua origem
através da conflagração, onde tudo ardia em fogo. Uma vez queimado, ele se
reconstruiria para que os mesmos atos ocorressem novamente. Mais tarde,
Friedrich Nietzsche também define esse conceito em sua obra. Eterno retorno. Um
dos aspectos do Eterno Retorno diz respeito aos ciclos repetitivos da vida:
estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se
repetiram no passado, ocorrem no presente e se repetirão no futuro, como por
exemplo, guerras, epidemias, etc. Com o Eterno Retorno Nietzsche questiona a
ordem das coisas. Indica um mundo não feito de polos opostos e inconciliáveis,
mas de faces complementares de uma mesma—múltipla, mas única—realidade.”
Não vi referências a esse conceito nas resenhas e
entrevistas, mas acredito, como a brilhante roteirista e diretora do filme,
Alice Rohrwacher (que escolheu o talentoso e jovem ator Adriano Tardiolo como
protagonista) que “é sempre difícil falar sobre inspiração porque acredito que
há inspiração muito mais involuntária do que inspiração voluntária. Quero dizer
involuntário, no bom sentido, porque acho que o bom cinema deixa um efeito
subconsciente duradouro nas pessoas. Há muitas referências inconscientes e não
posso falar sobre inspiração sem reconhecer isso.”