Nei Duclós
O aforismo foi substituído pelo insulto e a persuasão pelo
assassinato. Na nossa época, o aguardado e celebrado precocemente Século 21, o
pensamento conservador perdeu a forma e degringolou no trumpismo vigorante. A
esquerda, ao assumir o poder extrapolou na corrupção, desvinculando-se dos seus
princípios e fundações. Ambos manejaram a tirania das ideias para impor
unilateralmente posições políticas e tudo agora está sendo colhido nas ruas de
Nice, Cabul, Munique.
Por não haver concessões de ambos os lados, os vírus
oportunistas invadiram o tecido que parecia indissolúvel e brilhante. Todos são
corretos, a culpa é sempre dos outros. E a autocrítica virou marketing. O fator
decisivo para a esquerda repetir os erros da direita foi a terceirização do
estamento para as empreiteiras e os bancos. O poder passou a ser exercido
apenas pelas finanças e não mais pelo jogo democrático, como era a proposta
anti-conservadora. A direita então assumiu o papel de vestal inatacável, tal
como os opositores antes de colocarem a mão no cofre.
Vendo o documentário THE 50 YEAR ARGUMENT sobre os 50 anos
da New York Review of Books, de 2014, dirigido pelo Martin Scorsese, notei que
todo o acervo cultural acumulado pela revista não tem mais influência sobre os
rumos dos EUA e do resto do mundo. Já teve. Foi pela NYRB que os politicamente
corretos descobriram que os vietcongs não eram esses anjinhos pintados pela
literatura marxista. Que o racismo é um substrato não visível de posturas da
mídia e da massa e acaba definindo julgamentos de crimes. E por ser invisível,
a toda hora vem à tona, fazendo estrago, como está acontecendo atualmente.
O documentário mostra como funciona um editor. Não
comandamos nada, nós imploramos,diz Robert B. Silvers, que fundou a revista
junto com Barbara Epstein. Essa declaração chama a atenção para o equivoco que
cometem todos os amadores soberbos, o de que devem meter as patas na edição sem
olhar para seus colaboradores. No seu depoimento (tem vários no documentário,
um mais importante do que o outro), Joan Didion lembra que o editor a levou a
escrever sobre assuntos que não lhe interessavam, como a política interna. E
como ele sugeriu mudanças fundamentais nos seus artigos, que melhoraram cem por
cento.
No Brasil vimos o estrago que provocou o pensamento a
reboque. Primeiro foi o anticomunismo ferrenho, que desaguou no ufanismo
mentiroso de 1964. Depois a mitologia da democracia civil, que desaguou em
Sarney, Collor e FHC, com a entrega do patrimônio nacional à sanha dos
credores. Depois o esquerdismo de resultados, que deu no que deu, quando o país
foi saqueado até o osso (é a Justiça quem mostra, cobrem dela).
É uma sinuca de bico: o ódio, a submissão, o impasse, e o
pensamento fora de forma na origem de tudo. É hora de os intelectuais
trabalharem de verdade. Sem aparelhamentos, com criatividade e coragem.