22 de janeiro de 2024

RUPTURA

 Nei Duclós 


Fazes ideia de mim pelo que escrevo

Sem saber o que guardo quando estou ao vivo

Portas fechadas, projetos suspensos 

E brutais fantasias que não dão sossego


Flores do jardim são testemunhas

Que eu ignoro o cão e xingo os vizinhos

Ninguém me suporta no verão sem camisa

Nenhuma paciência com as mudanças do clima


Assim vives a ilusão do poema

Quem me dera ser esse ser tão seguro

Onde cada palavra evita a ruptura


Não deixe de amar o que diz a poesia

Mas tenha cuidado e não se aproxime

A não ser que nada mais te assuste

Amor que eu cultivo quando não tenho saida


Nei Duclós

DIVISÃO

 Nei Duclós 


Faço café para me dar sono

Pão de frigideira e a doce stevia

Daqui a pouco amanhece e estou inteiro

O dia desperta na segunda feira


Reporto meus hábitos noturnos

No ritmo que dou aos procedimentos

Ninguém tem nada com isso mas compartilho

Talvez porque faça companhia aos outros


Navego isolado no tempo a refeição 

Que são os momentos sem nenhuma pompa

Como um soldado que divide a ração 

Porque só assim haverá sobrevivência 


Nei Duclós

21 de janeiro de 2024

DEFEITOS

 Nei Duclós 


Quem me quer não entra

Quem eu quero não alcanço 

Sou da Criação o caroço 

Contra-mão no trânsito 


Faltou educação, no laço 

Cresci fora do norte

Esboço de um mata-borrão


Seco a tinta da canção 

feita de louça 

Nenhuma palavra vale o esforço 


Digo isso para te agradar,

perfeita moça 

Defeitos que te fazem a cabeça 


Nei Duclós

19 de janeiro de 2024

SÚMULA

 Nei Duclós 


Faço música na surdez do mundo

Sílabas que não escutam

Canções em estádios ocultos


Sou o flautista que promete o abismo

E jura que existe uma ancestral melodia

Que tudo revela no horizonte mudo

Profunda poesia na harpa dos minutos


A partitura se desfaz na pauta das nuvens

Morre o eco que poderia ter dito

A provar a súmula jamais escrita


Componho como quem surta

Sem voz apesar de peregrino

Só alguns pássaros adivinham

E cercam tontos de voo

Meu ofício que teclo teimoso

Num órgão misterioso em catedrais do divino


Nei Duclós

18 de janeiro de 2024

TRABALHO

 Nei Duclós 


Faço do jeito que eu quero

Esse é o meu trabalho

E não é desaforo

Nem expediente

Para espantar o sono

É o que aprendi

No tempo em que vivi sobre a terra 


Muito já perdi

Na descida do morro

Mochila ficou para trás 

Casa sem nenhum adorno

Hábitos de monge

Virtudes jogadas num canto


Apenas a livre expressão de um veterano

Estive na guerra, digo quando canto


Nei Duclós

ILUSÃO

 Nei Duclós 


Não lembro mais o teu nome

Nosso tempo evaporou-se

Cada época tem seu jeito de querer

Antes eram raízes, amor para toda vida

Hoje é fumaça, neblina

Amasso de balada

Feito só de palavras

Os corpos que se revelavam

Agora permanecem ocultos


Diziam que os românticos viviam de ilusão 

Mas eram sonhos pautados por presenças 

Nossos namoros nem isso mais são 

Quem nos dera a doce ilusão 

Pelo menos os poemas eram melhores


Nei Duclós

15 de janeiro de 2024

SOMBRA

 Nei Duclós 


Procuro esquecer o sonho que tive

Não forço a memória na porta do outro mundo

O esforço poderá me trazer de volta

Algo que não tive e parece ter força


Cenas e personagens que se misturam na mente

Coisas bizarras, sinais ainda quentes

Vidas passadas e crimes possíveis

Nunca saberemos o que existe no éter


Prefiro a normalidade do sono profundo

Em que nada acontece e mergulho sem culpa

Moro num lugar onde não há mistério 

E ninguém interfere, barulhos ou truques


Acordo onde dormi, natural vagabundo

Não pesquiso o destino oculto e do avesso  

Não dependo de ti, presença da sombra

Basta ser um louco da minha literatura


Nei Duclós

13 de janeiro de 2024

CANTORES DO LEVANTE

 Nei Duclós 


Primeiros pássaros não adivinham qual é o dia da semana

Se vai chover ou o clima ficará ameno

Nem em que época do ano nós estamos


Só sabem que no amanhecer são eles que fazem planos

O grão que irão colher ou qual porção de grama

Vai abastecer o ninho ou o equilíbrio do voo


Nem podem adivinhar que a vida dure um só dia

E que não haverá mais a mínima chance

De novamente anunciar o sol que no levante

Acorda a terra para os pios de plumas flutuantes 


Pássaros da primeira hora não possuem poder de mando

Apenas cantam como se não houvesse mais amanhã 


Nei Duclós



10 de janeiro de 2024

CONFISSÃO

 Nei Duclós 


Tenho palavras profundas para a tua dor

Que tocam músicas de um altar

Tiro de ti quando me confessas

O que guardas de amor em teu lugar


Tenho um coração que te ouve chorar 

E aguarda que voltes de manhã 

Quando Deus sem saber o que dizer

Te deixa ir em minha direção 


Nei Duclós

3 de janeiro de 2024

SOMBRAS

 Nei Duclós 


Sombras que se movem

Capturadas no canto do olho

Algo os movimenta

Mundos ao nosso redor

Sem corpo


Tudo está aqui

Na moita 

Versos que perdi

Conversas

Vozes que não ouvi

Teus beijos

Que procuro por aí 


Nei Duclós