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22 de maio de 2012

DOCUMENTÁRIOS


Nei Duclós

A dificuldade dos documentários é que dependem das aparências. Como é impossível mostrar visualmente a origem do que é mostrado, então o que vemos acaba substituindo uma explicação mais profunda. As palavras isoladas não servem para resolver o impasse sem mexer com a natureza da obra: fica sendo discurso filmado e não um trabalho audiovisual. O verbo, num livro, convive com a imaginação que suscita. Mostrado na tela com reforço da voz se limita ao perfil externo do assunto, o que resulta na reincidência do problema.

Como a demanda da indústria é pesada, se produz documentários em massa, onde impera o lugar comum da abordagem, pois fica difícil contrariar o cânone quando tudo, da publicidade à produção, da percepção do público à análise, está viciado. Por décadas aturamos a síndrome do “sonho acabou” para documentários sobre os anos 60. Ao filmar a natureza, aprendemos a todo instante que os filhotes brincam para treinar ferocidades na vida adulta. Jamais se coloca o fato de que a especificidade da tenra idade nada tem a ver com as seguintes e que brincar é algo que tem suas leis próprias e não fazem a miniatura de comportamentos futuros, apesar das aparências. Mas vai contrariar vozes sóbrias mostrando gatos nenéns arranhando árvores?

Um exemplo é a realidade que vivi de perto – e isso não significa que eu a conheça. Trata-se de São Paulo. Migrante, morador da periferia, lutando com dificuldades junto com a família, entrei em contato com a megaelite paulistana, os grandes empresários e entrevistei-os, como também fiz reportagens sobre empreendedores de todos os nichos e tamanhos. Estava dividido entre ser da população e reportar os capitães do capital e do trabalho. Vi como foram montados partidos como o PT e arreglo de elites como a Nova República. Acompanhei as manobras sobre a opinião pública providenciadas pela mídia, que se impregnava de todos os discursos e interesses.  Mas o que vejo nos documentários é o Coração de Estudante da morte de Tancredo, os marmanjos se dando as mãos e cantando o hino e as velhas percepções sobre o regime ditatorial civil-militar, apelidado de ditadura militar.

Nunca me senti o migrante tradicional. Assim como eu, milhares de pessoas que vieram de outros lugares para a grande cidade também não se enquadram nas gavetinhas dos documentários. Ideologias e disputas de cargos acabam influindo a indústria audiovisual e vemos personagens enquadradas em leituras teóricas e não uma visão mais aprofundada dos mecanismos das atividades humanas.


Uma entrevista que me impressionou foi com o mais poderoso empresário do país, José Ermírio de Morais, no prédio que fica nos fundos do Teatro Municipal e foi um hotel famoso nos anos 1920, um ambiente do modernismo de sólidas paredes e que praticamente desaparece no caos urbano do centro da megalópole. Ele falou sobre cultura, já que a Votorantim investe nessa área. Diante da minha curiosidade, ele me levou pelos corredores para mostrar o passado impregnando as paredes. Falou pouco comigo, uns 15 minutos. Vi ali alguém que ninguém reportava direito. Quem aparecia era seu irmão, Antonio Ermírio. Mas José era a essência oculta.


RETORNO -  1. Crônica publicada no jornal Moimento de Uruguaiana.  2. Imagem desta edição: tirei daqui.