Nei Duclós
Eu também não sei porque estamos juntos. É um segredo dos
nossos corpos.
O amarelo da blusa margeia o seio. O preto da calça sugere a
renda. Dentro, o creme da tua volúpia, mulher suprema.
Depois que me conversaste voltaste ao teu silêncio, queria
que tu sofresse um décimo do que te amo
Concentrada no que parece tua vida, passas como deusa sem
nome, e não é a roupa nem o rosto, é o que deixas em mim, impregnado de
loucura.
Achas covardia meu exercício sobre ti, o espinho sobre as
pétalas. É que eu não me iludo com tua manha, precipício.
Só quando assinares a rendição paro com isso. Com o papel na
mão, ordenarei minhas tropas te invadirem.
Vê se não esquece de ficar para sempre.
Deixamos um rastro de tanto amasso, estava na nossa cara de
tratantes.
Beijo em Vênus, encaixe em Lua nova: em teu cosmo exerço o
êxtase, cânone de astros graves de leveza.
Marque uma ponte no abismo, equilibrista.
Imagino que és minha e o resultado é que ninguém mais se
aproxima.
Diga eu te amo. Vai doer menos do que insistir no engano.
Moras longe, mas não importa. És vizinha do meu verso.
Não fosse a fantasia, não existirias. Restaria apenas a
realidade, meu corpo exausto.
Não vejo ninguém em oito bilhões no planeta. Só teu rosto
encoberto pela ausência. Estive no mar em busca de uma única gota.
De bruços encostada no muro, cara de paisagem sob o cabelo
solto, o short branco e a curva que começa na cintura e faz um arabesco no pé
que se desprende do chinelo.
Consulto a correspondência para ver se estás desperta. Mas
teu corpo indiferente dorme o sono das estrelas.
Ela passou raspando, como num campeonato. Mostrei que sou
bom de bola me jogando para o alto, mesmo sabendo que a trave era o limite da
Lua.
Agora sei porque vivo o teu amor verdadeiro. Fui escolhido
entre tantos que te cortejam pesado. É que tenho o jeito triste de ser feliz ao
teu lado
Treinas o gemido para quando vier o dia.
Teu suspiro chegou longe, no verso que fez a ferida.
Tarde longa como um tango recombinando o acordo, corpo
trançado mil vezes enquanto faço o balanço.
É hoje que você dança, cintura em busca de apoio, gosto
preso na garganta.
Costumo acertar na mosca. Faço a mira com o que tenho.
Aquilo que jogaram fora por desprezo.
Que bom que gostam destas cantigas, que saem em jorro, de
fonte limpa.
Poema não cabe na rotina. Tem outro ritmo. Pode até ser
repetido, mas sobra quando dançamos na mesmice.
Estou ganhando a vida. Recebo quando desisto do que me deixa
vivo.
RETORNO – Imagem desta edição: Louise Brooks.