Nei Duclós
O que farei das minhas chuvas,
ruas, concertos, tralhas, livros
quando for embora para sempre
herdeira do meu sonho?
Levarei comigo, ou ficará no sítio
onde nos amamos, parques sujos
de luz fosca de tardio outono
divisórias do que um dia fomos?
Esse abandono já escrito doerá
como cicatriz prevendo granizo
e estarás de novo só, mudo ruído
Coloque tudo em algumas cinzas
meu caderno de ouro, ametistas
jóias de um amor de eterno brilho
RETORNO - Imagem desta edição: Marylin Monroe.
Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
31 de maio de 2012
30 de maio de 2012
PERFEITO
Nei Duclós
O verso mais feliz é aquele que te deslumbra.
Queres que eu sussurre o que o meu coração grita?
O rosto perfeito surge por descuido, quando Deus se debruça
sobre pincéis que se misturam. Ao voltar os olhos para a tela, lá está o
assombro providenciado pelo implicante Acaso.
Admita que me ama. Só depois conversamos.
Tens medo? Eu estou em pânico. Vamos deixar que o tempo se
encarregue de produzir remorso.
Voltamos sempre ao mesmo ponto. Nos batendo em frente ao
espelho. Ultrapassamos a fase do choro. Agora dói por consentimento.
Já estou no laço. O que impressiona é que não baixas a
guarda. Como se fosse me perder, tirana.
Não nos entendemos. Por isso não descambe. Não vá deixar à
mostra um milimetro de renda.
Isso cansa, disse a retirante. Prefiro ao vivo, senão é
poeira. Vejo encontros mudos, disse o saltimbanco. E cartas que são bálsamo no
deserto.
De manhã à noite, poema. Assim te alimento, dispersa. Te
amarro na corda do verso.
Há uma grossa camada sobre o nosso espanto. Nos debatemos e
só as aves escutam os gritos que emitimos por gosto.
As flores fizeram greve. O desamor não se deu conta.
Continuou andando no deserto dos canteiros.
Hora de dar um break. Pense em algo que te encante.
É um arrepio por dentro, que não dá bandeira. A não ser
quando torces a cabeça assim meio sem querer e vejo de longe que estás em ponto
de bala.
No que ela está pensando, a musa de belíssimos ombros?
RETORNO – Imagem desta edição: Laetitia Casta.
RODÍZIO DA CRIAÇÃO
Nei Duclós
Elementos dispersos precisam rodar, revolucionar-se,
consolidar um movimento de rotação para
haver uma síntese e nascer a criatura, seja gente ou galáxia. Vemos isso não
apenas nas fotos do cosmos, mas nas plantas, que são espirais e redes. Um certo
quintal na casa onde morávamos no subúrbio de Porto Alegre tinha bananeiras em
vários estágios de crescimento.
Vi como as redes vegetais iam, como gazes, se sobrepondo umas às outras até formar o tronco, de onde
brotavam folhas e o cacho da fruta, que por sua vez são radiadas, possuem um
ponto na base e vão se expandindo nas pontas, imitando a mão espalmada na sua
forma básica. Tudo irrompe como geisers na imensidão do mistério e todo caule
tem um chapéu de cogumelo com as estrias dessa multiplicidade.
É um paradoxo: o rodízio implica redundância, já que é
preciso retomar o início constantemente, como impõe a envergadura do círculo e
os fogões antigos que iam cobrindo o fogo em vários encaixes redondos de
ferro. Sem essa retomada constante não
há invenção,originalidade, que em tese seria vista como tirar alguma coisa do
nada, o que é uma percepção errada da criação. Mesmo que o Acaso, o deus ateu,
seja verdadeiro na história do Big Bang, a origem, o núcleo da explosão
primordial implica uma existência prévia de uma semente, uma bomba armada. É a
dialética da ruptura x tradição.
Como a vida é curta, cada geração aprende por si esse
segredo. Não se passa um monumento desses como se fosse um bastão de olimpíada
em prova de revezamento. Como houve rodízio para existir civilização,a mocidade
acha que a originalidade está na dispersão e parte para a ruptura. Por sorte a
virada de mesa tem fôlego curto e em seguida s se consolida e pode virar
cânone. Isso tudo desencadeia nova volta da espiral, pois o tempo ensina que é
preciso retomar os eventos, amarrar as pontas para que algo surja do caos.
Um dos grandes equívocos da modernidade é que não se
preparou para a longevidade. Acha que iria usufruir para sempre o status de
confronto. Hoje, quando o Modernismo virou religião oficial no Brasil, fazer
sonetos chega a ser uma transgressão. É preciso que haja sempre esse
desequilíbrio para que não fiquemos presos às ideias fixas. É engraçado ver
pessoas muito bem postas nos cargos e na vida defendendo a uma pretensa atitude
revolucionária. Sobreviver implica ceder, retomar o que foi deixado para trás.
Essa lição se aprende depois de vários ferimentos.
Por um tempo imaginei que criar era sempre ir em frente, sem
prestar atenção ao rastro que deixamos ou as pistas herdadas. Aprendi na dor
que somos a soma de vivências que não nos pertencem e que devem nos impregnar
de maneira criativa, ou seja, partindo de tradições em favor de rupturas, e de
volta ao início. Somos inovadores em relação a alguma coisa. Sempre há uma
partícula menor e mais invisível para entendermos o mecanismo das estrelas.
Só assim saberemos as dificuldades que nossos pais
enfrentaram para abrir caminho na mata e como geramos criaturas de todos os
feitios trabalhando os materiais existentes no mundo. O Tempo é um deus
impiedoso e sem ele nada aprenderemos.
RETORNO - 1.Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: Gisele Bündchen.
NINHO
Nei Duclós
Para onde vão os poemas que postamos? Para teu coração, amor
verdadeiro. Eles se depositam em ti fazendo ninho.
Melhor não prestar atenção na tua imagem. Dá tremedeira.
Mas o amor é o tempo todo? perguntam. Não, sobram alguns
minutos para chorar no canto.
A semana ainda está no meio! gritam, em pânico. Querem que
eu espere o descanso para acumular o que sinto no lixo da segunda-feira?
És meu desassossego. Mesmo signo não combina. Migre para
Vênus, marciana.
Esqueço a forma do teu rosto antes da tormenta. Agora só
vejo teu olhar esbugalhado de tanta arrasadora gana.
Os poetas, primeiro, disse São Pedro. Está havendo um sarau
e só tem anjo ruim de verso.
Aposte que haverá mais de uma vez na mesma chance. Não que
haja performance. É que o amor não cede quando o visgo é denso.
Depois que tudo passar, a poesia será a criatura ainda viva
a brincar em calçadas antigas. Seu alarido já escuta. Beije a nuvem, minha
vida.
Estude o poema. Faça a lição de casa. Guarde o caderno sob o
travesseiro. E sonhe com as palavras que te tiram do sério.
Sinto muito, te amo.
Tudo é exagero. Nascer, viver, morrer. Por que então
implicam com um pobre verso? Só porque ele resolve dizer o que guardei num
tempo eterno?
Não estou com a razão: sou louco por ti.
Não valorizo o que ofereço. Acho até meio sem brilho. É
fosco, como diamante na mina antes do trato. Pode ser confundido com ouro
falso. Não tem como evitar o risco. Tire a guarda desses lábios.
A Crescente mostra a luz na janela para o deslumbre mas é na
sombra que urde a Lua cheia.
Só vejo uma metade da Lua. A outra brilha.
Harmonia é quando entoamos juntos. Melodia é quando te
canto. Solfejo é o som do anjo quando lembras do acalanto.
Não reconhecia mais ninguém. As palavras perderam o sentido.
Escorregou para o abismo, onde tudo nada significa.
É cedo. Por isso mesmo. Depois te perderás no dia. Aproveite
o beijo antes que suma na neblina.
Deite no meu verso que ele te mantém acesa, fogo brando em
direção ao sonho, de onde ilumina o peito ansioso pela manhã.
Entendo. Não queres repetir o sentimento. Melhor inaugurar
outro meio. Matar teu sonho, por exemplo.
Já podes voltar à tua rotina. Vou descansar um pouco. Amar é
pior do que a lavoura. Suamos na penumbra, sentimos frio no sol a pino.
RETORNO – Imagem desta edição: Charlize Theron.
COSMO
Nei Duclós
Beijo em Vênus, encaixe em Lua
nova:
em teu cosmo exerço o êxtase,
cânone de astros graves de
leveza.
Chuva de meteoro em teu planeta
Montanhas vermelhas de Marte
nos lábios sob a rede dos
cabelos
Todas as cores de Saturno ornam
a rotação dos anéis do teu
sistema
Tempestades de areia sobre cílios
lágrimas de antiga descoberta
quando fui astronauta e tu, estrela
Somos jogados para Andrômeda
em anos luz de explosão e espasmo
gero nebulosas ao mexer no caldo
RETORNO – Imagem desta edição: Charlize Theron.
29 de maio de 2012
JUNTOS
Nei Duclós
Eu também não sei porque estamos juntos. É um segredo dos
nossos corpos.
O amarelo da blusa margeia o seio. O preto da calça sugere a
renda. Dentro, o creme da tua volúpia, mulher suprema.
Depois que me conversaste voltaste ao teu silêncio, queria
que tu sofresse um décimo do que te amo
Concentrada no que parece tua vida, passas como deusa sem
nome, e não é a roupa nem o rosto, é o que deixas em mim, impregnado de
loucura.
Achas covardia meu exercício sobre ti, o espinho sobre as
pétalas. É que eu não me iludo com tua manha, precipício.
Só quando assinares a rendição paro com isso. Com o papel na
mão, ordenarei minhas tropas te invadirem.
Vê se não esquece de ficar para sempre.
Deixamos um rastro de tanto amasso, estava na nossa cara de
tratantes.
Beijo em Vênus, encaixe em Lua nova: em teu cosmo exerço o
êxtase, cânone de astros graves de leveza.
Marque uma ponte no abismo, equilibrista.
Imagino que és minha e o resultado é que ninguém mais se
aproxima.
Diga eu te amo. Vai doer menos do que insistir no engano.
Moras longe, mas não importa. És vizinha do meu verso.
Não fosse a fantasia, não existirias. Restaria apenas a
realidade, meu corpo exausto.
Não vejo ninguém em oito bilhões no planeta. Só teu rosto
encoberto pela ausência. Estive no mar em busca de uma única gota.
De bruços encostada no muro, cara de paisagem sob o cabelo
solto, o short branco e a curva que começa na cintura e faz um arabesco no pé
que se desprende do chinelo.
Consulto a correspondência para ver se estás desperta. Mas
teu corpo indiferente dorme o sono das estrelas.
Ela passou raspando, como num campeonato. Mostrei que sou
bom de bola me jogando para o alto, mesmo sabendo que a trave era o limite da
Lua.
Agora sei porque vivo o teu amor verdadeiro. Fui escolhido
entre tantos que te cortejam pesado. É que tenho o jeito triste de ser feliz ao
teu lado
Treinas o gemido para quando vier o dia.
Teu suspiro chegou longe, no verso que fez a ferida.
Tarde longa como um tango recombinando o acordo, corpo
trançado mil vezes enquanto faço o balanço.
É hoje que você dança, cintura em busca de apoio, gosto
preso na garganta.
Costumo acertar na mosca. Faço a mira com o que tenho.
Aquilo que jogaram fora por desprezo.
Que bom que gostam destas cantigas, que saem em jorro, de
fonte limpa.
Poema não cabe na rotina. Tem outro ritmo. Pode até ser
repetido, mas sobra quando dançamos na mesmice.
Estou ganhando a vida. Recebo quando desisto do que me deixa
vivo.
RETORNO – Imagem desta edição: Louise Brooks.
SORTE
Nei Duclós
Te visitei em sonho, estavas linda
como o poema quando escrevo
ilusão e beleza andam juntas
no mesmo evento do meu verbo
Te recito depois, cada molejo
de tua pele enriquece o meu acervo
imaginas o toque, musa trêmula
aguardas despertar entre mistérios
Não entendo o que nos pega em cheio
esse ardor de fogo e apimentado reino
não sinto por ninguém o que te sobra
Antes do encontro, projeto por esporte
o conto que me encanta enquanto durmo
sonoro realejo a me tirar a sorte
RETORNO – Imagem desta edição: Nicole Kidman.
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