30 de novembro de 2011

DESENLACE


Nei Duclós

Cedo aconteceu o desenlace
um evento vibrou e houve o corte
No início foram anjos que levaram
depois Deus, quebrando o protocolo

O destino decidiu-se pela viagem
Caronte num mar ainda ignoto
urna de alabastro, dossel de jade
e um rosto vazio olhando o norte

Na estátua que registra tua memória
riscamos o verso de um poeta clássico
que desvenda teu perfil e teu mistério

Não lembro o que ele diz, mas é certo
que todo visitante quando lê, chora
é algo sobre a alma e a sua glória


RETORNO – Imagem desta edição : Alma Levada ao Céu, de William Bouguereau

DILÚVIO


Nei Duclós


Puxei seu cabelo até a superfície. Lá, respiramos. Mas ela pediu para soltar e se foi, no vórtice do poema que jamais ficou pronto

Para você é fácil, disse ela. Fala tão bem que imagina vibrar. Eu sou de outros sons. Só toco quando vibro de verdade. Cuidado

Se fosse matemática esse sentimento, e se houvesse química entre planetas distantes, eu seria o projetista de uma nave louca, você

Confirmado. Ela se foi por hoje. Mais uma temporada no deserto. Nenhum sortilégio te traz de volta, única água para minha fechada sede

Não faço as refeições se ela não responde. Não durmo se não acena. Não sonho se não me traz um ramo depois do dilúvio do choro

Viajei para o lado oposto, pois achei que ela não me queria. Mas me enganei. Na primeira parada, havia um mensageiro com meu nome. Armado

São pequenas pistas que ela deixa ao longo dos dias. Como se eu fosse um rastreador de musa. Sou apenas um viajante e não tenho rumo

Agora escapa novamente. Foi só um assomo de esperança. Sombra do olho, fogo da percepção. Estranho. Se for amor, não se espante

Como não a toco,ela some com o silêncio. Como não a vejo,ela volta quando fala. Como não há vento,há só sua lembrança. Poder de encantamento

Você tem direito a três pedidos, disse o Gênio. Amor é o primeiro, disse ela. Os outros dois eu repasso para a caridade

Passei a morar, cada vez mais perto e imperfeito, no teu olhar, foco do sentimento

O que tem hoje? perguntou a moradora. Pão e poesia, disse o entregador. Deixe a poesia. Quem sabe um soneto me leva ao baile

Agora me recolho. Se tiver de mim a mínima lembrança, estarei sob o sol, de olho no horizonte. Vais me querer então, maravilhosa?


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Caspar David Firederich.

PECADO


Nei Duclós

É pecado dizer não à natureza
matar o mar com toda sorte de impureza
encher a praia de concreto e colchão velho
Espalhar lixo até em raiz de castanheira

É tão óbvio que constrange o verso
Impossível conviver longe da trilha
do choque bom no verão da cachoeira
ou do assombro no paredão da serra

Este mundo não foi feito sem projeto
Deus desenha e gigantes se concentram
na alquimia das águas e das pedras

Temos paisagem porque existe o Arquiteto
Não precisa destruir porque é um fato
fazermos parte do eterno só num trecho



RETORNO - Imagem de hoje: obra de Caspar David Friedrich

29 de novembro de 2011

ROÇA


Nei Duclós

Dançar é o segredo da cintura
andar, o mistério do recato
no baile, o meu olhar é puro
na memória, piso teu sapato

Deixei passar o tempo do barato
quando podia te levar de arrasto
com meu jeito travesso de matuto
calça escassa e péssimo penteado

Foste embora e eu fiquei no gado
e plantei sementes de discórdia
colhi o amargo, acompanhei a surra

que deste no teu noivo tão cordato
Eu sabia que eras xucra como a fera
que habita nossos corações grudados


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Portinari

TALISMÃ



Nei Duclós


Nenhum amor compensa o abandono que vem depois. Mas nenhum abandono é mais vasto do que qualquer migalha de amor

Mensagens cifradas pulam o muro e ganham o mundo.São caçadas pelo faro dos especialistas.Mas escapam e pousam em teu colo como um beija-flor

Às vezes eu não acredito em tanta sorte. E digo: como sempre, é um sonho, vai passar. Mas é um dia que não acaba, uma estação que permanece

Ficamos à toa sem sentimento. Aí vem o vento e carrega teu coração para os pés de alguém. Nada mais faz sentido, a não ser aquela presença

Desistimos de procurar e vamos tomar um café.Mas o lugar está cheio e então ela chega e senta, olhando o vazio que existe em ti,transparente

Perdi a noção, ela me disse. E me mostrou a mala aberta que tinha trazido na sua fuga: duas cartas de amor que lhe enviei da África

Escrevemos amor porque não há outra palavra. Mas pode ser encanto. Obscuro talismã da sorte


RETORNO - Imagem desta edição: caixa de Pandora

POESIA: O NARRADOR COMO PERSONAGEM



Nei Duclós

Gênero literário é como planeta visto do espaço: não aparecem as fronteiras. É preciso, como se dizia, “colocar no papel” para que possamos enxergar as diferenças entre conto, crônica, romance, poesia. O poema minuto, o microconto, o cruzamento entre ficção e ensaio, a prosa poética intensificada pelo derramamento das formas do texto na tela do micro criam uma salada heterodoxa para uma celebração. O tema é bom , revigorado pelas mudanças radicais nos meios, influindo diretamente na natureza das mensagens, em que a mecânica quântica digital inflete sobre o cânone analógico do impresso (clique o mouse na edição “impressa”, por exemplo, é um magnífico paradoxo).

Prefiro abordar o personagem na poesia, um gênero que ganhou força nas mídias sociais. Fernando Pessoa radicalizou ao mostrar que poesia é dramaturgia, a cargo de personagens . Mas a tendência é achar que o poeta fala por seu próprio ethos, que não usa o estratagema teatral para compor seus versos. Há motivos para esse equivoco. O poeta como personagem é uma tentação para o autor. Trata-se de heroísmo, da coragem da fala, do charme da música da palavra, do perfil filosófico que as grandes obras poéticas adquirem. Há sempre uma decepção quando se conhece de verdade o autor. Um Pablo Neruda tão épico usando aquele bonezinho de lã e com cara triste de inverno. Um João Cabral tão contundente em Morte e Vida Severina e sendo tão embaixador na Espanha ou Senegal.

Quem mais aproximou o autor do personagem talvez tenha sido Vinicius de Moraes, que ao criar o Poetinha ofereceu-se em libações e melodias para a massa encantada. Ou mesmo Oswald de Andrade, que amargou exílio duro interno ao radicalizar suas mensagens e brigar com todo mundo. Mas o Oswald doente em casa, um Vinicius que morre na banheira de copo na mão confundem os leitores que precisam maquiar bem a imagem do autor para que fique como a do personagem criado.

A morte precoce ou o desaparecimento de cena ajudam a formar o mito. Os casos mais notórios, Garcia Lorca e Rimbaud, mostram o poeta popular e erudito da Andaluzia sendo fuzilado ao amanhecer, o que tem tudo a ver com a efígie criada em vida. E o poeta radical que desapareceu de Paris para traficar armas na África é o retrato acabado dessa saga do autor que se confunde com o personagem.

Mas o que deve prevalecer é a sinceridade e nisso Borges é imbatível. O velho cego e sedentário criou a bizarria do viajante misterioso e sabemos o tempo todo que existe esse fosso entre o gênio argentino e sua obra. Foram confundi-lo de propósito, colocando-o como um homem de direita, quando deveriam apenas prestar atenção no cidadão sincero que tem suas opiniões, mas voa para muito longe quando nos traz os mais inacessíveis volumes de sua maravilhosa biblioteca.

Temos casos notórios de falsidades, como o poeta veterano que gosta de abrir a camisa e mostrar a medalha no peito viril enquanto olha o olhar sampacu para as pobres vitimas, as leitoras. Ou o jovem poeta que leva vida tradicional, mas encena uma vida aventurosa e transgressora. É fácil confundir os leitores, que esperam sempre encontrar o herói por trás das belas palavras. Mas o que existe de fato é a obra e seu autor, duas realidades que interagem e tem vida própria. Faz parte do ofício, nada tem a ver com falsidade. A obra impõe seus personagens e o verdadeiro autor obedece. Um ator usa técnicas para poder atingir seu objetivo, emocionar. Um poeta faz a mesma coisa. Escreve sem piedade para arrancar suspiros.

Conhecer pessoalmente o poeta pode não ser uma boa pedida. Você não encontrará no sujeito aquilo que teve o poder de arrebatar na leitura. Mas trate-o com consideração. Ele também é fã do que você admira. Seu segredo é mais fundo e implica renúncia, afastamento. Muitas vezes devemos silenciar. A palavra precisa do exílio para não se apropriar do que procuramos dizer tateando no escuro.


RETORNO - Minha estréia no caderno Plural, do jornal Notícias do Dia, de Florianópolis, publicado no sábado, dia 26/11/2011.

NATUREZA


Nei Duclós

Foi o mar que fundou a nossa terra
e inventou o litoral e as montanhas
coube à onda, à maré e à correnteza
implantar a nação a fogo e ferro

Porque nada devemos às palmeiras
ou ao mato fechado onde se encerra
o segredo nacional ou seu tormento
E sim ao vento, amante da aventura

Parece exagero dizer que vira espuma
a grandeza atribuída ao nosso gesto
mas o pai que dispomos é o horizonte

Nessa linha deu-se o cruzamento
entre herança de erros e de acertos
e esse orgulho que é da própria natureza

CASTIÇAL


Nei Duclós

Na oficina das formas, Deus capricha
a curva perfeita das tuas costas
é um vale quase invisível, que aspira
a luz que vem exposta pelo ocaso

Há o cuidado de não deixar imposto
o peso do verbo em castiçal de prata
que ilumine, sem que se saiba ao certo
qual a fonte do mistério da palavra

Como sou português de longa data
antes que Portugal soprasse as velas
faço parte da origem dessa fala

arrisco em dizer que aqui na terra
chamada Brasil e em outras plagas
tens um trono, onde reinas, minha bela


RETORNO - Imagem desta edição: Lendo em Voz Alta, 1883, obra de Julius Leblanc Stewart, pintor americano, 1855-1919

28 de novembro de 2011

ESTRELAS


Nei Duclós


Vale a pena morrer disso
não há sinal de arrependimento
o amargor se vai com o lamento
e eu fico apenas com o que sinto

Já não escolho palavras, elas pulam
loucas ninfas em meu encalço
atropelam o verso como brutas
deliciosas em sua nudez de colo

Virei um poeta de sarjeta
daqueles que ficam no sereno
a espreitar as salas de concerto

Dêem-me uma esmola, sou carente
não tenho nada a não ser poemas
por eles se matam as tuas estrelas



RETORNO - Imagem desta edição: Ladies' Concert at the Philharmonic Hall, de Francesco Guardi

CONTRATO


Nei Duclós

Fechaste o escritório, não foi justo
mandar embora cedo o funcionário
não havia fome nem horário
era só teu comando da vontade

Querias decidir novo negócio
que exigia o segredo de mil senhas
por isso até as cortinas apagaram
a forte luz do dia sobre a mesa

Foi então que em vez de relatórios
tabelas, números e todo o papelório
tiraste da bolsa um batom vermelho

Com ele pintaste a boca, e todo o resto
ficaste rubra de tesão, louca escarlate
Eu assinei os papéis, mas bem mais tarde



RETORNO - Imagem de hoje: obra de Peter Stanick

ESTOQUE


Nei Duclós

Antes de dar bom dia dou-te um beijo
assim te acostumo ao que mais quero
o prazer que sinto ao ver-te me converte
numa conspiração que é pura arte

Dá gosto viver assim com tua voz perto
a suspirar o desejo de manhã cedo
colhemos flor no jogo dos compassos
cesto de confissões trêmulas de toques

Todo o resto se esfuma, a falta de sorte
o dinheiro escasso, a idade torpe
o passado a espreitar como um lagarto

Fica apenas teu corpo louco de gosto
pelo que posso aprontar com meu acervo
Pois sou malvado, o pior que há no estoque


RETORNO - Imagem desta edição: obra de William Bouguereau

VIVA O POEMA


Nei Duclós

Abordar, com palavras comprometidas, o sistema político e econômico que nos governa (onde entram todas as tendências partidárias, inclusive as pretensamente excluídas) é uma armadilha: é uma forma de nos submeter ao discurso forjado e imposto pelos poderes na mão de quadrilhas de muitos matizes. Manipulam a linguagem para nos prender nela.

Nossa saída é gerar outra linguagem, fundada na poesia, para livrar nossas mentes do que eles pretendem impor. Nossa reação enfrenta o deboche, pois o sentimento e o corpo humano são insumos para a indústria do espetáculo, que pretende assim se apropriar de tudo, como se fôssemos gado. Precisamos opor o poema ao assassinato, proteger a nossa humanidade contra o horror de fazermos parte do que eles inventaram.

Não, não somos culpados de nada: nem dos que são eleitos dentro desse Mal que é a política engessada e manipuladora, nem do que é trabalhado como legitimamente popular. Não fazem parte de nós. Somos criaturas culturais, insurgentes, e a palavra, livre dessas amarras, é a nossa principal arma.

Viva o poema, viva o prazer de ficar inteiro e de estar vivo



RETRNO - Imagem desta edição: obra de William Bouguereau.

27 de novembro de 2011

DILIGÊNCIA


Nei Duclós

Coloquei-a no banco, onde ficou vistoriando a paisagem. E fui para a boléia montar guarda. A diligência cruzou o deserto. Somos um exército

O ruído constante nos mantém presos no mundo que eles impõem para nos escravizar.O silêncio e a poesia constroem outra realidade, com fatos

Quanto mais nos carregam com suas mensagens para nos vender alguma coisa, mais devemos procurar o amor colocado embaixo das pedras

Ela me convidou e fomos então de mãos dadas até o centro do mundo. Lá ela me apresentou como o seu poder mais preciso, o seu amor oculto

Já estávamos prontos naquela hora. Mas faltava algum tempo até raiar o dia, quando a trombeta do navio irrompeu na bruma, como um gigante

O suave jugo da musa é o mesmo sentimento que adoça o peito quando respiramos o ar puro vindo do mar

Liberte-se de palavras, que substituíram coisas, como dizem os mestres. E as encante com tua verve,que dizem ser lábia,mas é condão de poeta


RETORNO - Imagem desta edição: Maureen O´Hara

FAIR GAME: A VERDADE É UM ALVO FÁCIL


Nei Duclós

Fair Game é uma expressão que serviu de titulo para vários filmes. O mais recente é o de 2010, abordando a vingança do governo Bush contra uma agente da CIA,peça fundamental na história falsa das armas de extermínio em massa do Iraque. O foco é a informação privilegiada e o filme é a oposição entre dois ambientes: o confortável, americano, com escritórios, bibliotecas, escolas de rico, salas de jantar, sofás, carros, capotes, penteados, anfiteatros etc.; e o outro é caótico, pobre, sem teto (sempre ao ar livre), com casa com estruturas danificadas, armas, violência do terceiro mundo em conflito, de onde parte a ameaça sob uma luz ardida (o sol dos trópicos miseráveis).

Numa tradução livre, fair game significa alvo fácil, exposição pública justificada (é ”justo” que seja sacrificado). No caso, é a verdade que estava oculta e ao vir à tona vira alvo fácil da tirania. É encarnada na mulher que fingia ser apenas dona de casa com um bom emprego na área financeira mas que, sem ninguém saber, que comandava várias ações perigosas dos espiões americanos no front do Oriente Médio. Mulher fria, implacável, eficiente, casada com um embaixador aposentado, que entrega a mentira oficial sobre a existência das armas no Iraque. Ele tinha sido usado como fonte para justificar o ataque a Sadam Hussein depois do 11 de setembro. Quando viu a mentira, entregou tudo para a imprensa.

O governo retaliou e revelou que a mulher era uma agente da CIA, o que arrebentou com sua carreira, já que expôs um segredo de estado. Sean Penn está no papel do marido que declara guerra à Casa Branca e assim salva o perfil da pureza americana (o que jamais é deixado de lado, seja o filme da tendência política que for). Sean detona quando está puto em cena. Mas, como gosta de fazer charme com sua cara de choro, na hora de chorar fica over. Ele até se esforça tremendo o beicinho, mas fica ridículo.No geral, convence, com sua cara de testosterona vencida e gestos de Jack Nicholson antes da loucura. Trata-se de um tremendo ator, apesar de gostar do Chaves , que é um notório canastrão.

Naomi Watts é uma atriz boa, correta, convincente no papel duplo de agente e mãe de família. Mas na cena decisiva, da briga do casal, não segura. Quando Sam Sheppard aparece em cena, fica marcada a grife de Fair Game: filme do Partido Democrata. Ele interpreta um personagem que é a reserva moral da América, o avô aposentado das Forças Armadas, que inspira todos os atos da cidadania gringa, a mesma que toca o puteiro no mundo em nome da democracia (como fez na América Latina quando bordou o continente de ditaduras).

Esses filmes começaram a ser feitos no ocaso do longo período Bush e ganharam força depois. Fair Game é bem realizado e nos convence de que seus autores entendem do riscado, a espionagem americana. Livra a cara da CIA, apresentada como uma instituição técnica e isenta, cheia de esforçados profissionais. A maldade seria da cúpula, submissa aos tubarões políticos. Sabemos que não é bem assim. A CIA é o que há de pior no mundo, pois dissemina a guerra por onde o império manda e dentro dela não há inocentes. Mas aqui serve para mostrar que a informação estava correta e foi manipulada, desvirtuada em função do interesse maior, que era fazer a guerra.

Fazia algum tempo que não via nem comentava um filme. Gostei desse. Dirigido por Doug Liman e escrito por Jez e John-Henry Butterworth.


RETORNO - Imagem desta edição: Naomi Watts e Sean Penn em Fair Game - o casamento e a verdade.

DIAMANTE


Nei Duclós

Não poderia faltar ao nosso encontro
feito de quimera e alguns esboços
em que rabisco teu rosto, minha bela
e toco teu cabelo em fogo brando

Fico na espera, aguardando teu retorno
nessas esquinas de pedestres e silêncio
quando a cidade morre em dias mornos
e sou um capote cinza e mãos no bolso

O chapéu fica encharcado de agonia
o céu chora e venta o tempo todo
sobre o bilhete que chega de repente

É um recado teu, vindo de longe
onde agora mora teu amor para sempre
numa caixa fechada de guardar diamante



RETORNO – Imagem desta edição: Jane Russel

SOBRE A POESIA


Nei Duclós

Toda hora alguém pergunta
para que serve a literatura, a poesia.
Ninguém pergunta para que serve
o Luciano Huck

A poesia serve para ser feita e lida.
Para embarcar sonhos. Para limpar a língua.
Para sacudir o beijo.
Para mandar longe a vilania

Como assim não serve para nada?
A poesia serve como uma luva, chuva
no coração partido, lírio na sombra,
completude. Tudo é verbo que me inunda

Poesia é autoconsciência da linguagem.
A cultivamos em comum acordo.
Cria uma realidade oposta
aos discursos impostos pelos poderes.

É nossa opção de vida e desmascara
o vazio da linguagem em ruinas.
Catequiza, civiliza, habita o espírito,
é instrumento de insurgência e resistência.

É o que temos nas mãos. Vamos usá-la.


RETORNO - Imagem desta edição: Marilyn Monroe lê Walt Whitman

FARDO


Nei Duclós

Fiquei sem nada. Nem a brisa
despertou nos meus cuidados
Intruso que abandonou a festa
fico no cais à espera de um milagre

Mas não há tempo, rompeu a guerra
e parto na véspera da batalha
não posso dizer adeus sem um abraço
que estrague a impecável farda

Contratei um fantasma para as cartas
que receberei entre soldados na caserna
eles perguntarão por ti, minha improvável

criatura de outro mundo onde carrego
o fardo de ser alguém, um bem amado
nas costas da paixão que aqui me negam


RETORNO – Imagem desta edição: Peter O´Toole, magistral em Lawrence da Arabia

DANÇA


Nei Duclós


Sou inventado pelo bem querer
não posso amar quem me despreza
nenhum motivo mantém preso
o coração em campo aberto

Rodízio de musas, carrossel de temas
vão desfiando os poemas
na roca da fiação de suas promessas
Elas mantém o jugo, mas sem cárcere

e obedecem apenas ao comando
do maestro em baile à luz de velas
ao som de um violino ou de uma banda

Dobrado, valsa ou tango, não importa
o que vale é o passo que confessa
a comunhão de corpos numa dança


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Renoir

26 de novembro de 2011

LIMPEZA


Nei Duclós

Lavei-me com pano de sonetos
sobraram baldes de eu te amo
flores que usaste pelos cantos
restos de espanto com poeira

Faxina pelo meio, escândalo
que me deixou meio troncho
bem na véspera do ano
quando todos notam o desleixo

Não importa mais a elegância
roupa impecável, cara de paisagem
o réveillon será triste como sempre

estarei de branco, como um anjo
e meu drink será o fogo que me queima
mulher que não deixa ser seu sonho



RETORNO - Imagem desta edição: Obra de Renoir

IMPASSE


Nei Duclós

Mistério é que não saio quando parto
e permaneço para ser mandado embora
mas como não estou,fica impossível
obedecer o comando dando o fora

Assim fica o impasse, pés trocados
não sei explicar porque a demora
em circular por ti, como asteróide
apaixonado por esplêndida Lua nova

Talvez eu perca o chão em tanto assédio
e o desconforto que isso gera te demove
de pedir para eu entrar em tua glória

Estás ocupada em ser maravilhosa
inteligência brilhante que comove
isso acaba comigo e a minha prosa


RETORNO - Imagem desta edição: Rita Hayworth

MAIS SOBRE O AMOR


Nei Duclós

Poesia é amor. Sem tirar nem por

Não tire férias de mim. Não anuncie que vais sumir por um tempo, mesmo que seja por 10 minutos.A expectativa da tua ausência me corrói

Só tenho um amor: o que me faz sentir. Não se aproprie do que me pertence

Não vou dizer eu te amo. Só dizer que descobri que estava morto antes de te conhecer. Desde que te vi, ando pelo mundo como se fosse o vento

Estrada do amor faz curva e tem contra mão. Oferece biroscas e mirantes. Distraídos, desfocamos o olhar do volante. É quando há abismo

Abandonamos aquele amor como capa de chuva compartilhada que de repente fica incômoda quando abre o sol. Talvez as lágrimas tenham pesado

Sensualidade que não seja de shopping. Força que não seja de evento. Alegria que não seja a crédito. Emoção que venha de você, a toda

O que realmente fascina é a inteligência, à vontade na praia da sensibilidade e da criação. O resto se desmancha diante desse charme

Vamos silenciar. A palavra precisa do exílio para não se apropriar do que procuramos dizer tateando no escuro

E agora que os degraus da madrugada se estendem ao infinito, o que diremos de nós, com tantos passos exaustos, para as estrelas?

Passa da meia noite, disse o anjo. Perdi a hora. O que dirão na nuvem quando chegar borrado de batom?

Não gostaria de conhecer teus aposentos, depósitos, veleiros. Queria apenas te ver, criatura plena


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Renoir.

25 de novembro de 2011

MÚLTIPLA


Nei Duclós

Espelho partido. Todas as tuas personagens
oferecem um detalhe e formamos então
a imagem de uma ruptura, que se busca.
Nosso olhar te encontra, aparentemente ferida.

Mil mulheres numa só vida. Uma só percepção,
a nossa. Costuramos o que nos ofereces múltipla.
Cem olhares que se excluem, por opção da artista
mas a platéia reinventa o que se desencaminha

Nos enganamos porque a protagonista sabe onde
a fonte alimenta o levante. No palco, ela anda
sobre os arremedos do dia. Atenta, mas exausta

Rosto com todos os riscos, expressa uma dor oculta
e por não termos acesso, não oferece a cura
Desencontro que implora pela chance de seres única


RETORNO - Imagem: Rita Hayworth e Orson Welles em A Dama de Shangai.

SUBLIME


Nei Duclós

Sublime é o esconderijo no bordado
partitura do beijo em camarote
lenço de prazer rompendo o toque
poço da orquestra em caprichado solo

Trunfo rabiscado no convite
platéia sussurra algo mais forte
Flagrados, dissemos que palpitas
porque música define nossa sorte

A tradição está vidrada em nosso vício
de esconder a essência da matéria
enfrentamos o tricô da má conversa

Nessa interação cheia de mistérios
desabrochas na esteira dos aplausos
numa nova temporada sem remorso


RETORNO - Imagem desta edição: obra de Renoir

BANHO DE MULHER


Nei Duclós


Abra o chuveiro e tome um banho de mulher
deixe escorrer pelo teu corpo bruto
tua casca grossa, ombro fajuto
que molhe o cocuruto, os cabelos,
a cara. que seja uma inundação de sucos
ceras, gostos. que tenha sabor de pêra
ou de maçã e ameixa. morda e arrebente
enquanto te ajoelhas sobre o milho

Faça algazarra do que tens e não mereces
esse monte de lindas criaturas
essa chuva providenciada não só pela natura
mas pela estrela da sorte de termos ao lado
aqui mesmo, na terra, o segredo guardado
por anjos egoístas e que Deus, num safanão
jogou para o alto para que molhasse o mundo
de tesão e assim pudéssemos sobreviver

Tome um banho de mulher e não se enxugue
Depois, escolha uma

MOSAICO


Nei Duclós




Ela vem, fica um pouco e vai embora
O vento a leva e penso num acordo
Quem sabe ofereço um cais feito de cordas
que me prendam enquanto fica solta?

Ela tem razão em me deixar à toa
Não sou confiável. Tomo notas
Me apaixono fácil pelo que nem sonha
Seu cabelo. E as ombros, olhos, sardas

Fica, peço, e ela se abaixa
Quer saber o que tenho sob a roupa
É um pássaro que remendei a asa
Sou eu, diz ela. E chora

Por que tanta palavra exposta?
Porque tudo é irreal e ela me faz falta
Sou arisco com o amor que não se mostra
No resto, estou sem rosto

Adeus, disse ela, no meu sonho
Porque de fato nem sequer me beija
Sobras em tudo, me avisa, e se escapa
Pelos beirais sujos das docas

Agora desisto e caio fora
Deixo um bilhete sob a concha no mosaico
Não lerás, mudez na estrada
Mas sabes que é um verso e ele mata



RETORNO - Imagem desta edição: Juliane Moore

PORTARIA


Nei Duclós

Tua consagração no colégio
foi atropelada pelo orgasmo
culpa minha, porteiro do prédio
fruto de avaliação mal apurada

Ouvi teu desespero entre apostilas
nenhum oásis nas enciclopédias
morta de sede em mar de sábios
náufraga do viés, alfinete de provas

Bastou uma flor, dessas que sobram
entre tantos souvenirs do meu ofício
para que o culto parecesse brega

E teve o caule e um pouco de espinho
que cultivo no acervo da barba
Esfreguei no batom e ficaste entregue


RETORNO - Imagem desta edição: Rita Hayworth

COLEÇÃO


Nei Duclós

Musas colecionam, entre milhares
de poetas, os mais paspalhos
os que ainda acreditam no amor
e se submetem ao coro malvado

Elas abusam, esbulham, malham
o que é feito com ardor, verbo falho
e se alimentam disso. Antropófagas,
preferem a refeição sem resistência

Foram esnobadas pelos músculos
compulsivos de sarados espetáculos
e se dedicam à frouxidão romântica

Adotam a faina de esmigalhar vates
fazem pilates dos seus travesseiros
e os adoram, em gozo, choro e choque


RETORNO - Imagem desta edição: Ava Gardner

CRAYON


Nei Duclós

Jurei que ia parar. Até joguei fora
o papel almaço, a caneta tinteiro
o mata borrão, o escritório
pus no lixo o conteúdo das gavetas

E os livros com margens grandes
onde cabem poemas. Acabei com
retratos e posters na parede
fechei o quarto, fui para Londres

Lá fiz faxina em banheiro e passei
a sanduiche dois anos na seca
mas bastou um telefonema, de Creta

para eu sair como insano em teu encalço
e a bordo, no caminho, risquei a carvão
teu nome no casco de todos os cargueiros


RETORNO - Imagem desta edição: Marlene Jobert em O Passageiro da Chuva.

24 de novembro de 2011

DIÁLOGOS IMPOSSÍVEIS


Nei Duclós

E onde pomos o coração? disse o sujeito da mudança. Deixa na calçada, alguém há de levar. Ela não deu falta, mesmo

Já passa da hora, disse o guarda noturno. Te manda. Só mais uns minutos, disse o Sonho. Alguém deve passar por aqui e me dar uma carona

Sei que não vais abrir a porta,disse o Remorso.Mas deixo o que colhi nesta noite inglória:a dor de te perder e o cheiro do teu corpo molhado

A criação parou? perguntou o anjo.Estão faltando asas nas pessoas. Horário de almoço, disse Deus.Depois, sesta.Talvez não acabe esse serviço

Agora está de bom tamanho, disse a patriarca. Deixaste tudo para voltar a este fim de mundo. Ele ainda mora lá? perguntou a filha pródiga

Vamos fechar a biblioteca, disse a veterana. Só falta a última página, quando ela volta, diz o garoto. A sra vai querer que eu morra?

Não temos vaga para o sr, disse o consultor. Mas vocês precisam de cartas de boas vindas, disse o missivista profissional. Faço pela comida

Conseguimos zerar o sentimento, disse o diretor corporativo. Ela foi mandada embora? perguntou o presidente, aos prantos

Seu texto está muito bom, mas peca pelo excesso,disse o publisher.Não serve para nossa página de editoriais.Vamos colocar no correio amoroso


RETORNO - Imagem desta edição: Lamplighter, obra de Bob Barker.

ÍNTIMA


Nei Duclós

Dos teus mistérios, a infinitude
é o que mais provoca alarme
não falo de escândalos da alma
ou de outras coisas esotéricas

Mas da coxa mesmo, auto-estrada
composta de tantas paralelas
solo sem começo ou fim, do quadril
até a joelho, ou talvez da baba

E também das costas e essa viagem
sulco onde percorre a carruagem
do olho atento e sôfrego, potro amargo

Cavalgo essas minas de esmeraldas
A espiral do umbigo, a curva do lábio
e tudo o que não presta quando acabas



RETORNO - Imagem desta edição: Cyd Charisse

GRUDE


Nei Duclós

A água deste amor grudou a folha,
meu poema, no vidro da tua carne
pele de brilho na estação suprema
cobre do espelho servo da beldade

A imagem que nasce desse embrulho
é teu ombro nu circulando a tarde
ali escorre prazer, fonte de orvalho
que brota generosa em minha praia

Vestes assim a roupa mais bizarra
coberta pelo vento e a clorofila
faço parte dessa estranha fantasia

Às vezes me dispensas com um gesto
me jogando na corrente que se forma
na dobra forrada do vestido


RETORNO - Imagem: Audrey Hepburn em Breakfast at Tiffany´s

23 de novembro de 2011

INJUSTIÇA


Nei Duclós

Acho uma injustiça a tua beleza
o sorriso acima da imponência
traço perfeito em meio à indiferença
no mundo onde a arte foi suspensa

como se Fidias, escultor das deusas
perdesse o emprego de repente
e fosse junto com os seus modelos
para a rua reduzida à miopia

Acho injustiça a minha alegria
de notar tua solidão na chuva
Esculpo com o olhar a minha ninfa

Tão bonita que até parece um crime
convidá-la para dançar no Sena
ou namorá-la numa sessão do Louvre



RETORNO - Imagem desta edição: Natalie Wood em Splendor in the Grass.

PERSONAGEM


Nei Duclós

Cada poema tem um personagem
um narrador à parte, autor da cena
ele impõe as suas recompensas
à revelia do que o leitor espera

Confina o cânone das idéias
a um espaço exíguo de dar pena
porque é voraz a estranha criatura
na ânsia de dizer coisas supremas

Vitrine de bizarras conseqüências
o que parece ser poeta é seu parceiro
uma espécie de imediato de um cargueiro

que expõe ao perigo o arquiteto
o sujeito que contrata, o empreiteiro
que assina mas não é da mesma espécie



RETORNO - Imagem desta edição: Le Souvenir, obra de Jean-Honoré Fragonard

DISTÂNCIA


Nei Duclós

Mantemos distância, amor da minha vida
porque assim está escrito nas estrelas
o toque é a pressa que se adianta
no território que pertence ao verbo

É preciso esperar, mesmo que seja
o intervalo de um século ou um milênio
até que enfim a mão encontre a brisa
e a emoção o balançar das pernas

Nesse tempo cultivado entre açucenas
dirão que vivemos no passado
mas o mundo perdeu o seu espaço

quando fez do deserto o seu extremo
e sua origem. E foi isso o que perdemos
O foco era outro, já sabemos


RETORNO - Imagem desta edição: A Leitora, de Jean-Honoré Fragonard

22 de novembro de 2011

PRAÇA


Nei Duclós

Nessa relação que não deixa pistas
você acredita por mim e isso basta
não há conflitos, apenas ametistas
que extraímos de uma obra escassa

Serás a poeta que tua beleza sonha
Eu me contento apenas em ser praça
onde a multidão recitará tua saga
e a musa, amiga, vai borrar estátuas

A mocidade dirá o que eles enterram
já que és soldada de um tempo perverso
cevada em leituras de duros palanques

Mas eu vejo bálsamo onde há amargura
vejo doçura onde a guerra impera
São teus olhos, minha flor de formosura


RETORNO - Imagem desta edição: Sophia Loren, deusa.

21 de novembro de 2011

EM BUSCA DE ENCRENCA


Nei Duclós

Poderíamos deitar na sopa e fingir que está tudo bem. Mídia social não é grande coisa, está na mão de comerciantes que não dão bola para a emergência da ira popular contra os desmandos do poder por estas bandas do sul do mundo. Mas a brecha existe e devemos aproveitar, apesar de nos chamarem de tudo um pouco e tentarem desqualificar o crítico diante da incúria generalizada na mídia. Por isso selecionei uma saraivada de tuits que criei e publiquei este fim de semana para divertimento geral e exercício de oposição não consentida. E não digam que é assim porque temos democracia. É assim porque não temos democracia. É uma luta vã, mas que deixa sementes espalhadas pelo chão minado da sociedade do espetáculo. Como diz @Lilian Honda “Ainda bem que temos jornalista de twitter, de blog, de revista digital. Fora daqui, estão cada vez mais raros”


CRITICAR É UM DEFEITO FÍSICO

Quem escancarar os dentes por vários minutos para que as câmeras captem o fervor forjado diante de um premio fajuto deveria ser multado

Você foi considerado culpado por usar o twitter. Como punição, leia as ultimas duzentas colunas do Gilberto Dimenstein

Se o Brasil lançasse um superjipe para procurar vida em Marte seria para atropelá-la

"Leão descarta usar quarteto ofensivo no clássico" é o que nos resta de cultura

Criticar é um defeito físico que se corrige com operações ministradas por idiotas impolutos metidos a sabichões

Obedeçam sempre e depois, quando for tarde demais, participem das sessões da Terceira idade cantando Mamãe Eu Quero levantando as mãos

Jogue o cigarro pela janela em frente às câmaras. Depois vá pegar porque na madruga pode dar aquela fissura e ninguém está filmando

Não se insurjam, sejam bobaiões e comprem a biografia do Estive Empregos. Assim agradarão os que sempre "vão em frente"

Sim, devemos engolir todo o lixo dos que se postam na frente depois de atropelar os de trás. Muito edificante

Vips no evento. Colunistas de mil reais a nota e entrevistadores em troca de bolsas no Exterior. Jornalistas do Twitter esfregaram o chão

Sonhei que colunistas notórios da mídia me olhavam com cara de quem iria me reduzir a caracteres, disse o jornalista do Twitter

O sr. tuita? perguntou o médico. Sim, disse o paciente. É grave? Sim. Não tuite mais. Compre jornais impressos por um mês e volte aqui

Jornalista do Twitter é uma espécie de fungo que provoca coceira em sovaco de formador aparelhado de opinião


DRÁUZIO SEM FILTRO


Poesia é um alpiste de canario misturado a sementes transgênicas do romantismo do século

Cultura é um pacote de carvão usado para fazer churrasco em casa de corruptos

Literatura, para o sistema Globo de TV, Radio, Internet, jornais Impressos e virtuais, é quando o Jô Soares lança um livro

O dia em que aparecer um livro que não seja do Jô Soares na Rede Globo teremos um movimento cultural idêntico ao do Renascimento

Faustão é um das sete pragas do Egito contra a qual ainda não se conhece antídoto

Domingo Maior é um programa feito para te diminuir

Alicerces econômicos do SBT é como a faixa de asteroides

Rede Globo é um produto químico usado para limpar panelas em acampamentos indianistas do alto Xingu

Leo Batista é um pregador do rio Jordão que se antecipou a São João jogando água em craques de cabelo moicano

Galvão Bueno é um ditador que imperou na ilha de Sumatra por anos e só saiu do poder quando pigmeus lhe lançaram setas envenenadas

Tadeu Schimidt é um explorador naturista que descobriu as borboletas que voam imitando bicicleta em terras ignotas da hinterland

Lipo-aspiração é um produto usado em cervejas light

William Waack espiona elefantes no Saara quando eles estão dormindo

Patricia Poeta vem de uma linhagem de prosadores

Zeca Camargo era um proprietário de terras do oeste de Rondônia que fazia caras e bocas quando as jararacas se aproximavam

Dráuzio sem filtro era a marca favorita nas minas de carvão nos anos


PETRÓLEO DE BRONZEAR

Desmatem tudo, poluam os rios, destruam o mar, arranquem todo o minério, cubram as terras de agrotóxico e depois coloquem uma placa: Inferno

Não compre óleo de bronzear este verão. O mar vai ter bastante, é só pegar uma onda

Chupado dos Blue Brothers, dos irmãos Belushi, os Irmãos Cara de Pau é como tudo da Gobo: diluição de algo original embalada pela idiotia

Ongs de capoeira ensinam como se defender quando as tartarugas superprotegidas por outras ongs invadirem o mundo

UFC é a testosterona vendida como espetáculo por meio de marmanjos horrendos se socando

Autoconhecimento é verificar saldo bancário

Escrever agora é "hobby". Acaba virando lobby e já já tem uma ong desviando verba

Escrever não é hobby. Escrever é tirar a pele do monstro da Lagoa Negra

Clique aqui para ler a edição "impressa"

Gente morrendo no mar aos montes por aqui em SC. Mar que lambe praia, barco que se perde etc. Sem Guarda Costeira à altura, só resta rezar

Se tentassem implantar uma Guarda Costeira de verdade,que atendesse o país, garanto que iriam desviar verba e colocar parentalha na chefia

Cheira mal a quantidade excessiva de assaltos a caixas eletrônicos. Será que não querem se livrar desse serviço à população?

Brasil é demarcação de território de exploração da canalha externa e interna. Não é mais uma nação. É um bando

Demônios dominam indústria financeira, agronegócio, petróleo: precisamos da espada do anjo vingador contra essa canalha

20 de novembro de 2011

O IMORTAL JACK O MARUJO


Nei Duclós

O óleo continua vazando? perguntou Jack o Marujo. Sim, disse a Sereia. Pensei que tivesse morrido. Sou eterna, como o amor, disse ela.

Ainda temos Paris, disse Jack o Marujo. Paris pode esperar, disse a Sereia.

Sereia visita Jack o Marujo no hospital, diz a Gazeta Cisne Branco. E acena da sacada para a multidão, para provar que está viva

Sereia, é você? disse Jack o Marujo. Ou é apena a febre nessa Lua cheia? Descanse, amor, disse a Sereia. És agora imortal

Morri no lugar de Jack por um instante, para que ele sobrevivesse, disse a Sereia. Assim lhe emprestei a eternidade, que não me pertence

Sendo eterna, não poderia estar casada com um mortal, disse a Sereia. Jack precisava ser da mesma natureza, para cumprir sua missão

Jack agora é como eu, disse a Sereia. Virou eterno, graças às obras do amor


LILITH, ATIRADORA DE ELITE

O sr. fez mal,disse o Almirante.Não podíamos permitir uma esquadra paralela.Não importa, disse Jack o Marujo.Eles venceram. O custo foi alto

Não venceram, disse o Almirante. Ficam no pré-sal fazendo estrago, mas o sr. os feriu de morte. Quase perco a Sereia, disse Jack o Marujo

Seu barco está em nossos estaleiros, disse o Almirante. Ficará novo e será devolvido. Não me ponham motor nele, disse Jack o Marujo.Só velas

O presidente americano me telefonou, disse o Imperador. Estava preocupado com seus ferimentos. Quem está ferido é o mar, disse Jack o Marujo

Quem era a mulher que estava no barco? perguntou Jack o Marujo. Lilith, atiradora de elite, disse a Sereia.Acerta o olho da serpente a 10 km

Coloquei Lilith na sua segurança desde o início da viagem,disse a Sereia. Foi ela que acertou o Almirante inimigo.Tua garrucha levantou água

Lilith agora cuida dos aprontamentos do barco, disse a Sereia. Ela será o novo Imediato. Peça seus conselhos e darás trabalho

Mulher não manda em navio, disse Jack o Marujo.Agora manda, disse a Sereia. E vê se te segura que ela pertence ao Vento, dono das tuas velas

Lilith condecorou os três corsários resistentes e os ungiu oficiais, disse a Sereia. Essa é tua Marinha de guerra. Faça por merecer

Volto amanhã, meu amor, disse a Sereia. Preciso avisar que estás bem, para evitar nova guerra. A multidão está na porta do hospital, armada

A VOLTA DA SEREIA


Nei Duclós


Te outorguei eternidade, que não tinhas
morrendo em teu lugar para que vivas
depois voltei, por ser firme há tempos
como flor do abismo frente à maresia

Sou Sereia, que o alto mar esconde
canto para que a viagem se transforme
em vez de navegar, amor, se afogue
usufrua desse dom de eu ser só tua

Te afastas do ninho quando a dor é fuga
mas voltas para mim, albatroz arisco
tua terra à vista é o meu colar, marujo

Nele te enroscas, como doce criatura
quem te inventou, na forja das espumas
sabia que eras meu, deus nos acuda


RETORNO - Imagem desta edição: tirei daqui.

OURO


Nei Duclós


Aprendi a me soltar contigo perto
dizer o que sinto, meu absinto
não ceder à dor de prosa ou verso
ou de tocar em ti, líquida e certa

É de mármore límpida tua pele
lábio renascido em precipício
olhar de puma, coração de vidro
exposto vejo o que me faz sóbrio

Teu vinho acende a lucidez de pedra
sem harpas ou bordões de cena brega
não sou rei, só o cara que te abala

Meu barato é notar o quanto cabe
no poço sem fundo onde se acaba
o veio solitário da tua carne


RETORNO - Imagem de hoje: obra de Jean-Honoré Fragonard

19 de novembro de 2011

JACK O MARUJO E A BATALHA DA MANCHA DE ÓLEO


Nei Duclós


Um rasgo de 300 metros no fundo do mar na Bacia de Campos verte óleo sem parar há muitos dias. Enquanto a mídia se esmera em divulgar os releases da empresa responsável pelo estrago, a Chevron, Jack o Marujo resolve interromper a lua de mel para lutar contra os responsáveis pelo crime. Nosso capitão acredita que deixar impune um estrago desses é um convite para destruir completamente o litoral brasileiro. Nesta edição, detalhes sobre a Batalha da Mancha de Óleo e seu desfecho imprevisível, emocionante e dramático.


FIM DA LUA DE MEL

Em passagem por Paris, o casal Jack Marujo e a Sereia foi passear no Sena junto com artistas e escritores, fãs das frases do capitão

Gazeta Cisne Branco fará edição especial sobre lua de mel do casal Jack Marujo e Sereia.Distribuição estará a caro de cem mil pombos correio

Jack o Marujo é poesia com adaga e garrucha

Você interrompe a lua de mel para brigar contra os furadores do pré-sal! disse a Sereia. Amo o mar, disse Jack o Marujo. Netuno me convocou

Publicaram releases e sobrevoaram a mancha com helicóptero da empresa, disse o Imediato.Vou bombardeá-los para mudar a pauta,disse o capitão

No pé da capa da Gazeta Cisne Branco,uma foto de Jack o Marujo e a chamada "Vamos matá-los desta vez!",que se transformou em grito de guerra

"Jack o Marujo avança sobre a mancha de óleo. Marinha de Guerra entra em prontidão" diz a manchete da Gazeta Cisne Branco

A Marinha de Guerra tem que intervir, disse Jack o Marujo. Não se trata de erro tecnológico, mas de assalto a mão armada

Odeio petroleiros, disse Jack o Marujo. São os piores cargueiros do mar, emporcalham tudo por onde passam. E ficam impunes.Vou desativá-los

Abrir uma fenda de ms no chão do mar para tirar petróleo é cometer harakiri, disse Jack o Marujo. Só que não é suicídio, mas assassinato

Eles reusaram plataforma desativada e furaram sem critérios o leito do mar só para cumprir contrato,disse o Imediato.Morte! rosnou o capitão

Não se trata de defender o mar! berrou Jack o Marujo. Mas de defender a própria mãe, que está sob a mira dos assassinos! Dá para entender??

No planeta de onde vieram, os emporcalhadores do mar tomam banho de petróleo e fedem a peixes de metal que devoram entre gargalhadas

Risco ambiental enorme. Vão forçar o óleo a se depositar no fundo do mar, disse o Imediato. Risco ambiental um bom caralho, disse o capitão

Vou mandar os corsários colocar a ferros o dono da empresa que emporcalhou o mar, disse Jack o Marujo. E vou pô-lo na prancha

É um bilhete. Veio na pata de um pombo correio, que morreu ao chegar, disse o Imediato. Ainda estão soltos, rosnou Jack o Marujo

Já sinto o cheiro do óleo, disse Jack o Marujo. É preciso não ter mãe para fazer um estrago desses. Como se o mar não fosse nosso berço

Monges se colocam gasolina e ateiam fogo. Querem ser livres, disse o Imediato. Eu também quero. Vou fritar esses pulhas,disse Jack o Marujo

Vamos matá-los desta vez! gritaram os corsários.Jack o Marujo estendeu a bandeira preta de ossos e caveira.Prometo que sim,grunhiu o capitão

São flibusteiros, disse Jack o Marujo. Lutei contra eles por séculos. Agora eles tomaram o poder e nos deixaram confinados na poesia

Vivemos no fundo do mar, disse a Sereia. Tirar petróleo de lá é vampirizar o sangue da Terra. O que eles tem contra o vento?

Fizeram um rasgo de 300 m que verte 3.700 barris/dia, disse o Imediato. Combustível suficiente para levá-los ao inferno, disse Jack o Marujo

Jamais vão desistir de assassinar o mar, disse Jack o Marujo. Vou jogá-los na mancha e tocar fogo. Vou matá-los desta vez.


GUERRA À VISTA

Há sereias agonizando, Netuno me avisou, disse Jack o Marujo para a esposa. Você assume de enfermeira. Quero lutar, disse a Sereia

Pombos correios morrem quando sobrevoam a mancha de óleo, avisou o Imediato. Malditos canalhas, matam até meus pombos, grunhiu Jack o Marujo

O que você vai fazer quando chegar na mancha de óleo? perguntou a Sereia. Ainda não sei. Minha raiva vai me orientar, disse Jack o Marujo

Vou colocá-los no porão e soltá-los na mancha de óleo. Depois, toco fogo, disse Jack o Marujo

Vou convocar os marinheiros, disse o capitão. Todo barco será benvindo. Vamos desativar as plataformas da empresa. Quem impedir leva chumbo

Mas o Sr. não tem homens nem cacife,disse o Imediato.Basta um punhado de bravos. E minha vontade, disse Jack o Marujo.Vou matá-los desta vez

Sujeitos endinheirados emporcalham o mar, compram a nação e calam a imprensa. Não existem mais homens no país? perguntou Jack o Marujo

Dez mil voluntários com barcos acudiram ao chamado, disse o Imediato. Por pombos correio? perguntou o capitão. Não, internet,disse o oficial

Dez mil patriotas! Temos então uma esquadra, disse Jack o Marujo. Quem precisa de um porta aviões?

"E existe um povo que a bandeira empresta para cobrir tanta infâmia e covardia!" gritou Jack o Marujo. Quero Castro Alves a bordo!

Uma criatura coberta de óleo pousa na amurada do barco. É você, meu albatroz, águia do oceano? disse Jack o Marujo."Varrei os mares, tufão!"

Matá-los não vai adiantar, nem queimar a mancha de óleo, que continua a verter. Isto não é uma guerra comum, disse a Sereia.

Você precisa lutar pela verdade, sim, mas a briga é outra. Se queimares a mancha todos os peixes morrerão, disse a Sereia, baixando a cabeça

O que devo fazer? Ceder? grunhiu Jack o Marujo. Não, meu amor, disse a Sereia. Precisamos expulsá-los do país e mudar o governo

Chevron é a velha Standard Oil mais a Texaco, disse o Imediato. As sete irmãs! grunhou Jack o Marujo. Deveria tê-las matado da primeira vez

Serra e fogo na mata, petroquimica e usina nuclear no litoral, óleo no mar, desvio do São Francisco: somos governados por demônios

Vamos ver se eu entendi. Eles sujam nosso mar de óleo e os jornalistas estão cagando miudinho? perguntou o capitão.Por que não usam saiotes?

Veleiro ecológico está sendo contatado, disse o Imediato.Veleiro que usa mil litros de combustível não é confiável, disse Jack o Marujo


VAMOS MATÁ-LOS DESTA VEZ!

Estamos perto da mancha de óleo, disse o Imediato.Quais suas ordens, capitão? Eles devem estar por perto, disse Jack o Marujo.Vamos matá-los

Vou saltar na água, disse a Sereia.Convoquei companheiras.Vou tomar pé da situação e te falo. Devias ter ficado em Paris, disse o capitão

Onde estão os voluntários? perguntou Jack o Marujo. Dispersos em mil km de costa, disse o Imediato.Não temos poder de abordagem suficiente

Ou vencemos esta guerra hoje ou vão rasgar o chão do nosso litoral como se fôssemos o Frankestein na mesa de operações, disse Jack o Marujo

Não podemos atacar os barcos que estão fazendo a llimpeza da mancha, disse o Imediato. Limpeza o cacete, disse Jack o Marujo

Não somos o Greenpeace para ficar fazendo piruetas para o inimigo. Ou encaramos essa guerra de frente ou morrreremos, disse Jack o Marujo

As sereias foram envolvidas pela mancha de óleo.Estão morrendo, disse o Imediato.Não! sussurrou Jack o Marujo em pânico.Ainda temos Paris...

Canto em código morse da Sereia indica o lugar exato onde estão os donos da empresa.Naquele navio! disse o Imediato.Atacar! gritou o capitão

O Imperador nada pode fazer, disse o Imediato. Falou que não temos Marinha suficiente.O pior é fazer parte da deles, disse Jack o Marujo

Barcos voluntários foram imobilizados pela Marinha de Guerra, capitão. Estamos sós diante da nau capitânea do inimigo.Não importa,disse Jack

Vou aceitar a proposta de armistício, disse o Imediato. Não podemos enfrentar a frota. Pode ir, oficial, disse Jack.Tenho contas a acertar

Sereia, onde estás? murmurou Jack o Marujo. Não posso atacar sem saber tua posição exata nesta batalha

Só restaram nós quatro, disse o corsário. Três piratas e uma mulher. Mulher? disse Jack. A Sereia deve ter facilitado a entrada

Recado da Sereia, disse a mulher. Ela juntou as sobreviventes e vão começar a cantar para atrair inimigo para dentro da água. Pode atacar!

Jack o Marujo segurou a bandeira, puxou a garrucha e deu ordem para ir em frente, direto para a nau capitânea dos responsáveis pela mancha

Era apenas um barco rodeado de destroyers. Movido a vento,com cinco pessoas a bordo. Apoio logístico do canto das sereias,banhadas de óleo.

O que acontecerá nessa batalha, Deus!?

Jack mirou a garrucha na bandeira do inimigo enquanto o barco se aproximava perigosamente da nau capitânea. Eles vão revidar! gritaram todos

O barco de Jack sumia diante do navio mais imponente da frota inimiga. Sua bala atingiu a amurada obrigando franco atiradores a recuar

Helicópteros de vários canais internacionais sobrevoam a batalha, que está sendo transmitida ao vivo. Milhões suspendem a respiração

Franco atirados se postam de novo na amuirada e dão uma carga, que atinge a tripulação do pequeno barco.Jack é ferido no ombro. Mira de novo

Sangue de Jack espirra na água e assusta a Sereia,que pula para dentro do barco. Está preta de óleo. Na altura do peito abre-se então a rosa

A rosa que se abre no peito da Sereia tomou emprestado o sangue de Jack. Tiro que atingiu o capitão foi seguido de outro, endereçado a ela

Antes de ver o que estava acontecendo, Jack dispara novamente e atinge o capitão da nau inimiga. Há um urra em todo o país continente

Jack se debruça sobre o corpo ferido da Sereia,que brilha com suas escamas tomadas pelo petróleo.Branco batom nos lábios em coma.Ela agoniza

Diante da cena,os barcos voluntários rompem o cerco e se dirigem para o miolo do teatro de operações. Almirante inimigo ferido recebe ordens

Decrete a vitória e se arranque daí, diz o presidente americano para o almirante ferido. Querem agora um herói? Burros!

Lentamente, o gigantesco navio se move em direção ao alto mar, enquanto o barco de Jack mantem-se firme com sua tripulação ferida.

Todos os barcos voluntários então abrem fogo contra o inimigo, com balas ricocheteando na armadura e fazendo cócegas no casco

Foi assim Jack o Marujo, com um punhado de bravos, fez a guerra e expulsou os responsáveis pela mancha de óleo na Bacia de Campos


A MORTE DA SEREIA

Com todas as bandeiras hasteadas, a frota de voluntários cercou o barco de Jack, onde agonizava a Sereia, banhada pelo sangue do capitão

Tínhamos Paris, murmurava Jack chorando pela primeira vez na vida.Você quis lutar,sua louca. Te amo, disse ela. E olhando para o nada, foi-se