29 de março de 2024

DESESPERO

 Nei Duclós 


Quando o amor se manifesta?

Quando prega uma peça e nem parece amor

O olhar distraído navega na floresta dos desencontros em anônimos aeroportos 


O momento fica no fundo e não se despede

Até o acaso amarrar de novo as pontas


É desesperador o sentimento

Pelos países em guerra


Nei Duclós

SOBRA

 Nei Duclós 


Sentimento é sempre sofrimento

Esse mel coalhado no peito

Essa água que não se derrama

Esse querer a todo pano

Que carrega o piano

Onde a vontade inventa bachianas

E tudo é um rolo que leva adiante

As virtudes do tédio 

E nos deixa sós com o que sobra de humano


Nei Duclós

28 de março de 2024

MIGRAÇÕES

 Nei Duclós 


Hoje já é quinta-feira

As semanas passam voando

Como patos em bando

Nos céus do pampa na minha infância 

Em sólida formação militar

Intermináveis e sucessivos esquadrões de aviões emplumados


Engraçado 

Não vejo mais essas migrações 

Teriam os pássaros virado semanas?

O Tempo à procura de um clima mais ameno?


Nei Duclós

25 de março de 2024

COREOGRAFIA

 Nei Duclós 


Admiro o balé, adoro o flamenco

A graça e a contundência do movimento

Seja quem dança homem ou mulher


As pernas que trançam, as ondas dos braços

O corpo em espiral, os joelhos que voam

Na ponta dos pés, nos dedos mais longos

Gerando espaços nos limites do palco

Ou mesmo na rua para os que passam


Não tenho mais jeito no peito ou nos ombros

Não alcanço com a idade esse antigo sonho

De ser pé de valsa com a debutante 

Fazer no cinema o que vi antigamente


Mas tenho a palavra com a força dos anos

A palavra fala por mim, e me desenha

Eu pulo até aonde o amor me convence


Nei Duclós 

19 de março de 2024

FORA DA LINHA

 Nei Duclós 


Tanto lutei que cheguei na terceira idade

Dores no corpo e falta de memória 

Carro emperrado na estrada dos desejos

Dormindo antes do fim do aniversário 


Todos garantem que a festa é agora

Você concorda para não ser acusado

De estraga prazeres, velho desgraçado


Agora me diga se valeu a pena

Viver tanto tempo para ser jogado fora

Se ao menos se calassem, porca miséria 

Pois não fiquei surdo e ouço barbaridades

Acham que já morri enquanto te namoro

Com o poema que escrevi na tua pele de mármore 


Nei Duclós

16 de março de 2024

PACIÊNCIA

 Nei Duclós 


Renuncio à minha parte, não por estar cheio

Estou em falta de tudo o que preciso

Ou mesmo por querer exibir-me a pleno

Quem me vê bem sabe o pouco que tenho


É de outra natureza esse súbito  desapego

Excesso de experiência talvez ou a idade

Só sei que diminuo em necessidade

Enquanto cresço intenso com o passar do tempo 


Perdi demais, essa que é a verdade

Exigindo porções maiores ou iguais

No fim é sem importância, o que de fato vale

É descobrir no Outro o que nos transforma

Muito além do  corpo e sua fome


Viver é o que está fora, estranho da vontade

Custamos a entender o foco da obediência 

Sorte que contamos com a divindade 

E a sua paciência, aluna da renúncia 


Nei Duclós

15 de março de 2024

GOLONDRINAS

 Nei Duclós 


Mayor

Las mujeres te llevan por las calles

En manos de luces y  sombras 


Tienen

 las espaldas   nudas

Y tu el rostro de piedra


Son golondrinas en tu nido de  viejez

Y tu el que sobreviviste de tanto amor


Mayor


Nei Duclós

12 de março de 2024

FAROESTE

 Nei Duclós 


Era bom pensar que você sabia pouco 

E que havia inocência mesmo não havendo 

No fundo era eu o pobre ignorante 

Mas fazia pose de herói das pradarias


Do amor naquela época ainda adolescente

Eu descobria aos poucos e jamais te revelava

Como se fosses moça sem noção alguma

Podias me ensinar mas preferias a prudência 


No fim tudo deu certo, sardas em fogo

O aperto sem querer na festa de família 

Em que, vizinha, fazias um pedido

Secreto na hora de alguém cortar o bolo


Querias o meu beijo, garoto inexperiente

Que não sabia beijar e vivia imaginando 

Um dia me pegaste dentro do cinema 

E foi aí que te alcancei no bruto faroeste 


Nei Duclós

2 de março de 2024

O CORPO

 Nei Duclós 


O corpo sabe fazer 

É seu próprio professor

Não dá lição de querer

Não esconde sua dor


O corpo encontra sua vez

Marca presença na flor

Não desiste de vencer

Não evita o corredor


Chega quando é destino

Enxerga o que é legítimo 

Conduz mesmo à revelia 

Te diz quando não escutas


O corpo funda o prazer 

Na hora do sacrifício 

Por mais que fujas do amor

Ele carrega o infinito


Nei Duclós