Nei Duclós
Leva-me contigo, pássaro infinito. Voe para um lugar com
coração.
Virei outra coisa, alquimista. Agora posso te encontrar, nas
ilhas de coral desta aventura.
Falta você, musa perdida. Falta teu arrulho. Tudo o mais é
ruído.
Não tenho nada, mas sou saudado como alguém que conta. O
Imperador me chamou no palácio, quis me ouvir. O povo me deu abrigo.
Não faço coleção de vícios. Sou asceta, poeta sem
beletrismo. Trabalho a palavra, osso duro, confisco.
O amor não cabe neste sítio. Está tudo definido. Você
pontifica, eu me recolho nas nuvens.
Se perguntarem pelo amor, esconda. Sorria enquanto teus
joelhos dobram ao lembrar de mim.
Não se iluda, não sonho mais. Conto as estrelas na varanda
do teu beijo que ainda pulsa.
Estive mendigo esse tempo todo, quando me deixaste só depois
de nossa briga. Fiquei rico de perdas, meu latifúndio.
É só poesia, direi para quem vier me pedir satisfação.
Guardem as virtudes, que eu me viro com os defeitos que me atribuem.
Diga que estou perdido, que me confundo, me mistifico.
Invente que não sou digno, nem lúcido, nem vivo. Morda meu corpo onde dói mais,
tua despedida.
De que adianta te falar se não tens ouvidos para mim? Estás
distraída, enquanto a areia do tempo escorre pelo espaço gelado do teu
silêncio.
Comunhão de amor não correspondido. Você em outra esfera, eu
no abismo.
Se souberes me ver, estarei junto. Como sol e Lua no
entardecer do rio.
Nem quero consolo, nem de nada me queixo. Apenas toco a
flauta do destino no verbo que me sublima.
Por isso tenho esse andar de peregrino sem pouso, de
pescador nas pedras. Esse desconforto de ser o que busca e não o que te
encontra, magnífica.
Chora de emoção ardida o que um dia tivemos, planície. Flor
que se fina no crepúsculo.
Venha me dizer o que falta para estar contigo. Outro
coração, outra vida?
Não há maior solidão do que o poema jogado como sombra da
montanha no vale deserto. Há frio à noite, doçura.
Fico eu à mercê de quem vê o que não tenho. Ainda guardo os
sonhos que me deste, ametista.
Parecias tão acessível. E de repente estás em endereço
desconhecido, em Júpiter.
Alguém tomado pela sua arte é a maré alta da criação. Todos
se banham nesse amor de ofício.
O que há contra a sintonia, a música entre espíritos, o
prazer de águas internas cristalinas? Deixe rolar. A alternativa já conhecemos:
o vazio construído pela barbárie.
Sonhei o verbo que nos aproxima. Ficamos densos de tanto
delírio.
Não me entendes, palavra fina. É que falei de manhã, quando
há neblina. Mais tarde, irmão do sol, brindei com café meu som confuso. Esqueça
tudo e me convide de novo, musa.
Por que me esfolas, dançarina? Nem pisei nos teus pés para
tanto grito. Fique na valsa e esqueça o violino. A música está no coração, onde
dominas.
A beleza é soma íntima. Aflora, como as espigas. Colhemos
com o olhar o que germina. Seja o que for, terra, gramínea: teu cheiro, tua
forma única.
Todos se declaram, pois és, de verdade, linda. Mas só eu
tenho coragem de te dizer o que pinta. Não desconverso tua real beleza.
RETORNO – Imagem desta edição: obra de Ursula Malbin.