28 de dezembro de 2019

O DESENLACE

Nei Duclós

O único abraço é a despedida
Quando vemos num relance a ruptura
Estás inacessível apesar de amante
Mas cedes um momento de doçura

Todos que nos impedem são atentos
Testemunhas do amor em desenlace
Eles vencem, mulher que me tortura
Com sua glória de deusa mais humana

Enfim nos separamos, fica o travo
Do corpo ainda morno em luz e sombra
Vivo desse instante flor pele madura
Artista que me inventa e ressuscita


14 de dezembro de 2019

VOO LIVRE


Nei Duclós


As vitórias se acumulam no despejo
O que espero depois de tanta vida?
A não ser repetir o que já tive
A mocidade clara e a glória efêmera

Talvez finalmente estar contigo
No veludo de um amor que não arruina
Tocar tua pele, entrar no abrigo
E de lá vislumbrar o que me falta

Esse dom de provar o que é eterno
Sabor de uma beleza nunca vista
E que não morre porque se alimenta
Do teu espírito em flor e voo livre
 

ÚLTIMA POEIRA

Nei Duclós


Joguei tudo fora
Cada emprego cada amor cada amigo
Cada cidade onde vivi
Cada oportunidade
Cada momento feliz
E fiz isso com determinação
Joguei fora roupas papéis objetos
casas ruas e quintais
Meus discos e livros
E tudo o mais

E aguardo o proximo passo para o fracasso
Que acumulo em currículos desiguais
E sonho em jogar no lixo
O que me torna imortal
Essa fuga de mim
Até os confins da última poeira estelar



8 de dezembro de 2019

VALOR DA PALAVRA



Nei Duclós

As palavras não valem mais nada
Na notícia nos poderes nas conversas
Perderam a magia nos livros
Ausentaram-se nas profecias
Não dividem mais os pensamentos com o silêncio
São recolhidas no lixo
Palavras de amor perderam o sentido
O entulho se acumula nos espíritos
Assediados pela voz dos catequistas

Só no poema elas assumem o risco
De resgatar o valor oculto
Assim mesmo precisa de ouvidos e leituras
Que rompam a exaustão dos dias
 

FALSO AMOR

Nei Duclós


Esse falso amor do poema
Em que finjo ter uma vida plena
Já não te convence
Ninguém experimenta
O que nada possui além da aparência

Esse consenso de que somos bons
Quebra como no deserto
Quebra o último jarro de água
Que evapora

Nada coloco no lugar ausente
Nem mesmo o amor que não mais lembro

FLOR EXTREMA


Nei Duclós

Imagino que não chego perto
E estou condenado à distância
Sem ver que abriste o coração
Sem abrir mão de tuas riquezas

Isso deveria me tocar
Flor extrema do meu escasso dom de te enxergar



ESSE ENROSCO

Nei Duclós


Passa ao largo do teu sonho
O que apronto em fantasia
Melhor do que amor ao vivo
Por driblar certos conflitos

Provo o mel pego a cintura
Navego em águas de naufrágio
Depois com a cara mais lambida
Digo oi no teu espaço

Ou talvez eu seja o alvo
Desse enrosco sem medida
És o núcleo da armadilha
E eu um tolo assumo o crime


BOLETINS


Nei Duclós

Jogados a esmo os poemas
Para que tropecem neles
Sem cair de amores
Pela tal literatura

Como conchas, como frutos não comestíveis
Que pingam de arbustos irreconhecíveis

Como boletins de lojas que sumiram
E anunciavam novidades em jipes
Que nos atraíam meninos
Em estupenda algazarra

Nada comprávamos dos anúncios
Mas fazíamos coleção
Batizando os papeluchos
De boletinhos

Assim também os versos que voam pela rua
E nossa alma guarda
Em envelopes de sonhos