28 de março de 2021

SESTA

Nei Duclós 


Retorce o corpo na sesta

Barra da saia na altura

Renda suada, perna nua 


Deixas que tudo aconteça

sonada a expor delicias

O calor ferve o capricho

Da pele cheia de manha


Olho o fruto proibido

Mas isso já faz  um tempo

Eras moça de família

Que em meu quarto me tortura


27 de março de 2021

CONVÍVIO

Nei Duclós 


Rubra flor  que tdns no fundo

Que não atinjo nem em pensamento 

E que representas num jardim remoto

Tua alma, exposta em chuva e vento


Não tem nome esse teu rebento

Sem  caule ou pétala ou fruto sem colheita

É só flor, puro conceito

De uma teoria de cânone furtivo


Sou de amianto, metal proibido

Erradicado à força do convívio 

Passo por cima, onde o céu me aceita

Lá és a planta que brota e me redime 



26 de março de 2021

SURPRESA

 Nei Duclós 


Recebo teu amor, desconhecida 

Surpresa para quem não esperava

Me acostumei

ao teu rosto debruçado 

Tua blusa aberta, teus cabelos

Olho arregalado de tesão 

Coração que sangra, intensa 

Represa antes da vazão 


Como resistir à  mulher que mostra o que não deve

Sua alegria crua, sua verve

E esse corpão oculto, que se rasga


Amo tu, ela me diz sem nenhum reclame

Feminina flor selvagem presa num rochedo

No topo do penhasco agarro teu perfume



MARCA

 Nei Duclós 


A marca do teu sofrimento

No gesto e no corpo

Não desaparece com o perdão 

Mas cede espaço a uma nova  criatura 

Feliz idade, mulher madura



25 de março de 2021

CANÇÃO

Nei Duclós 


Nao me  chame de amigo

Não faço parte da tua carta de vinhos 

Do teu jantar depois de demitido 

Dos parabéns arrasados toda vida


Não use esse jargão como artifício 

Não celebre lembranças  pifias

Nada temos em comum, exércitos de solidão

Sincericidios


Cante aquela velha canção 

Desconhecida

Balada de irmãos

que nunca se viram


24 de março de 2021

ESTANTE

 Nei Duclós 


Lembro que eu não esperava você terminar a estante

Rolávamos ali mesmo até os pés da cama

Era lua de mel a durar mais tempo 

Não havia como desperdiçar o momento


Depois piorou

Hoje você nem chega às gavetas

E as prateleiras estão há anos

Derrubadas de consemtento 



GRUDE

Nei Duclós 


Não quero ouvir o entorno que te assedia

Tua vida única e hegemônica

Seleciono os limites que definem

Teu perfil de pura fantasia


Assim deixas lá fora teus tesouros

E vem a mim, pobre argonauta

Que aporta  num jardim de pomos de ouro

Como nas histórias mais remotas


Aconselham a desistir dessa lorota

Que eu tome jeito e fique maduro

Mas eu navego em outro leito

Com tua mão em mim sem nenhum medo


Gostar de ser mesmo por um momento

Venha em meu colo graça que venta

Tormenta de amor solo estrago de corpo ausente

Apenas a ideia de um sentimento

Melado de sonho, grude que arrebenta


19 de março de 2021

TREINO

 Nei Duclós 


Olho meu rosto ao longo do dia

Por falta do teu, rosa perdida

O amor se escondeu, ficou a poesia

Ainda no espelho restos de batom


Raspo com a unha um risco no vidro 

Vermelho de dor como cicatriz

É a solidão  que agora eu consumo

Na pele marcada pelo tempo vivido


Foste a paixão, minha cara confessa

Desde a manhã  até o fundo breu 


Treino a expressão de um encontro futuro

Estou sem traquejo, talvez não consiga 

Corrijo, quem sabe aconteça  o mesmo

Com tua imagem, na mesma prisão 



17 de março de 2021

ESTRAGO

 Nei Duclós 


O alvo do desejo desconhece a abordagem remota


Por isso não retribui o toque não consolidado

Mas é  possível imaginar a cereja do bolo se contrair até perder a forma

E o mel como um rio pela perna abaixo


E o convite para que se debruce sobre o móvel  amigável

Acontece quando todos se retiram

E cedes enfim navio de frutas maduras

Sumo a encher minha boca como um seio próximo 

Teu respirar inocente que estrago com a língua nos dentes

Do meu olhar 


16 de março de 2021

DISFARCE

 Nei Duclós 


Navego no teu corpo

Mal coberto por tecido fosco

Em peça única de vestido sóbrio

Mas grudado no óleo da tua pele


Uso o olhar que na lousa alisa

E desce até a esquina

Da curva que flexionas contra a luz da lua


Toco o pêssego do veludo e te beijo

Com distância minima

Suspiras sem que ninguém veja

Fada que disfarça o desejo



ARRIBAÇÃO

Nei Duclós 


Você não adivinha

Que estás  comigo à  revelia

No íntimo linho do vício de te ver

Remotamente


Moras a um clic mas não avanço

Amante virtual é  tímido

Sou o menino na praça quando me viste pela primeira vez

Cabelo com gomina, calça brim coringa

Não ousei o beijo que pedias


O amor passa em vão 

Como ave de arribação nos céus de outono



15 de março de 2021

PEÇAS

 Nei Duclós 


São pequenos poemas  como peças de artesanato

Que exponho nas janelas ao sol

As pessoas brincam de olhar para elas

Enquanto passam pelas ruas do amor


Faço miniaturas para não ocupar espaço

E que não sejam difíceis de carregar

Uma jóia  encanta não pelo tamanho

Mas porque nos leva junto para o mar

AMOT DO AVESSO

Nei Duclós 


Não te desejo quando te ofereces

Em poses agendadas em desertos

Passa por teu corpo cara e bocas

A frieza que não tens, flor do meu sonho


Prefiro teu rosto,  imóvel e sereno

A olhar através de mim sem que me alcance

No resguardo deixas de ser fictícia loba

E assumes tua mansidão profunda


É um mistério esse amor do avesso

Em que te quero quando não me atentas

Sou feito de um material estranho

O sentimento, mantido em fogo brando


12 de março de 2021

E BONITO

 Nei Duclós 


É bonito o laço de fita que não mais se usa no vestido

Mas que permanece como vínculo afetivo do meu olhar em tua mocidade


E que dá vontade de desamarrar no fim da tarde

Quando vais para o riacho que não mais existe


Lá te espero para um picnic

Toalha quadriculada e  cesto de vime

Um copo de vinho com sanduíche

E tua roupa descida até o joelho



SOBREVIDA

Nei Duclós 


É bem pequeno o alcance do que escrevo

Não filosofo e nem sei se amo

Sou prisioneiro das palavras

No mundo como desperdicio


Há mentes que estudam e se não me engano

Solucionam alguns nós do pensamento

Contribuem com cultura

O que ofereço apenas como pobre ofício


Malho em ferro frio, falo de flores

Te convido para lugares que não existem

E tenho lembranças

De toda uma vida em seus limites


Faço poesia

Como as aves enfeitam o ninho

Serve como abrigo

E talvez sobreviva ao apocalipse



11 de março de 2021

ENDEREÇO

 Nei Duclós 


Perdi os cinco sentidos

Verniz do viver fictício

Sou criatura essencial


Sem luz não temos o escuro

Sem ruído, a concha  do ouvido

Sem cheiro acabou o monturo

Sem o toque nunca houve  carícia

Tudo se mistura 


Resta o sexto sentido

A premonição e a telepatia

Teu endereço virtual bem oculto

No quarto onde dormes comigo


SOLIDÃO

Nei Duclós 


Solidão é a minha

Que na gruta se limita

Câmara escura de paredes ocultas

Onde se reflete a imagem lá de fora

Rebanhos pendurados em abismos

Mato pegando fogo pomares inúteis


Preciso lembrar a rota que me trouxe aqui

Brutos comboios pálidos fugitivos

Que em sonho me acompanham

Ninguém poderá decifrar  o rupestre enigma

Cervos flechados bisontes em riste

Espirais e riscos da minha mão gigante



10 de março de 2021

CRISTAL

 Nei Duclós 


Tinha esquecido o súbito despertar de vozes 

que amarras entre curvaturas. 

Arrepias com as dobras ocultando cálices. 

Bebo o que sonho, cristal de seda.


LINHAGEM

 Nei Duclós 


Tuas crias, o que conseguiste fazer ao longo da vida, são  tua razão de existir.


Filho livro casa projeto  tudo faz parte da criatura,  que não veio ao mundo a passeio. 


Vai, diz o lutador gravemente ferido para quem o acompanha. Suma e se salve que eu fico aqui garantindo o fogo.


E manda os mais fortes levar embora de arrasto os frágeis que queriam ficar.


Mas ele não tem mais balas, diz o garoto para o avô. 

Não importa. O inimigo não sabe disso, diz o veterano.


É quando um bravo garante a linhagem da sua saga.



CAFÉ

Nei Duclós 


Poesia não é  dizer coisas

Isso é  auto ajuda

Ainda mais recitada em versos sorridentes 


Poesia é  palavra que não pede arreglo

Não entra em acordo

E te surpreende a cada leitura


Serve para condenar o poeta

Ao exilio

E não para condecorá -lo


Não visite seu túmulo

Nem tire selfie ao lado da sua estátua

Sirva-lhe um café 

Enquanto estiver vivo