VOCÊ É QUANDO AMANHEÇO

Nei Duclós

Meu abraço durou dias. Ela acorda com ele

Lindo dia, ela me disse. Sim, você é quando amanheço, eu disse.

O que me atribuis é teu, ela disse. Ganhei de ti, falei

Ela usa palavras como reflexo. Passo dias só com um som desses

Amor tira pedaço. Não sei aonde guarda

Duas linhas tuas me sugerem uma linhagem. Uma só palavra forma uma linguagem. De uma sílaba tiro coragem. Da letra faço bobagem

Não são escritos, falei. São em forma de gotas, então devem ser mar, choro ou perfume

Escrevo escondido,para todo mundo ver

Não vejo o sr. trabalhando, disse o guarda. Então vou dar uns tiros para o sr. escutar, disse o escritor

Passei a limpo tua mensagem. Numa folha de verão, com tinta de estrelas e uma borracha de Lua. Depois guardei na gaveta do sonho,onde brilha

Já passa da meia noite, me disse o Tempo. Só mais um pouquinho, disse a Poesia

Me conta uma história, disse o poema. Era uma vez o amor, disse a musa

Hora de dormir, disse o sono. Vai logo que preciso acordar, disse o sonho

Perdi o fôlego, disse ela. Respiro por teus beijos

Pronto. Agora a noite venceu. Depois ela devolve

Já é dia. Cheiro de mato debaixo do vestido

Quando tocas violino, sou o beijo que se aninha no arco formado por teus braços

Não adianta insistir. Só respondes quando a palavra está pronta em tua carícia

Fico esperando a próxima vez como ambulante na véspera do trem, quando poderei te oferecer flores pela janela

O silêncio não acaba comigo. O que me derruba é quando me diriges a palavra depois que eu me conformo com a solidão

Conto os espaços entre os sinais que me envias e descubro as entrelinhas de um amor que procura existir além da dúvida

Não se assuste. Eu costumo desistir na primeira negativa. Basta dizer não uma vez, peregrina

Tua boca fechada é fruto que aguarda. Entreaberta, é sumo que arde. No ataque, é fogueira na certa

Sedução barata se entrega. Verbo é carne, não precisa de truque


RETORNO – Imagem desta edição: obra de Laurie Justus Pace