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21 de janeiro de 2012
O ARTISTA: O CINEMA EM BUSCA DE SI MESMO
Nei Duclós
O recente fiasco do SOPA - Stop Online Piracy Acta, do senado americano, rejeitado pelo presidente Obama, projeto anti-internet que provocou pesada reação em todo mundo, é como se os ludistas, os velhos quebradores de máquinas do início da era industrial, estivessem no poder. Se esse tipo de censura vencer, seria como se até hoje estivéssemos na era do filme mudo. Hoje, uma obra como O Artista, resgata aquele momento de ruptura e mudança, um tema recorrente no cinema, como prova grandes obras como Dançando na Chuva ou Sunset Boulevard.
A indústria se adaptou não apenas à tecnologia, mas aos artistas que emergiram com o cinema falado. Não procurou impor os velhos ídolos nem proibiu o som. Pode parecer absurdo pensar nisso hoje, mas é o que está acontecendo. Já existe tecnologia suficiente para a arte ser disseminada sem obstáculos, multiplicando sua repercussão junto ao público. Quem quiser ver no cinema vai, quem quiser ver em casa vê. Não é preciso intermediários, nem mais locadoras que alugam disquetes que precisam ser devolvidos, no maior saco da paróquia. Ao mesmo tempo, pode-se conviver com as técnicas abandonadas, como é o caso da ressurreição cult do vinil ou de um filme mudo como O Artista, de Michel Hazanavicius, com Jean Dujardin, Bérénice Bejo e John Goodman .
Diz o cineasta que usou todas as técnicas da época silenciosa e acreditamos nele, embora eu sempre ache que algumas coisas são ditas mais em função do marketing, como é o caso do Daniel Day Lewis que teria contraído uma infecção quando fazia um personagem do século 19 e quase morreu porque na época abordada não existia antibiótico. Conta outra. Mas tudo bem. Desde o dia em que todos acreditaram no Tom Cruise correndo em direção ao abismo do alto de um prédio de dois mil andares, tudo pode ser dito e acreditado.
Mas faz de conta que é verdade, trata-se do uso das técnicas antigas, só que a obra, o resultado, fica perfeita para passar nos cinemas mais sofisticados tecnologicamente e vale também para o criminalizado download. Não se elimina uma revolução tecnológica com atos voluntariosos, máfias empedernidas ou crime organizado – no máqximo, é a bandidagem que precisa mudar, acompanhar o novo andar da carruagem.
O importante é o recado do filme, que usa todos os clichês narrativos possíveis: é possível conviver com tecnologias antigas, pois ultrapassamos a rigidez dos vanguardismos. Hoje somos soma de tudo na cultura. Tanto o livro artesanal, quanto o de capa dura industrial convivem tranquilamente com o e-book. O vinil com o cd e o MP3 e assim por diante. Há ruptura, mas não há funeral. Muda-se, mexe-se, impérios caem, outros nascem, faze-se e desfaz-se todo tipo de fortuna. Mas tudo acontece ao mesmo tempo aqui e agora.
Numa das cenas, o ator decadente que foi rejeitado na era sonora coloca fogo no seu acervo, numa referência explícita ao visual sinistro de Faherenheit 451, de Truffaut. Mas salva um recorte de celulóide, como em Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore . Neste, os pedaços de filme formavam uma sequência de beijos. Em O Artista,são as várias cenas em que o casal dança pela primeira vez. E como em Dançando na Chuva, é o musical, o apogeu do som, que abre uma grande janela para a indústria que precisava se reinventar. Essa saída torna o filme encantador, apesar dos lugares comuns. A reprodução das coreografias de Top Hat, de 1935, com Fred Astaire e Ginger Rogers, pelo casal Jean Dujardin e Bérénice Bejo, é mais do que uma homenagem, é uma forma de recuperar a pegada e o ritmo do início da era sonora, de contar a História do cinema e fazer parte dela.
O Artista é, como todos os outros, um filme sobre cinema. Mas de maneira muito mais explícita do que de costume. Há filmes dentro do filme, há comparações entre a diversidade das interpretações, há o produtor, o cineasta, o roteiro, os holofotes, as estréias, os camarins, o estrelado, os out-doors, o luxo, a riqueza,, ao drama, a ostentação e a decadência, como em Sunset Boulevard, de Billy Wilder, que é sobre o mesmo assunto.
Tudo a que tem direito uma obra que a homenagem à Sétima Arte e como tal deverá ser premiado. Não para incentivar uma enxurrada de filmes mudos, pois o tempo não anda para trás. Mas para reconhecer o mérito da arte que se volta para si mesma para reencontrar sua essência: o espírito que cativa os povos e nos faz chorar ou saltar da cadeira.
RETORNO – Imagem desta edição: Jean Dujardin e Bérénice Bejo dançam para exorcizar os fantasmas da ruptura e reinstaurar o encanto da Sétima Arte.
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