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20 de janeiro de 2012
SÓTÃO
Nei Duclós
O sol ficou torrando a tarde toda e só se mandou depois que me encerrei para ler um livro. Sol gosta de praia, piscina, algazarra, papo furado. Ler não é com ele. Dói a vista
Tentei fechar a casa para tua lembrança mas foi inútil. Tinha deixado uma fresta no sótão, por onde entrou o som da tua falta de ar quando me vê
Já desisti mil vezes de ti mas a cena se repete. Fico na estrada à espera da condução que trará teu rosto sob o chapéu de flores que te presenteei no Natal passado
Podemos analisar o amor sob diversos ângulos. Eu prefiro embaixo da árvore, no verão, na beira do lago e você com a cabeça fora da água olhando aquele olhar bandido
Fomos tomar sorvete. Você lambuzou todo o vestido tubinho vermelho, salpicando confete no ombro nu do tomara-que-caia. És um arraso na tarde
Não precisava dizer tudo aquilo. Eu compreendi quando levantaste sobrancelha
A beldade imersa em poesia está concentrada numa palavra. Os anjos em volta olham a cena. O poema finge dificuldade para continuar perto da beleza
Vamos ficar juntos, só para treinar. Depois cada um vai para um lado. É bom fazer exercício quando a solidão é a única dor
O sol adormeceu no horizonte azul escuro da tarde que se pôs a contragosto. O mar quis devolver a bola de fogo, mas o jogo do tempo não permitia
Faça um poema para mim. Depois ponha no seu caderno e leia para o vento.
Segui teus passos na areia. Fui dar em mim mesmo
Moro no farol e varro o mar para cegar as embarcações. Não quero que aportem em ti, cais da minha perdição
Não diga que mora só e que vais deitar cedo. Imagine-se num evento onde estarei presente. Vou te tirar para dançar, sonâmbula
Deixei que a tempestade levasse o poema. Resolvi esquecê-lo. Era sobre o momento em que prometemos amor. A memória pode ser um solar vazio
De vez em quando apareces para te despedir. Olá, dizes, satisfeita. Adeus, dizem os olhos, brutos.
Acho uma traição quando você lê o que não presta e fecha portas, passando ao largo do livro aberto do poema, página certa do que vale a pena
Questão de gosto, dirão os relativistas da hora. É a única chance que eles poderão ter, quando desmoralizam o cânone. Vá no clássico,osso com tutano
RETORNO – Imagem desta edição: Gugu Mbatha-Raw.
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