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26 de janeiro de 2012
MELANCHOLIA: O APOCALIPSE DE LARS VON TRIER
Nei Duclós
O Terceiro Mundo prevê o Apocalipse, o Primeiro conta como foi. O de Von Trier em Melancholia (2011) é provocado por uma ilusão: a de que a depressão, a doença do viver, se afasta porque assim determinou a ciência. O fato é que ela aparentemente vai embora, mas se aproxima de maneira letal para acabar com tudo, desmascarando as certezas e mostrando a inutilidade da fuga mística ou do resgate das origens. É patética a cena em que o resto da família se refugia num esqueleto de cabana indígena, se dá as mãos para enfrentar o aniquilamento. Não funciona, claro.
Von Trier trabalha com design e publicidade. Confina seus personagens em espaços míticos desprovidos de magia, onde a racionalidade extrema é vítima do caos dos sentimentos. Fundado, na primeira parte, em Cenas de Um Casamento, de Ingmar Bergman, mas num momento anterior à crise do convívio (neste, a ruptura é na própria cerimônia) ele dedica esse trecho do filme à origem da depressão: um casamento que fracassa a partir da maldição lançada pela matriarca (Charlote Rampling), separada do ex-marido (John Hurt, soberbo como sempre). Não é a má vontade da mãe em relação ao evento o motivo principal, mas é sua chispa, o gatilho que desencadeia a proliferação do vírus.
A partir do discurso opressivo da mãe, a noiva (Kirsten Dunst) se entrega à tristeza profunda, que acaba imobilizando-a, destruindo seu emprego e o próprio casamento. A noiva é profissional de publicidade e o tempo todo é perseguida pelo patrão e padrinho (Stellan Skarsgård ), que quer arrancar dela a idéia central de uma campanha. A lucidez faz com que a noiva rompa os laços com sua profissão. Entrega-se à amargura e ao imobilismo. É amparada pela irmã (Charlotte Gainsbourg), aparentemente normal, casada com um milionário sovina (Kiefer Sutherland) e com um filho pré-adolescente. Mas é tudo máscara. O filme revela que a depressiva no fundo tem a chave para a consciência dos limites onde estão metidos, enquanto seus parentes protetores acabam sucumbindo à falta de saída e à tristeza.
É o mundo de Von Trier que acabou. Mantém-se pela opressão política e econômica, numa sobrevida criminosa e ao mesmo tempo suicida. O caos da zona do euro é só um sintoma da doença terminal. Mas eles não dão o braço a torcer. Acham que toda a humanidade tem o dever de segui-los, de desaparecer com eles. Se identificam cosmicamente com o destino da terra, quando são apenas uma parte dela, a pior. Mas, poderão dizer, a depressão atinge todos os povos indistintamente. Certo, mas a que levou ao aniquilamento é exclusivamente americano-europeu. O resto do mundo está na periferia e pode ir junto, mas não faz parte indissolúvel do problema.
Aqui deste lado do balcão, somos testemunhas do mal que aprontaram. Como já destruíram tudo, busca-se em culturas periféricas, como a dos maias, pistas de um futuro (e agora atual) apocalipse. Mas está tudo dentro das pessoas. O planeta adventício que ameaça a terra é a representação desse imaginário cevado na exploração. A suntuosidade e o desperdício do casamento fracassado, onde uma enorme limousine não encontra espaço na estradinha de terra, e cada capítulo do evento uma tortura, revelam a civilização condenada do lixo espiritual entre cristais e supérfluos (“quantos buracos de golfe nós dispomos?”).
Costumo dizer que confundem denúncia com celebração. Von Trier se entrega a uma infecção cósmica-psicanalítica audiovisual, a exemplo de Terrence Malick em A Árvore da Vida. Agora parece moda, misturar Kubrick de 2001 com Kubrick de O Iluminado. No caso de Von Trier, em alguns momentos do filme, como se Bergman morasse num sputinik. Poderiam ser menos pretensiosos, já que são tão brilhantes. Imagino o porre dos espectadores de Cannes que premiaram estes dois filmes. Acho que não conseguiram ver até o fim e deram nota máxima para não se comprometer. É como o um livrão gigantesco latino-americano, no auge do boom dessa literatura nos anos 70, que os jurados não leram mas premiaram pois poderia ser uma obra-prima. Vai saber.
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