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30 de janeiro de 2012
VENTO CIFRADO
Nei Duclós
O deslocamento do ar não é o vento.
Isso é só conseqüência.
O vento é um povo de criaturas elementais quânticas,
de grande diversidade, entre a partícula e a onda.
Provoca desde brisa a tornado.
Mistério nas fuças de todos, tratado como coisa corriqueira.
Os bichos sabem. E respeitam.
As plantas se dobram e o usam como linguagem.
As flores o temem. O vento adora pétalas e folhas
e aproveita as estações para fazer a festa
Varre o chão dourado da clorofila morta
cresta a neve das planícies polares
destrói as plantações transgênicas
derruba florestas inteiras, retorce os bambus
atormenta os cardumes em alto mar
invade mansões em ilhas suspeitas
dá gravata em cirros e cúmulus
recorta a curva estendida na praia
e bate forte no rosto que canta
leva embora o que atrapalha as musas
O vento é múltiplo como os elementos
obedece a uma tabela secreta dos deuses
mas se insurge quando lhe dá na telha
Ri da ignorância humana sobre sua natureza
gargalha nos galhos mais altos
e imita o crepitar do fogo torturando abrolhos
Vento é invento de palavra tonta
Na praia, meu guarda sol é o seu favorito
enquanto todos os outros agüentam
eu corro pela areia como um caranguejo.
Decifre o vento e irá preso
ficará em masmorras pedindo socorro
enquanto bate o nordestão e o minuano
todos ao mesmo tempo
Melhor ficar de ouvidos tapados
sem querer adivinhar quem força o ar
e se disfarça de vento sendo outra coisa
Diziam que tinha saci em redemoinho
mas o danado escapulia
enquanto o perneta era caçado
Não tente dizer este poema
em praça lotada, escolas,museus
melhor esquecê-lo num canto.
Levante pipa, mande bilhetes pela corda
navegue com vela que empurra contra o vento
Não compartilhe o que não pode ser dito
Por trás de tudo há um monstro
que rosna sobre o rio faminto
Eu fico na beira tomando notas, morto de medo
Um dia entrego e aí quero ver se ele arrebenta
RETORNO – Imagem desta edição: Janis Joplin.