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31 de dezembro de 2012

LAUDAS FORA



 Nei Duclós

Sou do tempo da Olivetti. Quando teclo, acho que o monitor vai escorrer pelo trilho. E quase ponho a mão na tela para jogar a lauda fora.

Fiquei em dúvida sobre o lead. A cesta de lixo ficou cheia de frames luminosos amassados.

Terminei o texto, dobrei os caracteres e gritei desce! para o pessoal da oficina.

Fico bravo quando esqueço de colocar o carbono na tela para produzir uma cópia da matéria.

Teclei, teclei e não apareceu nada no micro. Tinha esquecido de trocar a fita.

Tento explicar para a meninada que o office boy deve levar as ladas datilografadas urgente para a gráfica.Ficam falando que não precisa mais

Atrás da lauda luminosa, escrevi um poema. Quando coloquei no bolso, os versos transparentes entregaram o que eu fazia em pleno expediente.

Cinco toques a primeira linha, sete a segunda e 11 a terceira disse o diretor de Arte. Esse é o tamanho do título. Faz exato senão estoura.

Entregou a matéria? disse o chefe de reportagem. Vá agora fazer plantão de aeroporto. Leve caneta e lápis. Aí pode.

Quer carona? disse o motorista da expedição que ia com o jornal para as bancas. Li toda tua matéria. Sujei as mãos de tinta.


RETORNO - Imagem desta edição: equipe da revista Brasil Século 21, da Editora Três, em 1976. Estou na frente, com as mãos nos joelhos. Atrás de mim, à direita de quem vê a foto, Mucio Borges da Fonseca. Na ponta esquerda, professor Rocha. No miolo, o pessoal da Arte e da Expedição.

TEMPO E MEMÓRIA: QUEM SÃO ESSES CARAS?



Nei Duclós

Revi a sequência inesquecível da perseguição a Sundance Kid e Butch Cassidy num canal pago de filmes. Quem são esses caras? perguntam os dois bandidos diante da persistência dos seus rastreadores, que dia e noite os seguem até o lugar aparentemente sem saída do desfiladeiro. Vamos pular, diz Paul Newman. Não sei nadar! grita Robert Redford antes de se decidir por cair no abismo. Vimos isso várias vezes na tela grande até que o clássico de George Roy Hill, com roteiro de William Goldman, de 1969, se recolher à televisão e ao download, onde podemos acessar a qualquer momento. O que estava retido na memória em sessões inesquecíveis hoje é prato do dia. Katharine Ross está mais perto de nós do que nunca. Imbatível como a bela de uma época de belas.

Impressionante a resistência física dos atores filmando no meio das pedras e das areias dos desertos nesta e em outras obras igualmente inesquecíveis, como é o caso de Os profissionais, de Richard Brooks, com roteiro dele e de Frank O'Rourke, de 1966, que traz um elenco assombroso: Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, Woody Strode, Jack Palance e Claudia Cardinale. Sem amor, sem a revolução, nada somos, diz o bandido mexicano encarnado por Palance na outra sequência inesquecível dessa época, o do duelo contra Burt no desfiladeiro. Vendo hoje esses velhões sacudidos, de massa corpórea e presença carismática inigualáveis, nos perguntamos de onde tiravam energia para filmar embaixo da bigorna do sol?

E aquelas mulheres? Nos dois filmes, vislumbramos a gloriosa sensualidade de Ross e Cardinale, em sombra e luz sobre porções dos seios e os rostos iluminados pela extrema beleza. Nenhuma baixaria, nenhuma apelação medíocre, apenas arte audiovisual de intensa carga erótica. O sorriso de Burt olhando para Claudia e se perguntando o que ela fazia para merecer um regate de cem mil dólares é um momento hilário do drama que se desenrola numa época de perguntas sobre a luta armada para a tomada do poder e a mudança do mundo. Mais tarde vimos no que deu: novas tiranias tomaram conta do cenário, mas os filmes permanecem como sagas heroicas de uma memória que mudou de natureza e consistência.

Chega de saudade, dizia o clássico de Tom e Vinicius. Foi o que um artista carioca me disse quando cheguei no Rio em 1969, pedindo para eu focar no significado da frase. Esses dois filmes, entre muitos outros, povoavam minha memória, mas hoje estão disponíveis. O que significa isso? Que houve uma mutação importante no relacionamento que mantemos com o tempo. A simultaneidade das mídias, que enterrou a época em que precisávamos nos locomover para determinado lugar para ter acesso a uma obra cultural, faz com que a memória mude de natureza, exista paralelamente, com alguns pontos de contato com o que temos na mão hoje.

Posso lembrar do tempo em que ia à matinê ver meus filmes favoritos (que eram todos, ô época maravilhosa) mas o que pega é o que posso ver agora. Ligo a emoção de rever a cena com o que estava retido na emoção do já visto. No fundo é outro momento, sem ligação nenhuma com o passado, se for possível ver assim. Claudia e Katharine continuam esplendorosas nesses filmes e os heróis do deserto nos impressionam por suas performances de grandes atores em cena, fazendo estrago nas telas com seus diálogos minimalistas, seus esgares e gestos, seus silêncios e decisões.

Burt decide ficar para estancar a perseguição mexicana e assim dar tempo para o serviço ficar completo, ou seja, devolver a beldade ao seu dono. Pega suas armas e dá uma corrida pelo solaço, em passadas curtas e apressadas. Vimos Burt de costas se afastando em direção ao desfiladeiro. Logo em seguida ele está matando o bando inteiro, aprisionando seu chefe e dando o beijo da morte na guerrilheira que tenta matá-lo enquanto se declara. Esses filmes são os épicos modernos e os grandes cineastas e seus atores, atrizes e personagens são nossos companheiros de viagem.

Tudo era feito no muque, não existiam as facilidades de hoje. Sim, havia os stunts, os truques de câmara etc., mas a cena precisava ser feita na marra, à luz do deserto. Tudo se resume a isso, dinheiro, diz o guerrilheiro. Não só. O que vale é a arte e o talento e o fôlego para chegar a um resultado que permanece.

30 de dezembro de 2012

DÚVIDAS


Nei Duclós

Não direi nada para que mantenhas
dúvidas eternas na falsa postura
manha de fêmea, ou natureza lisa
que desconfia para fingir-se vento

Me incluis à revelia, confidente
impões esse ar de areia movediça
que dizes ser virtudes, malvadeza
fritas paciência em azeite quente

Fico na minha, perfil de príncipe
obediente ao rígido protocolo
complexa sinfonia de artista solo

Nego tudo sonhando com tesouros
belezas que tens em teus guardados
cuide das rendas senão faço um estrago


RETORNO – Imagem desta edição: Liz Taylor.

29 de dezembro de 2012

CHÃO DE VELUDO



Nei Duclós

Esqueci do presente, ficou fora
na pressa de te ver, pastora
de mãos abanando em tua porta
sorrio sem graça, sob a chuva

Nem dás bola, celebras a presença
de quem te quer de qualquer forma
mesmo sendo omisso, amante mudo
gigante desastrado, mas sincero

Pequena fada com guizos de renda
enredas curvas em chaves de pernas
danças comigo para fazer História

No chão de veludo, nua na entrega
combinamos a essência da refrega
o prazer que dominamos sem palavras


RETORNO - Imagem desta edição: Brigitte Bardot .


CORAÇÃO VEM DE CORAGEM



Nei Duclós

Ódio passa. Ele desiste.
Amor, convide. Ele fica
Atraia o bem que resiste
não o mal que se maquia

Roda a raiva do egoísmo
sopra o vento assassino
essa força será expulsa
pelo acervo do que sinto

Coração vem de coragem
falo com todas as letras
me dê a mão na passagem

Vamos cruzar o deserto
com água do nosso oásis
junto a ti acerto passo


RETORNO – Imagem desta edição: Princesa Diana.