29 de dezembro de 2011

JOGO BRUTO


Nei Duclós

Pequenos negócios não dão margem para firula. Não tente viver de sua arte no ermo, vão rir de você. Confeccionar mosaicos portugueses onde todo mundo usa bermuda e camiseta é dose. Oferecer cestos artesanais de vime com bordados é outra bobagem. O que pega é padaria, queijaria, 1,99 e uns tabefes na cara. Não tente fazer do seu sonho um atrativos para almas brutas. Não coloque livros de viagem na vitrine nem ofereça espressos finos. Jogue grande quantidade de massa envolvendo algum glegous de queijo ou carne no azeite quente e cobre 10 real o pastel. Entupa a clientela de refrigerante.

Vejo prosperarem alguns donos de mercadinhos. Muitos dançam, ficam vazios e fecham. Mas os que acertam no veio são aqueles que entopem as prateleiras de praticamente tudo e ficam abertos 48 horas por dia. Você vai na tarde de Finados e consegue comprar pano de prato ou garrafa térmica. As pessoas gostam de ter tudo num lugar só, como nos hipermercados. Não gostam de lugares que te obrigam a ir em outro. Tem cadáver de rato aqui!, grita a faxineira e ninguém dá bola, a fila do caixa dobra o corredor.

As padarias são também lanchonetes e vendem o cardápio completo de tudo o que engorda, para alegria da obesidade em festa. Não tente vender comida natural num lugar onde acreditam que o arroz nasce branco. Boutique de comida não funciona. O negócio é a fartura, o varejão, o sacolão, os retalhos. Todos saem carregados, aos berros. Os fornecedores encostam caminhões sem parar ameaçando os fregueses ringindo pneus e arrancando gargalhadas. Há uma vocação de fazer negócio do Brasil profundo que continua, apesar das gracinhas dos programas especializados em pequenos negócios na TV. Ninguém está penteadinho no balcão das grosserias.

Eu sempre quis montar um negócio, mas era só fantasia. Não me imagino aturando gente metida achando que pode dizer o que quer para os atendentes. Lidar com comida é um transtorno, carregar caixas, suar no eito brabo do comércio. Já passei dessa fase de realizar sonhos. O que precisamos é não realizá-los para evitar o pior ou nos convencer que não valem nada. Multiplique por um bilhão de vezes que você terá de sorrir para vender algo. Ora, leve de graça e me deixe dormir.

Fico encantado com esses anúncios em que as pessoas sorriem o tempo todo porque conseguiram um financiamento para a sua portinha. Se endividam e acabam perdendo tudo. Só tem um jeito: o pai bilionário cacifar o empreendimento. Mas não vamos ser pessimistas. É certo que a maioria das empresas que abrem fecham logo em seguida, porque temos um ambiente anti-negócio, um sistema tributário extorsivo e hábitos arraigados da população. O que se segura são os ambulante que vendem quinquilharias ou café com bolo para trabalhador apressado.

Somos um país de brutos. Os automóveis e caminhões inundam a nação. Usamos bermudas, chinelos e camiseta. Gritamos ô véio e aí alemão e chutamos os restos de mosaico português artesanal que tentaram nos vender. Ora, vendam sanduíches. Vão se catar.



RETORNO - 1. Crônica publicada no jornal Momento de Uruguaiana. 2. Imagem desta edição: Rua Direita, obra de Rugendas.

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