O antropólogo Claude Levi-Strauss, em “Tristes Trópicos”, notou que no Brasil não pode existir duas pessoas especializadas sobre o mesmo tema, pois elas se matariam na disputa pelo prestígio e o butim (e também não seriam reconhecidas como experts, pois cada assunto é domínio de apenas um scholar). O ator Eddie Murphy, quando estava no auge, comentou que os Estados Unidos não suportariam mais de um negro. Em cada nicho, só é possível entrar um. O resto sobra. Neste reino da exclusão, é proibido reclamar. Insubordinação é sinal evidente de infelicidade, segundo a mentalidade imperante. A insubordinação, marca registrada dos espíritos saudáveis, ficaria sendo assim como uma coisa de pobre.
Você entra na farmácia e pede um fio para passar entre os dentes (já que hoje fio dental é outra coisa). Tem sabor menta, tem a plus, que é o fio ultra-fino, mas não tem o normal. Dentifrício a mesma coisa. Tem matrix plus, hiper dob, chanty mega, mas não o bom e velho creme dental, sem mais nada. É que cada produto atende um nicho. Se você é chegado numa tronfa, por exemplo, tem o sabonete cor-de-rosa, o esfoliante de ervas climatizadas, o refresh tuboso, mas jamais aquele velho sabonete de guerra, que não soltava escamas nem plumas. Já fez as contas de quanto você gasta com aparelho de barba? Meu pai tinha uma navalha, usou a vida inteira. Eu pago os tubos pelos prestoplex, probak-bloom, bear mash, já que não tem aquela gilete da boa. Cada pêlo na cara pede um tipo diferente de oferta.
Se você é um escritor, então precisa pensar no lugar, no nicho onde pretende atuar, o papel que vai desempenhar nesse circo de cavalinhos que é a indústria livreira. Não pode ser como eu, gaúcho da fronteira com quase 30 anos de vivência em São Paulo e que mora na Ilha de Santa Catarina. Onde está o nicho geográfico? Não é escritor gaúcho, paulista ou catarina, é uma coisa, assim, digamos, inverossímel. É poeta? Então o que está fazendo na crônica, conto, romance, literatura infantil ou juvenil? É muita mistura. Precisa ser primeiro, escritor, segundo, de determinado estado, terceiro, de uma modalidade da escrita. Quem salta em distância não pode jogar vôlei, simples assim.
Jornalista a mesma coisa. Aliás, se é jornalista, como pode querer ser visto como escritor? A não ser que faça biografias ou se especialize em algum tema. Aí pode. Mas se for jornalista, tem que ser ou de cultura, ou de economia, ou de polícia, ou de esporte, ou de política. Não pode escrever sobre futebol e fazer resenha de literatura, por exemplo, a não ser que seja ficção sobre futebol. Não pode ser repórter e editor ao mesmo tempo, pega mal. Ou você edita ou vai a campo. Não pode chutar escanteio e cabecear para o gol, isso não existe. Nichos, foco. Nem tente fazer como eu, que durante anos publiquei textos na Ilustrada, na Veja, na IstoÉ sobre assuntos culturais e de repente virei editor de uma revista corporativa. Isso é crime contra o nichismo.
Cinema, então, nem se fala. Não queira abordar filmes se o teu negócio é jogo de peteca. A crítica cinematográfica está muito bem servida, não pode querer escrever sobre Godard, Spielberg, Fritz Lang, como faço aqui no Diário da Fonte, e ao mesmo tempo publicar sobre música, como fiz no Shopping News, de São Paulo e também na Ilustrada. Como ousas entrevistar a Rita Lee e achar que pode pontificar sobre Orson Welles ou desancar a política econômica? És por acaso renascentista?
As criaturas desta época medonha são todas, por princípio, nichistas, devem ocupar espaços bem determinados. Precisam ser público alvo, target. Precisam, se forem mulheres brasileiras, assumirem o papel de scorts do Michael Pelps ou do Silvester Stalone. Mulher brasileira ocupa o nicho do desfrute internacional, para isso servem, é nicho, é lei. Se for homem brasileiro, é favelado e bandido. Escritor brasileiro? Quá quá quá. E vocês, aí da selva, por acaso, possuem uma linguagem?
Por falar em selva: é cada macaco no seu galho. Senão vem o bwana e dispara seu rifle de mira telescópica.
RETORNO - Imagem de hoje: Claude Levi-Strauss em plena selva, desvendando todos os nichos.
Você entra na farmácia e pede um fio para passar entre os dentes (já que hoje fio dental é outra coisa). Tem sabor menta, tem a plus, que é o fio ultra-fino, mas não tem o normal. Dentifrício a mesma coisa. Tem matrix plus, hiper dob, chanty mega, mas não o bom e velho creme dental, sem mais nada. É que cada produto atende um nicho. Se você é chegado numa tronfa, por exemplo, tem o sabonete cor-de-rosa, o esfoliante de ervas climatizadas, o refresh tuboso, mas jamais aquele velho sabonete de guerra, que não soltava escamas nem plumas. Já fez as contas de quanto você gasta com aparelho de barba? Meu pai tinha uma navalha, usou a vida inteira. Eu pago os tubos pelos prestoplex, probak-bloom, bear mash, já que não tem aquela gilete da boa. Cada pêlo na cara pede um tipo diferente de oferta.
Se você é um escritor, então precisa pensar no lugar, no nicho onde pretende atuar, o papel que vai desempenhar nesse circo de cavalinhos que é a indústria livreira. Não pode ser como eu, gaúcho da fronteira com quase 30 anos de vivência em São Paulo e que mora na Ilha de Santa Catarina. Onde está o nicho geográfico? Não é escritor gaúcho, paulista ou catarina, é uma coisa, assim, digamos, inverossímel. É poeta? Então o que está fazendo na crônica, conto, romance, literatura infantil ou juvenil? É muita mistura. Precisa ser primeiro, escritor, segundo, de determinado estado, terceiro, de uma modalidade da escrita. Quem salta em distância não pode jogar vôlei, simples assim.
Jornalista a mesma coisa. Aliás, se é jornalista, como pode querer ser visto como escritor? A não ser que faça biografias ou se especialize em algum tema. Aí pode. Mas se for jornalista, tem que ser ou de cultura, ou de economia, ou de polícia, ou de esporte, ou de política. Não pode escrever sobre futebol e fazer resenha de literatura, por exemplo, a não ser que seja ficção sobre futebol. Não pode ser repórter e editor ao mesmo tempo, pega mal. Ou você edita ou vai a campo. Não pode chutar escanteio e cabecear para o gol, isso não existe. Nichos, foco. Nem tente fazer como eu, que durante anos publiquei textos na Ilustrada, na Veja, na IstoÉ sobre assuntos culturais e de repente virei editor de uma revista corporativa. Isso é crime contra o nichismo.
Cinema, então, nem se fala. Não queira abordar filmes se o teu negócio é jogo de peteca. A crítica cinematográfica está muito bem servida, não pode querer escrever sobre Godard, Spielberg, Fritz Lang, como faço aqui no Diário da Fonte, e ao mesmo tempo publicar sobre música, como fiz no Shopping News, de São Paulo e também na Ilustrada. Como ousas entrevistar a Rita Lee e achar que pode pontificar sobre Orson Welles ou desancar a política econômica? És por acaso renascentista?
As criaturas desta época medonha são todas, por princípio, nichistas, devem ocupar espaços bem determinados. Precisam ser público alvo, target. Precisam, se forem mulheres brasileiras, assumirem o papel de scorts do Michael Pelps ou do Silvester Stalone. Mulher brasileira ocupa o nicho do desfrute internacional, para isso servem, é nicho, é lei. Se for homem brasileiro, é favelado e bandido. Escritor brasileiro? Quá quá quá. E vocês, aí da selva, por acaso, possuem uma linguagem?
Por falar em selva: é cada macaco no seu galho. Senão vem o bwana e dispara seu rifle de mira telescópica.
RETORNO - Imagem de hoje: Claude Levi-Strauss em plena selva, desvendando todos os nichos.
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