15 de agosto de 2008

ARTE É FORÇA

Por falta de concorrência (a opinião pública livre, com espaços para se manifestar, o que é comum em democracias de verdade, e não no nosso sistema de ferozes monopólios) a crônica esportiva vive de conceitos que se excluem. Chegaremos aos cem anos escutando o mesmo tipo de abobrinha, pois não há como puxar as orelhas de quem professa as barbaridades. A mais recorrente bobagem é que, no futebol, arte é supérfluo, que a força é que decide partidas e gera resultados favoráveis. Ficam batendo nessa tecla até a exaustão. É uma bobagem tão intensa quanto a de medir altura dos atacantes na hora do escanteio, como se futebol fosse vôlei ou basquete. Não adianta os baixinhos fazerem mil gols de cabeça na área minada, sempre vai ter um comentarista que verá nisso uma exceção: “Puxa, ele conseguiu, mesmo com pouca altura”. É de matar.

Quando um adversário tenta impedir o avanço do atacante, o que faz o centro-avante? Ou um ponta? Dá um drible nele. Isso é arte, a única maneira de passar pelo adversário. Não adiantaria dar-lhe um encontrão e sair disparando, isso faria com que a bola se perdesse. É preciso a arte do drible. Quando você quer atingir o arco e está de costas para o goleiro adversário, o que faz? Dá uma bicicleta, que é a única maneira de conseguir fazer o gol sem ter condições para isso. Se o ponta fica no mato sem cachorro e sem ângulo, como ele sai dessa? Com um giro de corpo e batendo com a parte certa do pé, ele consegue achar um espaço antes inexistente para a bola beijar a rede. É assim que funciona.

Perdemos a Copa de 82 não porque jogamos o fino, mas porque o imbecil daquele jogador pateta, o Toninho Cerezo, tocou três vezes a bola para o Paolo Rossi completar. E porque nosso goleiro, o Valdir Peres, deixou passar todas, exatamente todas as bolas que atingiram sua meta. Dois jogadores ruins e fomos para o saco. O resto era maravilhoso, a começar pelo treinador, Telê Santana, o cara que entendia ser a arte a força do futebol e a única maneira de vencer. Jogar bonito não significa dar sopa para o azar. Esse é um equívoco que gera, paradoxalmente, argumentos favoráveis ao preconceito, pois sempre tem um idiota que fica fazendo embaixada diante do adversário para tentar humilhá-lo. Isso serve de pólvora para a arma carregada da imprensa. "Veja só, ele quis fazer arte e perdeu a bola". Isso não é arte, é firula, imbecil. Arte é outra coisa, é encontrar a solução criativa para um impasse do jogo.

A cobertura das Olimpíadas nos oferece exemplos notórios de idiotia consagrada. "Acabou de acabar, apresentou a apresentação", são só alguns exemplos supérfluos. O pior é o Galvão Bueno (sempre ele, acho até que existe mais de um Galvão Bueno, assim como devem existir uns quatro Michael Kelps) malhar a Marta um minuto antes de a grande e imortal cracaça dar um sufoco na norueguesa no jogo em que vencemos esta manhã por dois a zero. Enquanto os gols não vinham, sobrava elogios para as gringas. Uma delas jogou a bola para fora quando houve uma contusão de uma brasileira. Galvão se desmanchou em elogios, tipo que coisa civilizada, como são mangíficas. Mas quem inventou o fair play no futebol foi o Garrincha na Copa do Chile em 1962. Mané, generoso, jogou a bola para fora para que o médico antedesse um adversário. Não foram as loiras que inventaram isso.

O mais trágico é ouvir outro apresentador, o mesmo que todo ano assume o papel de gigolô de gente malhada e confinada, se desmanchar diante dos americanos do basquetebol. Primeiro, elogia a “atitude” dos caras na hora de tocar o hino. Patriotismo, coisa que ele não tem, haja vista sua participação na última Copa, quando abriu as pernas para o Zidane e chafurdou na lama contra o Brasil. Ele confirmou sua posição ao celebrar (ninguém me contou, eu ouvi) a testosterona dos jogadores americanos. Vai ser bundão assim lá na China.

Queria saber o seguinte: o que era mesmo a seleção masculina de futebol? Selecinha? Não joga nada? O que mais? Cinco a zero foi pouco? Três a zero qualquer um fazia?

RETORNO - Imagem de hoje: Marta, a imortal.

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