17 de agosto de 2008

MIGALHAS DEFINEM MEDALHAS


Olimpíada não tem refresco. Os melhores brigam por um grão de areia. Um passo a mais, um tombo, um toque na rede, um bilionésimo de segundo e lá se vai o sonho, embalado por um chororô sem fim. É duro enfrentar-se depois da queda, dar explicações, baixar a cabeça. Vimos a chinesa que tropeçou na sua prova no solo, vimos Daiane de novo colocando o pé onde não deveria, vimos Diego Hypolito cair como jamais deveria, e vimos a dupla americana do vôlei de areia, super entrosada e com jogadas decisivas, tirarem Larissa e Ana Paula da reta.

Não adianta tentar se compensar e achar que, na ginástica olímpica, somos a oitava equipe melhor do mundo. A verdade é que na prova final tiramos o último lugar. Isso não é desonra, mas não devemos tentar dourar a pílula, já que o ouro da medalha fugiu. O que falta ao Brasil? Além de aumentar o volume e a massa de quem compete, para que possamos eleger o que temos de mais competitivo, devemos saber disputar essa quirera que define a grandeza. Porque é isso que se trata: a espessura da pele de um dedo pode definir o campeão quem toca na parede ou rasga a fita antes de todos.

Desta vez, o vôlei de areia acabou me conquistando, eu que costumava chamar esse esporte de peteca de praia ou cuspe à distância. Continuo achando que o futevôlei teria mais motivos para virar modalidade olímpica (até cama elástica entrou na parada!), mas vá lá. A dupla americana é impressionante, elas bloqueiam todas, estão sempre bem posicionadas, não perdem saque, não precisam se falar, se entendem como ninguém. Um giro do punho, como notou a comentarista da Globo (a única emissora que pega direito aqui no ermo) e lá vai a bola beijar o retângulo fatal no campo adversário.

Ainda implico com o handebol e, desculpem os entendidos, o judô e a luta livre. Acho muita covardia. Como será possível segurar o pênalti do handebol, por exemplo? Você pega a bola com a mão, faz várias ameaças e acaba colocando onde quer. No judô nunca sei quando há pontos e quando alguém vence. Fico pasmo que todo mundo entenda e vibre com o resultado antes que eu enxergue o lance. A luta livre deveria dar cadeia para quem participa. Vi duas gigantescas criaturas se digladiando. Uma amassava com a pança dura a cabeça da coitada da adversária. Acham isso normal?

Perdemos quase tudo, numa sucessão mortal de derrotas. Pelo tamanho do país, pela riqueza que geramos, tão mal distribuída, deveríamos desempenhar melhor nessas provas fatídicas. Mas continuo vendo reportagens sobre a garota que não tinha dinheiro para o ônibus para poder treinar. Assim é brincadeira. Não dispomos nem de trocos para gerar um campeão? Enquanto alguns atletas ganham todo o destaque da mídia (Tiago Pereira foi um deles e não ganhou nada), o resto pasta no anonimato, recebendo o mesmo tipo de atenção dos atletas de países minúsculos. Somos seres exóticos para a imprensa do nosso próprio país.

Grossa grana em instrumentos olímpicos, uma quadra, uma raia, uma reta, uma cesta em cada bairro, vila, região. Milhões espalhados pelo país, mantidos pelo poder público, com tudo em cima, segurança, orientação técnica. Empregar os milhares de formados em educação física, fazer um programa nacional de disseminação do esporte, sem essa merda toda da publicidade em cima. Economizar em imposto para eleger alguns privilegiados não é o caminho. A pobre Daiane salta majestosamente no comercial da Samsung, para quê? Precisamos de dez mil Daianes.

Precisamos de um monte de atletas disputando o pózinho de traque que define uma medalha. Só assim deixaremos de ser o Brasil, país exemplar, milionésimo-quinto lugar.

RETORNO - Imagem deste post: foto de B.J. Duarte, o grande fotógrafo brasileiro, irmão de Paulo Duarte, figura importante da história paulista. Ele registrou todo o trabalho do poeta Mário de Andrade na Secretaria de Cultura de São Paulo, nos anos 30, claro, em plena era Vargas. Era a disseminação em massa do esporte, por meio da educação, dos estudantes, dos colégios. Acabaram com Mario de Andrade porque ele fazia parte de um governo estadual indicado por Getúlio Vargas. Os falsos politicamente correto, na verdades inimigos do Brasil, acabaram expulsando o poeta para o Rio de Janeiro, onde veio a morrer de desgosto.

Entrevistei J. B. Duarte quando ele estava bem velhinho, com mais de 80 anos. Tinha publicado quatro livros de memórias de suas andanças por Paris nos anos 20 e 30, quando conviveu com todo o grand monde cultural da época. Seu acervo serviu de base para a memória iconográfica da cidade, hoje sob a guarda do governo estadual ou municipal, não lembro. Fotos deslumbrantes, como esta que encontrei na Internet.

Já tivemos um país, precisamos recuperá-lo.

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