19 de agosto de 2008

NETTO CONTRA OS IMPERIAIS


O ator Werner Schunneman, numa entrevista, matou a charada: Netto e o domador de cavalos, de Tabajara Ruas, não é o único filme gaúcho da mostra competitiva do Festival de Gramado, que acabou no último domingo com um apoteose de Kikitos para três filmes cariocas. “É o único filme não carioca”, disse ele. “Netto representa Minas, Espírito Santo, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Sul. Somos nós contra os imperiais.” Werner, junto com Tarcísio Filho, protagoniza esse drama em ritmo de blues, que o talento de Vitor Ramil, tocando ao fundo, ajuda a tornar memorável .

Acompanhei um pouco o longo processo que gerou este filme, desde a época em que foi a campo, depois editado na casa da Lagoa, aqui na ilha, de Ligia e Taba, com quem compartilhei maravilhosas horas de convívio, quando aprontávamos a trilogia de Diogo e Diana. Acompanhei a luta, o cuidado, o carinho, o esforço, a seriedade, a emoção que foi fazer este filme primoroso, que vi em primeiríssima mão, ainda no copião, e espero ver em breve no que ele se tornou. Mas o trailer já dá uma idéia da grandeza do filme.

Não conversei ainda com o diretor depois de Gramado. Portanto falo por mim. Fiquei absolutamente chocado com a brutalidade com que “Netto e o domador de cavalos” foi tratado, sendo completamente esquecido na quantidade de prêmios diponíveis, que foram distribuídos fartamente para outros cineastas. Fica na cara que se trata de uma exclusão pura e simples, fundada no preconceito e em outras coisas que imagino mas não ouso dizer. Cinema exige muito investimento e tem muita gente querendo financiamento. Tentar queimar não apenas um filme, mas toda uma proeza, uma empresa, uma equipe enorme, neste país sem estrutura nenhuma, em que tudo é feito a partir do nada, se trata realmente de uma grossa e gigantesca sacanagem.

Acuso os responsáveis por essa violência, sejam eles quem forem. Parece ser consenso que há um cansaço do chamado gauchismo, mas no fundo há cansaço de arte, de sofrimento, de suor, de História, de Brasil. O que temos é a frescurada de todo o tipo dando as cartas. O mais trágico é que os chamados politicamente corretos, como notou Daniel Duclós numa carta para mim, falsamente defendem a diversidade, mas são tirânicos na sua mesmice. Diversidade é o filme do Taba, que se alista na luta da negritude, na luta por um país, na luta contra a escravidão, até hoje vigente. Que luta pelo talento!

Vejam no filme Julio Conte, esse grande ator e dramaturgo, no papel do fazendeiro, Miguel Ramos, dividido entre a proteção ao seu afilhado e a saraivada de açoites que é obrigado a dar nele. Vejam essa ator magnífico que é Sirmar Antunes tomando conta da tela. Vejam esse menino, grande revelação, Evandro Elias no papel do Negrinho do Pastoreio revistado. Vejam a dança insubmissa de Fernanda Carvalho Leite. Vejam Tarcísio Filho no impressionante papel do Índio Torres. Quando o Índio Torres aparece amarrado junto a um Nico Nicolaievski sádico, cru, triste, cínico, acontece um dos grandes momentos do atual cinema nacional. Os diálogos sussurrados, a ação que se desencadeia depois de tensões represadas, de perspectivas sombrias. Tudo filmado num cenário espantoso, de gaúchos montados a cavalo na areia, de pampa infinito, de seres humanos cercados pelo drama da paisagem.

Luiz Carlos Merten notou referência a Visconti e John Ford, dizendo que ninguém se importa mais com isso. Deve ser. Não se importam se filmes como “Quando meus pais saíram de férias” não passa de um plágio do filme argentino Valentin, ou “Central do Brasil”, apesar de ótimo, é apenas uma refilmagem de Gloria, de John Cassavets. Enquanto copiam, Taba faz referências aos clássicos, numa obra original, profunda, fecunda, libertária.

Taba reinventa o conceito de clássico ao cruzar a mitologia do faroeste com a ficção histórica gaúcha. Compõe um drama à altura do melhor cinema. Seu novo filme terá o reconhecimento devido. Não precisa desses imperiais, fadados ao esquecimento. Fora e chega!

RETORNO - Os imperiais do cinema e da TV não podem esquecer que a televisão brasileira deve à mitologia cinematográfica de Netto uma nova estética, uma solução audiovisual poderosa. Produziram, a partir de Netto, uma nova dramaturgia televisiva sobre o Sul, já que a obra gerou cineastas especializados em batalhas, novos rostos para a tela, personagens magníficos nunca antes explorados, novas histórias, novos enfoques, entre outras coisas. Precisam dar crédito, respeitar e não torcer o nariz. Aproveitaram, ou seja, se ajoelharam. Agora rezem.

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