4 de agosto de 2008

MAIS PESADELO DA LINGUAGEM


A semana começa com a frase do Paulo Coelho, que será publicada numa entrevista à Playboy (aquela que vive da exposição genital dos famosos): “Sou o intelectual mais importante do Brasil”, disse ele. Coelho não é nem intelectual, é escritor de ficção, o que é bem diferente. Os maiores intelectuais do Brasil todo mundo sabe e conhece: Roberto Schwarz, Antonio Candido, Franklin Leopoldo e Silva, Ferreira Gullar, Mario Chamie, Nicolau Sevcenko, Evaldo Cabral de Melo, entre muitos outros. A frase de Coelho faz parte do pesadelo da linguagem. Vamos a algumas expressões muito usadas na mídia e que deveriam ser cortadas e não celebradas a torto e a direito:

DIAS DESSES – É a maneira cool de indeterminar um prazo, recurso muito comum em literatura, mas que, usada nessa forma, parece ser algo charmoso e criativo, quando não passa de erro grosseiro e um tremendo lugar comum. Como usam esse troço! A toda hora tem dia desses. Parem com isso. É ruim, viu?

FAZ AS VEZES – Esse dá urticária. Fulano, que é cantor, faz as vezes de ator. Pode? Deve ser obrigatório, de tanto que colocam nos textos. Que faz as vezes, rapaz? Vais levar uns peripacos, umas bifas. Vou fazer as vezes de um corretor, uma palmatória.

DÃO CONTA DE QUÊ – Mortal. Por que tanto dão conta de quê, meu Deus? Ciclano esteve lá e deu conta de que a coisa está feia. Pelo amor de Deus. É isso que dá eliminarem o copy das redações. Dar conta de quê jamais passaria por um copy decente. Como eliminaram os redatores, a gandaia corre solta, dando conta de que estamos fritos.

SINALIZAM – São todos profissionais de chão de aeroporto, ficam sinalizando para as aeronaves que pousam. O governo, então, como sinaliza! Vive sinalizando, enquanto o país afunda na miséria e na violência (apesar das estatísticas, das pesquisas de opinião e da quantidade enorme de sinalizações de que estamos no melhor dos mundo).

SUPOSTO – É a palavra da moda. O suposto crime com o suposto mandante do suposto fato. No fundo, é um suposto jornalismo de um suposto repórter de um suposto veículo de comunicação. É o texto Pôncio Pilatos. Vive lavando as mãos, não quer se comprometer com nada. Diga lá: o banqueiro Fulano de Tal, criminoso, ladrão, foi solto por obra e graças de outro criminoso e ladrão. É assim que se faz. Não suposto porra nenhuma, está explícito, está claro, não é mesmo?

SEGUNDO - Para uma produção de ,pensamento de segunda categoria, nada como colocar segundo em tudo o que é parágrafo. Segundo Fulano: é porque a fonte não está em primeiro, nem o jornalista, nem a reportagem. O que está em destaque é a maneira tosca de exercer o ofício. Também faz parte do ponciopilatismo, terceirizar toda a responsabilidade do que está escrito. É isso: usar segundo é pura terceirização.

NÃO POR ACASO – Tudo faz sentido, tudo tem a ver com tudo. É o espiritualismo jeca dominando a costura dos textos. Eliminaram o acaso, irmão mais velho da ciência. Há uma espécie de Ogro que tudo provê nos mínimos detalhes. Esquece-se do livre arbítrio, da liberdade outorgada por Deus. Não por acaso, os textos ficam cada vez mais ilegíveis.

RETORNO - 1. Imagem de hoje: Roberto Schwarz, o maior intelectual do Brasil, arma certeira contra o pesadelo da linguagem. 2. Li na versão on line de um grande jornal carioca que "relatos dão conta de que Morgan Freeman não corre risco de morte". O Brasil é o único lugar onde morte corre risco. Já a linguagem corre risco de vida. Por falar nisso: longa vida a Morgan Freeman, um dos poucos grandes atores do nosso tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário