31 de outubro de 2005

O PAPEL DA MÍDIA IMPRESSA




O futuro da mídia impressa é o caderno Mais!, da Folha e seu sepulcro é a revista Veja. Mais! é acusado de elitista pela leitura preguiçosa. Defender o suplemento (como se precisasse!) não o coloca como algo inatacável, mas é preciso reconhecer que ele aprofunda temas que nos perseguem. Um desses assuntos é a Internet como saída honrosa para o embrulho da falta de liberdade de expressão. Os exageros do pensamento auto-suficiente é achar que a rede mundial de computadores pode superar as contradições do capitalismo por meio de uma utopia desligada das contradições, como aponta Robert Kurtz neste domingo no magnífico artigo "O complexo de Harry Potter". A internet é um meio de circulação, não de produção, alerta o autor, sociólogo nascido e criado nesse fenômeno que é a Alemanha (que pagou caro pelos seus acertos ao deixar-se dominar, por um tempo, pela ultra-direita, que usou o carisma nacional a favor da destruição em massa). Veja fica no lado oposto: é um relatório de atrocidades a favor do golpe de estado. Fazer um estardalhaço contra o governo baseado no depoimento de dois meliantes é digno das mais sombrias determinações de Goebbels, o inventor da publicidade moderna.

ROMANTISMO - A mídia impressa não tem outra saída. Não adianta fazer como a Folha e clonar o blog do Noblat para recuperar o espaço perdido. Não se engana mais da mesma forma o cidadão que luta por informação. Não quer dizer que jornais e revistas tenham que ficar publicando apenas artigos e pensatas. É espaço para a reportagem bem elaborada, longe do atual círculo da mesmice, apontado por brilhante artigo do Comunique-se, As razões de Obelix, assinado por José Paulo Lanyi. Acusam o jornalismo antes do AI-5 de romântico, coisa do passado, mas o jornalismo que o Brasil fazia antes do arrocho é o mesmo que muita revista e jornal do Exterior faz até hoje, sem serem acusados de passadistas. Temos esse defeito. Quando se fala em trem por aqui se pensa logo em Maria Fumaça, em nostalgia, em saudade, enquanto as estradas de ferro cruzam de maneira esplendorosa a Europa e o Japão como símbolos de um transporte de futuro. O arrivismo é nossa condenação. Como somos muito atrasados, queremos parecer o que não somos, moderníssimos, e nesse equívoco enterramos as soluções que poderiam vir em nosso socorro. O ponto nodal do problema é a publicidade. As empresas adoram cacifar baixarias na TV e cadernos anódinos, que ainda imitam a TV, com grandes fotos de modelos ou paisagens. É a natureza morta da mídia impressa. Os anúncios deveriam acompanhar o que há de mais alto na concepção jornalística. Essa aliança entre a ética publicitária e a eficiência fundada na diversidade dos jornais e revistas é que vão dar alguma luz para esse quadro triste em que os leitores somem das bancas, enquanto a apelação pura e simples toma conta das capas e conteúdos.

CORREIO - Nunca vi Tarso de Castro bêbado numa redação. Ele era ativo, rápido, profundo e sabia tudo. Lembro que, estudante, comprava o Correio da Manhã para ver a cobertura das manifestações estudantis no Rio de Janeiro, acompanhada de artigos de Franklin de Oliveira, Otto Maria Carpeaux, e Paulo Francis. Era um show que a ditadura destruiu. Sempre se bebeu no bar, com honrosas exceções (quando o pesadelo que se avizinhava em nossas vidas tomava conta das rotinas). Hoje se acusa jornalistas como Tarso de serem passionais e alcoólatras. Nunca ninguém chamou Tom Jobim de bebum, e se chamou isso não tem a mínima importância. O maestro deslumbrou o mundo com sua arte e beber era coisa de foro íntimo, ninguém tem nada com isso. O que existe é má-fé. O jornalismo integrado aos interesses do capital financeiro e aos ditames ditatoriais acha que pode enterrar uma linhagem de jornalistas que foram erradicados, em sua grande maioria, das redações. O jornalismo é tão importante que o dono do jornal não permitiu mais nenhum espaço para a individualidade e o estilo. Temos hoje a decadência mortal dessa receita. Para sair dela, é preciso abrir mão da sacanagem, apenas isso. A saída é a democratização verdadeira da mídia impressa, a volta do talento, a aposta na diversidade do pensamento. Isso vai trazer leitores de volta. Chega uma hora que a internet cansa e só um bom jornal ou revista pode aplacar nossa sede espiritual e física por bons textos e informações valiosas.

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