Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
13 de outubro de 2005
LANÇAMENTO EM PROFUNDIDADE
Roberto Carlos chuta de trivela (com os três dedos do pé), quase em curva, e a bola cai no peito de Cafu, uns seis quilômetros à frente. Alex, sem espaço, sabe colocar a bola quicando na frente de Robinho, bem na medida para um chute que bate na rede pelo lado de fora. Ronaldinho Gaúcho é o goleador que conhece todos os segredos da profissão de garçom, pois serve como ninguém, especialmente para Ronaldo Fenômeno fazer o gol. Beckham, no Real Madrid, tem feito passes primorosos, bolas que atingem o alvo, que não é o gol, mas o companheiro. O lançamento em profundidade é a solidariedade que o talento demonstra quando tudo parece fechado e impossível de se chegar. É como o cavalo do Xadrez, que abre espaços contrariando a normalidade do sobe/desce, ou esquerda/direita. Há algo maior no retângulo de grama e isso só se descobre quando Zenon ou Gerson batem na bola sem pensar nela, mas em quem vai receber, esteja onde estiver. É o correio cinético mais eficiente e bonito do futebol. Depois de um lançamento em profundidade bem feito, podemos sair do estádio e ir para a casa. O dia está ganho, a vida também. Saímos convencidos, mesmo para um caso perdido como eu, pois costumo malhar o Roberto Carlos (quando chuta demais na barreira) ou o próprio Beckham (quando o marketing se sobrepõe ao futebol). Ontem, RC ainda fez o gol que sempre adia, o de falta.
MAGIA - Foi o Reinaldo, o grande craque do Atlético, que um dia confirmou o poder da energia cinética no jogo. Você pensa onde vai atingir e a bola segue direitinho a trajetória. É assim que se conseguem lances em profundidade. É claro que existe o talento e o treinamento, em que o pé costuma obedecer aos comandos mentais mais sofisticados. É um poder que todo mundo tem, reforçado quando existem palavras que servem de veículo para a magia. Quantas vezes os grandes craques cantaram que iam fazer determinada coisa e fizeram? Em Romário, isso é rotina. Vamos nos classificar e seremos campeões do mundo, disse ele em 1993. O ovo luminoso de que somos feitos (soma de energia e matéria, se seguirmos a clássica explicação da literatura esotérica, dos rosacruzes a Don Juan, de Castaneda) é um feixe de fios poderosos super concentrados. Como nos quadrinhos antigos (os mais recentes eu não acompanho...como assim, não existem mais quadrinhos? puxa) somos capazes de lançar fios à distância. Por eles segue a bola obediente, pousando suavemente dentro da área, nas garras de um goleador impiedoso. Se vem pelo alto ou a meia altura, não importa, é sempre em curva, que tanto pode evoluir para os lados quanto para o fundo, para onde a coruja pia. O receptor corre olhando direto para a bola ou apenas a recebe sem rodeios. O impressionante de um lançamento em profundidade bem feito é que a bola conhece perfeitamente o lugar onde deve cair. Ela cai onde os torcedores esperam e os adversários temem. Cai no centro do drama, no segundo de silêncio absoluto, antes da explosão admirada dos espectadores.
INTERVALO - No Show do Monopólio, intervalo da transmissão da Globo, um monte de jogos se comprimem num super reduzido espaço léobatístico. É o oposto do lançamento do qual falamos acima. É a contenção de lances, é a mesquinharia bem vendida, é o pouquinho de nada enquanto o planeta futebol explode. As outras redes ficam chupando dedo já que a Globo compra tudo. É irritante a alegria forjada de Galvão Bueno, que é feliz por ser parte do monopólio. Sua transmissão esconde o país que arde em chamas por toda a parte. Enquanto ele cria coisas como o bico da bola (existe o bico de pé, mas da esférica? não entendi), misteriosamente o médico legista do caso do prefeito assassinado em Santo André aparece morto e fica parecendo suicídio. O berro do povo encantado com o talento, que volta para a casa para viver sua vida sem soberania, encobre mais um mistério. O que será que realmente aconteceu? É mais uma testemunha desse caso escabroso que se vai.
RETORNO - Wendel Martins me envia surpreendente texto do Olé argentino. Não resisto e reproduzo a descrição do jornalista Leonardo Rodriguez Bruno dos três gols da seleção: "El primero, grábelo y véalo cada vez que esté melancólico, porque es un buen antídoto: Ronaldinho tiró un sombrerito y Adriano, en un gesto técnico genial, la mató de zurda en el aire y al toque la cruzó al segundo palo. El segundo, fue otra joyita. Adriano lo asistió a Ronaldo y O Fenómeno puso su marca registrada: gambeta larga y a cobrar. El que cerró la cuenta fue Roberto Carlos de tiro libre por falta a Ronaldinho. Y es tan cierto que el lateral mete uno de cada 30 que patea, como que cuando entran, son poemas".
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário