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30 de outubro de 2005
AS FALSAS VIRTUDES DA EXCLUSÃO
Os jornalistas agora são todos abstêmios, ninguém bebe. São também profissionais responsáveis, não há mais passionalidade nas redações. Isso é coisa do passado, como demonstrou cientificamente artigo na Ilustrada de ontem sobre a biografia de Tarso de Castro escrita por Tom Cardoso. Mas eles se entregam: assim como só temos gente fina na imprensa, também só temos MPs do Mal, com exceção de uma, a do Bem. Deduz-se por exclusão que o monstrengo de 134 artigos que atrapalha ainda mais o sistema tributário é a maravilha da burocracia esclarecida. Assim funciona a racionalidade da mídia, dominada atualmente, em sua maior parte, pela mão de ferro do terror cultural. A cidadania do Bem tomou conta do imaginário oficial do País. É por isso que engrosso aqui as fileiras da campanha lançada por Tailor Diniz no Umbigo de Cobra, sobre os Boêmios do Bem. Ao invocar a tradição brasileira do Bar como encontro de espíritos livres, Tailor nos alerta para a hipocrisia que tomou conta de nós, e acrescento: o tranco da voz artificial dos repórteres de TV destacam didaticamente aquelas pessoas sempre às voltas com algo pretensamente virtuoso. Como se o Brasil tivesse sido vítima de um golpe de Estado, liderado pelo Chatotórix, aquele bardo impoluto que era expulso das alegres rodas dos gauleses.
DITADURA - Recebo mensagem de alguém que denuncia a situação: "Minha mãe, que estava muito doente, com Mal de Alzheimer e tumor cerebral, faleceu no dia 22.10.2005. Dinah Marzullo Tangerini, nascida a 1.6.1917, era filha da atriz de cinema, teatro, tv, rádio (Rádio Nacional) Antônia Marzullo e esposa do compositor, teatrólogo, cariacaturista, poeta e professor de Língua Portuguesa Nestor Tambourindeguy Tangerini. Na década de 1930, Dinah trabalhou na Cia. Teatral de Alda Garrido ao lado de sua mãe e da irmã, Dinorah Marzullo Pêra. Lamentavelmente, a imprensa do Rio se recusa a dar qualquer notícia sobre meu pai, minha mãe e minha avó. Era desejo de minha mãe ver toda a obra do meu pai publicada. Mas eu não consigo publicar nada. Não consigo publicar seus sonetos, seus monólogos, suas trovas, suas peças, suas caricaturas. Não consigo publicar uma biografia que escrevi sobre meu pai. Todos sabem que estou sendo silenciado. A verdade não pode vir à tona. "Que país é este?" Estamos vivendo sob uma nova ditadura, a ditadura da mídia. Tenho pedido - em vão - ajuda às minhas primas Marília e Sandra Pêra. Elas estão na mídia. Nenhuma resposta. Em 2004, estive na casa do Sérgio Britto e ele me disse que não vou conseguir salvar a memória do meu pai. O quadro é desanimador. A imprensa não tem o menor respeito pela cultura. Vivemos num país de máfias: máfias literárias, máfias jornalísticas, máfias musicais... Soube que uma lista de nomes indesejáveis circula pelas redações dos jornais. Esses nomes não podem entrar na mídia. É o fim, não? E ninguém se manifesta. Precisamos fazer uma denúncia. Um abaixo assinado, talvez. Estou sendo silenciado pela imprensa. Meu pai e minha mãe estão sendo silenciados pela imprensa. Este é o triste retrato do Brasil. Abraços, Nelson Marzullo Tangerini. Rio, 30/10/2005".
CÂNONE- Esse quadro denunciado por Nelson me levou a uma decisão estratégica faz alguns anos. Trabalho a favor dos excluídos, de todos os matizes e níveis. Descobri que no Brasil não podemos fazer autocrítica, pois a tremenda exclusão faz com que levem ao pé da letra a visão realista que temos de nós mesmos. Procuro então criar um novo cânone. O que parece muitas vezes exagero da minha parte, é justiça somada à necessidade de revelar o brilho oculto dos talentos não reconhecidos pela ditadura. O cânone (o mais importante romance, o grande poeta oculto, a biografia maravilhosa, a antologia reveladora e assim por diante) cria um novo parâmetro e pode ser brandido diante das fuças dos bem postos, que fazem entre eles algo que se parece ao que faço aqui, pois vivem se incensando mutuamente. Só que no Diário da Fonte o que pega é a denúncia e a revelação, enquanto neles o que importa é o compadrio e o ocultamento.
DECISÃO - Amor aos contemporâneos e respeito à História. Longa vida à arte verdadeira, que está longe dessas falsidades pretensamente benévolas, que nada mais são do que a máscara do horror que nos sufoca.
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