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2 de outubro de 2005
CÃES FEROZES DE IÑARRUTI/ARRIAGA
De repente, a TV aberta consegue deixar de ser, por duas horas, esse poço sem fundo de imbecilidade e nos brinda com o impressionante Amores Perros, dos mexicanos Alejandro Gonzáles Iñarruti (diretor) e Guillermo Arriago (roteirista) , dois talentos que explodiram com esse filme em 2000, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, e que continuaram a aprontar: veio em 2003 o festejado 21 gramas e agora estão preparando Babel, com lançamento previsto para 2006. Se a Rede Record descobrir o óbvio, de que a TV aberta deveria investir pesado em cinema de qualidade, fora do horror da produção em série americana, que é produzida para idiotizar o mundo (programa em que o Brasil embarca religiosamente) e é cacifado pelas instituições reacionárias do Império (FBI, CIA, Pentágono, e isso não é teoria da conspiração, basta ver o que essas monstruosidades cinematográficas sugerem, é uma questão de enxergar), como dizia, se qualquer rede de televisão colocar em horário nobre, como fez ontem às dez da noite, algo como Amores perros, estaremos salvos. Tenho certeza que os melhores filmes que estão sendo produzidos nos últimos anos custam infinitamente menos do que as porcarias que importamos sem parar.
ARMADILHA - Amores perros foi traduzido por Amores brutos. Amores traiçoeiros, transgressores, dementes, imersos em remorso, sangue, dor, violência. A narrativa deságua, célere, sobre um ponto focal, um acidente. Nesse nó está concentrada a trama de personagens embrutecidos: o mendigo e ex-guerrilheiro que virou assassino de encomenda, os garotos que entraram no crime, a modelo que acaba de ir morar com seu amante que abandonou a família, os perseguidores movidos pela vingança. Desse miolo do furacão desdobram-se as tragédias pessoais do cunhado que quer roubar a mulher do irmão, da mãe pobre que não pode engravidar pela segunda vez por falta de recursos, dos sócios irmãos publicitários que caem na própria armadilha. Todas essas situações, encadeadas em seqüências aparentemente sem ligação (só num primeiro instante, depois tudo faz sentido) são amarradas por pit bulls, cachorrinhos de madame e de rua, rotweilers. Os cães, em Iñarruti/Arriaga, são a persona dos seus donos, tomados pela ambição e o desejo, pela perseguição e o abandono, pela desilusão e a gana.
FUGA - É um cinema de revólver na cintura, de vidas reais, de indiferença e horror. Fiquei colado na cadeira quando a paisagem urbana da cidade do México, sem chance de ser identificada (poderia ser São Paulo, qualquer cidade grande) começou a aparecer em disparada pela janela de um carro em fuga. Algo sinistro estava começando. Um filme sem igual, que nos traz a grandeza de uma filmografia cult e que está exilada da programação. Abram as comportas do melhor cinema contemporâneo e verão o resultado nas pesquisas de audiência. Será o fim do Programador do Traço, aquele sujeito que espera todo mundo ir dormir, e quando não há mais ninguém vendo, coloca no ar, em horas impróprias, alguma obra-prima. Usem o melhor horário, aquele em que compulsivamente estamos na frente da telinha. Não sejam tão cachorros. Só espero que o fato de programarem o filme de ontem não tenha sido um descuido, mas sim uma decisão consciente.
FRONTEIRA - No concerto internacional das nações, o Brasil é alvo de deboche. O governo atual acha que pode enrolar todo mundo, como faz por aqui. Ninguém vai nessa conversa mole. A China conseguiu o que queria: abaixamos as calças para os grandes contrabandistas predadores e ditadores da mão-de-obra escrava, reconhecendo que eles são uma economia de mercado e pronto , eles tratam os brasileiros aos socos e pontapés, como notou Boris Casoy na Record. O Kirchner então nem se fala: faz o que quer, pisoteia, vem e vai como bem entende, sem dar satisfações a ninguém. O côco-bicho (como eram chamados em Uruguaiana os cabeçudos de grandes orelhas) Chavez é tratado a pão-de-ló e, como todo folgado, apronta. Companheiro Chavez uma pinóia. Não há companheirismo entre nações soberanas. Há negociação. O Chavez querer que haja debate político é um achincalhe. Debate político ele faz com o povo venezuelano. Entre países independentes, não há debate político, existem acordos, concessões mútuas. Fronteira serve para isso: paz na diferença. Toda vez que me falam em mundo sem fronteiras tenho um arrepio de pavor. Imaginem o mundo passando a mão na bunda do Brasil só porque abdicamos das fronteiras. Claro que isso não está acontecendo...ou está? Não, não está. Temos ainda Uruguaiana. Lá, graças a Deus, existe fronteira. E sabemos o quanto isso nos custou.
RETORNO - "Ronald Golias ou quando o riso era remédio" é a homenagem no La Insignia de Urariano Mota ao que ele considera o maior ator cômico do Brasil. O texto serve como advertência: não reconhecer o gênio nos contemporâneos é um vício que deve acabar. Golias serve para inúmeras análises. Minha proposta, além de concordar com tudo que UM diz sobre o gênio que se foi, é resgatar o link de Golias com Totó, o grande cômico italiano, que está na fonte de inúmeras manifestações brasileiras dessa arte de fazer rir. Golias, que criou seu estilo, digeriu genialmente Totó, identificando-se, muitas vezes, com seu andar, suas caretas, suas tiradas surpreendentes. É bom também destacar outra contribuição de Totó: Rogério Cardoso, com seu Rolando Lero, o personagem da escolinha do professor Raimundo, reproduziu fielmente uma piada de um filme de Totó. Este, ao saber pelo seu professor que Sócrates, o filósofo, tinha morrido, replicou: Morreu, como? Não me diga, e desatava a chorar. É a mesma situação, que Rogério Cardoso abrasileirou.
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