28 de outubro de 2005

DUAS FEIRAS E UMA VOCAÇÃO



O convite feito pela Prefeitura de Uruguaiana por meio de seu secretário de Cultura, Miguel Ramos, que me transmitiu ontem por telefone a notícia em nome do prefeito Sanchotene Felice, me comove e me enche de orgulho: serei o Patrono da Feira do município este ano. Novembro será um mês animado. Além de participar do tradicional evento, estarei também debatendo poesia numa mesa redonda no dia 4, dessa vez na Feira do Livro de Porto Alegre. Junto com Marco Celso Viola e outros convidados, vamos resgatar um pouco da nossa trajetória que começa em 1968/9 e deságua hoje propondo ainda o fim da exclusão literária. Para onde nos leva nossa vocação? Para as responsabilidades que temos como cidadãos, especialmente nesta época em que não podemos mais errar. O livro representa uma confluência de vetores que começa na alfabetização e chega na soberania. É ficção, ciência, poesia, História, política, cultura, comportamento. É empreendimento, já que movimenta não apenas livreiros, mas gente de todos os ramos, como designers, fornecedores, editores, comerciantes, instituições. A atualidade do livro é uma evidência que se reflete numa gigantesca indústria, que do best-seller ao ensaio erudito concentra a produção de pensamento de espíritos livres, tanto de autores quanto de leitores.

CORRERIA - Uma feira do livro, portanto, é mais do que um evento cultural ou social, ou uma oportunidade de negócios ou uma exposição de escritores e obras. É esse encontro que defino como cultura, em que as pessoas se reúnem fora dos seus circuitos habituais para ganhar impulso o que nos mantém vivos: o sentido de viver para a criação e o entendimento do que nos cerca. Tanto se fala em manter saudável o corpo nas televisões, com gente se esbaforindo para todo canto, o que deve ser extremamente saudável, apesar dos inúmeros acidentes também reportados no noticiário, em que o corpo não agüenta a vaidade de não querer engordar ou envelhecer. Depois de brigar contra o inevitável durante muitos anos, descobri que a genética e a natureza têm suas razões e por isso deixei para lá. O próprio corpo, liberado da pressão, se encarrega de impor limites, por isso é tão importante a ressaca. Mas pouco se vê nas TVs a presença dos livros. Há uma exclusão do livro nas novelas e telejornais, a não ser eventualmente, quando levam palhaços para a feira do livro e distribuem folhetos para a gurizada, que gosta mesmo é de livro que fica em pé, como já provaram os milhões de exemplares do Harry Potter. Lembro que na minha casa tinha a coleção completa infantil do Monteiro Lobato, o pai dos escritores brasileiros. Invernos sem fim cruzei vivendo no Sitio do Picapau Amarelo, hoje destruído pela Globo em mais uma noveleta ridícula. Livros de capa dura, que mal davam para segurar, mas que eram lidos, relidos e requete lidos.

BIBLIOTECAS - O livro começa na família, na infância, passa para a biblioteca da escola, a livraria, as grandes bibliotecas e finalmente a biblioteca particular. Ter livros em casa não é enfeite, é necessidade. Onde foi parar meu Quixote? Por que não li ainda a Montanha Mágica, do Thomas Mann, que há anos dorme na estante? Preciso reler Lorca. Quero ver o que o Foucault tem a dizer sobre isso. Não se deve incentivar o fetichismo do livro como objeto de exclusão, em que o leitor de sovaco deita regras sobre ouvidos desarmados. O que se lê, como escreveu recentemente na Folha o Ferreira Gullar, fica fazendo parte do corpo, da pele, dos cabelos. Citamos de memória, que é a verdadeira citação, já que a citação ipsis litteris para mim é cópia (e, muitas vezes, falsa erudição). O livro lido pelos outros ajuda a nos civilizar. Eles descrevem o que leram, reproduzem à sua maneira conteúdos que nunca vimos e pronto, está estreitada a amizade ou fica livre o caminho para o amor.

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