Blog de Nei Duclós. Jornalismo. Poesia. Literatura. Televisão. Cinema. Crítica. Livros. Cultura. Política. Esportes. História.
10 de outubro de 2005
UM JABÁ INESQUECÍVEL
A Veja deitou moral em cima do lançamento da Maria Rita porque, na divulgação, a Warner deu um aparelho de escutar MP3 no valor de uns 500 ou 600 reais para os jornalistas que cobrem música nas grandes redações. Foi só uma desculpa para desancar a grande intérprete, claro. Como nada têm a dizer sobre a qualidade e o talento de Maria Rita, inventaram um motivo, logo o quê. As empresas sempre forraram as redações de jabás. Antes, muito mais do que agora. Acho que foi a partir do Collor que a coisa ficou escassa. Mas nos anos 80, quando eu era editor de revistas importantes, fazia parte da minoria que ganhava jabás em casa (para não despertar a inveja dos colegas não agraciados com o mimo). Lembro das caixas de vinho da Metal Leve, entre outros presentes ótimos. A Andrade Gutierres enviava miniaturas de escavadeiras, esse tipo de coisa que hoje não lembro qual a relação com qualquer coisa. Na época de Natal, era lei. Na antiga Folha da Manhã, da Caldas Junior, de Portinho, passava-se no mínimo uma semana tirando sarro do jabá que chegava. Lá, naquela época, era chamado de tôco. Bastava pousar um presente e toda a redação, na maior inveja, sussurrava em coro: tôco, tôco, tôco. Uma coisa que aprendi com o jabá é o seguinte: você mata a curiosidade de todos (do que se trata?) ou então compartilhe (presenteie alguma coisa se o jabá for generoso e tiver diversidade de objetos). Mas há um jabá que a gente nunca esquece.
ALCEU VALENÇA - Aconteceu o seguinte. O Dirceu Soares, saudoso companheiro da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, era o crítico oficial de música do jornal. Como eu era um migrante, emergente, jornalista locado no copy, mas que queria fazer reportagens, pautar, escrever artigos , me ofereci para escrever sobre rock and roll, coisa que Dirceu execrava. Lembro que meus primeiros textos eram todos ácidos e críticos. Melhorou quando troquei meu velho Telefunken por um portentoso Gradiente , que seria pago em 13 prestações. Mas não me limitei ao rock, fazia também tudo o que o Dirceu Soares deixava eu fazer. Isso implicava participar de eventos, como ir para o Rio de Janeiro, ficar hospedado no Hotel Olinda (que era o máximo, à beira-mar, pelo menos para mim) e ainda assistir ao show de lançamento do disco A Banda do Zé Pretinho, de Jorge Ben (era Ben, mesmo). Isso foi em 1978. Essa espécie de jabá, viagem gratuita às custas da empresa que promove o produto e o evento, hoje é explícito: fulano viajou a convite da Turis Mundo. Antes a gente ia, curtia e cravava uma capa da Ilustrada sem dizer que tinha sido a Som Livre que cacifava tudo. Esse jabá foi inesquecível porque depois do show fomos a um restaurante em Copacabana jantar acobertados pela Som Livre. O fantástico divulgador nos incentivou a pedir do bom e do melhor. E lá fui eu com uísque idoso e camarão que parecia lagosta. De repente, chega o pobretão do Alceu Valença, naquela época em início de carreira. Sem saber o que pegava, apesar de dispor de amigo íntimo na mesa, o Paulo Klein (a quem tratava de Paulinho), pediu rabo de galo e uns tira-gosto populares. Quando chegou a hora do pagamento, o cara da gravadora puxou o cheque já assinado e pagou tudo. Alceu ficou furioso. Ei, vocês não me falaram nada. Achei que eu ia pagar a minha conta. Porra, vocês estradulando e eu aqui no seco (não foram exatamente essas palavras, mas foi mais ou menos isso). Gargalhamos a risada sem dó, não por crueldade, já que não sabíamos do dilema de Alceu (achávamos que ele queria aquilo mesmo), mas porque tinha sido muito engraçado.
JAZZOLOGY - Como crítico musical, eu ganhava o pacote completo das gravadoras. Até hoje tenho em Sampa a coleção Jazzology, com coisas primorosas de Django Reinhardt e Louis Armstrong, entre inúmeras preciosidades. Duvido que alguém tenha o LP Tetê e o Lírio selvagem, o primeiro disco da Tetê Espíndola. Eu tenho. Quando editava a seção de livros na Senhor, ganhei milhares de exemplares (tenho 3 mil na minha biblioteca em Sampa). Assim mesmo, distribuía um monte na redação e todos os meus colaboradores ganhavam o livro que resenhavam (o que não acontece ou acontecia na Veja, onde me enviavam o miolo e ainda pediam de volta. Ou seja, a Veja mesquinhava os livros para os resenhistas). Mas isso nem era jabá, era parte do trabalho. O certo seria o veículo comprar os livros para resenhar ou cacifar a viagem do crítico. Não é assim, nunca foi. Faz parte do jornalismo brasileiro. Falar disso agora como se fosse um crime e uma novidade, é de um cinismo sem fim.
SUGESTÕES - O fim de ano se aproxima e meu aniversário também. Portanto, podem enviar jabás para a redação do Diário da Fonte. Os dois volumes de Cobra de Vidro, do Sergio Buarque de Holanda (a única coisa que me falta do grande autor), serão benvindos. Romances contemporâneos de todas as nacionalidades também. Não se acanhem. Tôco, tôco, tôco. Uma coisa deve ficar clara: o jabá jamais influenciou minha seleção de assuntos. Sobre tudo e todos falei, da maneira que eu quis e bem entendi. Assessores de imprensa vinham com os olhos arregalados para mim: mas como você falou isso? Falei e pronto. Hoje, encobertos pelo véu do politicamente correto e da mídia falsamente transparente e responsável, os vigaristas encastelados nas editorias de cultura das redações fazem rigorosa seleção de autores e assuntos. Só entra quem for da curriola ou quem, pretensamente, acrescentar capital simbólico ao autor da resenha (é por isso que eles falam sempre sobre os mesmos). Grandes talentos ficam de fora, implorando uma nesga de espaço. Eles sabem que são assim. Por isso usam de má fé para desancar Maria Rita, como se estivessem sendo democráticos e justos. Continuam sendo vigaristas, apenas isso.
RETORNO - 1. A redação do Diário da Fonte recebe magnífico telefonema do Secretário Municipal de Cultura e Esportes, e maior ator do Brasil, Miguel Ramos, que elogia texto sobre Maria Rita, publicado no sábado. Miguel está preocupado: sua participação no filme de Tabajara Ruas, O General e o Negrinho, inclui andanças a cavalo. Nós, urbanos de Uruguaiana, não temos o costume de andar a cavalo. Mas para um ator como Miguel, seu ginetismo na tela deverá ser uma performance inesquecível. 2. Jary Cardoso me escreve dizendo que o lançamento do livro sobre Tarso de Castro, escrito pelo seu filho Tom, será lançado na lviraria Cultura em Sampa. Peço o livro para Tom Cardoso, para resenhar. Será um dos livros da minha lista deste ano, sem dúvida nenhuma.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário