12 de outubro de 2005

UM PAÍS DE MENDIGOS




Nós, brasileiros, somos um povo de mendigos. Abrimos à força os portões do estádio em Belém não para incensar a individualidade do Ronaldinho Fenômeno (que não cabia em si de tão vaidoso) mas porque precisávamos de uma esmola espiritual do Brasil soberano. Para assistir e ficar perto do talento e da arte é que vestimos nossas bermudas puídas, nossos chinelos e camisetas gastas e fomos em massa ver um treino da seleção. Mas fecharam os portões e tivemos que abri-los à força. Fomos pisoteados e choramos. Entre nós, a maioria é de desnutridos, e uma boa parte está acima do peso. Não nos alimentamos direito porque vivemos como escravos. Tudo está no papel, protocolado, mas a febre aftosa se espalha porque tudo aqui é no papel, protocolado. Não se vai mesmo até o rebanho para ver se tem doença. Depois ficamos desesperados, pois não poderemos mais vender os bilhões em proteínas para eslavos, caucasianos, árabes e orientais. Usamos nossas terras maravilhosas para plantar soja transgênica, para extrair madeira e por isso existe seca na Amazônia e no Pantanal, ex-paraísos que nossa incúria de pais mendigo arruinou. Pedimos emprestado dinheiro estrangeiro sem nos importar com os juros. Um dia pagaremos com nosso território. Então seremos palestinos em nosso próprio país, expulsos pelos invasores endinheirados.

SUCATA - Fazemos tudo isso porque somos egoístas e não queremos que ninguém sobreviva. Tente escutar uma conversa em qualquer momento ou participar de uma. Um diz: o céu está azul. O outro replica: é, mas a metereologia disse que vai chover. Tente dizer num dia de calor qualquer: puxa, chegou a primavera. O outro vibra o calendário e replica: não, ainda estamos no inverno. Comprei um televisor. De que marca? Ah, essa marca parece que está sendo recolhida. Ei, vizinho, saia daí que eu quero me espalhar. Por isso vou ligar o som bem alto de madrugada porque odeio tua presença, tua existência. Mas como disse o presidente bem posto no país de mendigos, Deus é metalúrgico e carioca. Para isso votamos na mudança: para ter um idiota no poder. Vão gastar quatro bilhões para transpor a seca até a beira do rio São Francisco. Gastam milhões para divulgar um trecho da Fernão Dias que está duplicada, enquanto o resto da infra-estrutura cai aos pedaços. As escolas públicas são chamadas de Carandiru. Nenhuma mão de tinta, nenhum esgoto arrumado, nada. Os jovens se vestem de mendigos clonados do que vêem na TV. Usam boné e esses macacões meia canela, que se fossem usados quando eu era garoto teriam o tratamento merecido. São as famosas calças de pular sanga. Mas parece que adoram. E falam como galãs de novela: com uma linguagem sucateada, típica do país que entregou a soberania.

QUINQUILHARIAS - Na véspera do dia da criança, multidões se acotovelam para comprar quinquilharias chinesas. Os comerciantes sorriem: vendemos cinco por cento a mais, e isso é muito positivo. Não importa o quê ou para quem, importa é vender, fazer caixa. Na Espanha, país sem analfabetos, as crianças dispõem de livros de arte feitos exclusivamente para bebês, as canções de ninar são as mais belas do mundo, não há pixações nas casas e nas ruas. Aqui os vagabundos que emporcalham as cidades aparecem com um sorriso alvar na TV, são tratados como artistas e repetem uma só palavra: adrenalina. O país transformado em mendigo pela direita agora pertence à pseudoesquerda, que arrosta todos os pecados da História brasileira. Mas o presidente repete que não se pode consertar em quatro anos o que saiu errado em 500. É muita pretensão. Ele recebeu um país pronto, problemático sem dúvida, mas pronto, obra de sucessivas gerações de brasileiros que deram o sangue pelo território. E agora acha que só ele pita. Depois tu pita, como dizem em Uruguaiana.

CABARÉ - Mas agora tudo vai melhorar. Vão recolher todas as armas da população honesta e teremos que pagar pedágio para sair de casa, porque as quadrilhas armadas estarão em cada esquina. Somos, no fundo, um bando de cretinos. Ligue a TV e verás: pedofilia explícita nas redes abertas. Não vou dizer quais programas e onde, mas está tudo lá. Adolescentes vestidas de putinhas dançam para velhos devassos (tudo fantasia, claro, tudo de mentirinha, os velhos são de madeira), crianças de boquinha pintada rebolam (é assim que se dança hoje, elas imitam os adultos) diante de apresentadores com grossa camada de pancake no rosto e olhar mofino. Ninguém faz nada. Estamos nas mãos de gângsters. Bandido adora chutar mendigo.

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