24 de abril de 2013

COLHI NO SERENO



Nei Duclós

Palavras doces estão na estante. Aqui na mesa tenho algumas espinhentas. Colhi no sereno, machuquei o dedo. Sopre que estão doendo.

Amor é só o que eu tenho. Mas ele gira na roda do sonho.

Não te dou trégua. Foi longa a espera

Em cada dobra repouso. Em cada gota alimento o amor que não tem remédio.

Acordaste sem contemplar o beijo. O dia se desdobra sem teu cheiro.

É muito amor para tanto silêncio.

Te amar não estava na agenda. Tive que rasgá-la.

Estou meio assim, disse a Crescente, bem no zênite.


Não sinto saudade, sinto vontade, o que é diferente.

Tua ausência me inspira, é só o que eu tenho.

Volto ao limbo, junto aos duendes sem poder de mando.

Sei que prometeste não mais me escutar. Mas anjos me sopram, não há como fugir.

A noite foi só um treino. Ainda vamos entrar em campo conforme for despertando.

Fugiste, ou nem sequer te foste. Foi tudo fantasia dos meus olhos.

Não assine o que escrevo. Deixe para os anjos, que são a fonte.

Pensas que exagero. Mas passei a vida me acostumando ao desencontro. É um defeito de nascença.

Não vou insistir, espanto. Recolho-me ao cultivo de raros insetos, meus sentimentos.

Jamais atingi teu endereço. Estavas em outra cidade, encoberta pelo tempo.

Nada consta do amor que não houve. Improvável peça de um teatro abandonado no subúrbio.

Nada acumulei no ofício do verso. Sou mendigo na tua porta de sonho.

Varreram o que te disse para baixo do tapete. Quando veio a mudança, tudo foi para os ares como poeira

Faz tempo que tivemos a chance. Hoje perambulamos por ruinas de momentos.

Te dedicas ao que não me diz respeito, tua vida fora do que mais desejo.

Cada um num canto, você no solo eu no coro.

Curto todos os rostos, porque gosto de almas.


RETORNO - Imagem desta edição: Noomi Rapace.