Nei Duclós
Palavras doces estão na estante.
Aqui na mesa tenho algumas espinhentas. Colhi no sereno, machuquei o dedo.
Sopre que estão doendo.
Amor é só o que eu tenho. Mas ele
gira na roda do sonho.
Não te dou trégua. Foi longa a
espera
Em cada dobra repouso. Em cada gota
alimento o amor que não tem remédio.
Acordaste sem contemplar o beijo. O
dia se desdobra sem teu cheiro.
É muito amor para tanto silêncio.
Te amar não estava na agenda. Tive
que rasgá-la.
Estou meio assim, disse a Crescente,
bem no zênite.
Não sinto saudade, sinto vontade, o que é diferente.
Tua ausência me inspira, é só o que eu tenho.
Volto ao limbo, junto aos duendes sem poder de mando.
Sei que prometeste não mais me
escutar. Mas anjos me sopram, não há como fugir.
A noite foi só um treino. Ainda
vamos entrar em campo conforme for despertando.
Fugiste, ou nem sequer te foste. Foi tudo fantasia dos meus
olhos.
Não assine o que escrevo. Deixe para os anjos, que são a
fonte.
Pensas que exagero. Mas passei a vida me acostumando ao
desencontro. É um defeito de nascença.
Não vou insistir, espanto. Recolho-me ao cultivo de raros
insetos, meus sentimentos.
Jamais atingi teu endereço. Estavas em outra cidade,
encoberta pelo tempo.
Nada consta do amor que não houve. Improvável peça de um
teatro abandonado no subúrbio.
Nada acumulei no ofício do verso. Sou mendigo na tua porta
de sonho.
Varreram o que te disse para baixo do tapete. Quando veio a
mudança, tudo foi para os ares como poeira
Faz tempo que tivemos a chance. Hoje perambulamos por ruinas
de momentos.
Te dedicas ao que não me diz respeito, tua vida fora do que
mais desejo.
Cada um num canto, você no solo eu no coro.
Curto todos os rostos, porque gosto de almas.
RETORNO - Imagem desta edição: Noomi Rapace.