22 de novembro de 2012

ÉS MEU PONTO



Nei Duclós
  
Continuas quieta enquanto canto. Mas se esqueço a letra, és meu ponto.

És meu único amor, ela disse. Sou um dos teus sonetos.

No fundo é só a imaginação que nos sustenta. Mesmo frente a frente. A criatura que te beija encarna uma lenda.

Do que estou falando? Do que calam, serena.

Três gemidos é uma senha. Um suspiro, suficiente.

Me levas para a montanha. Lá me perco, te procurando. É que chegas ao topo voando.

Melhorei muito depois que me conheceste. És uma civilização perdida que encontrei sem mapa.

Posso passar dias te escutando. Não só pelas palavras, mas também pelos silêncios.

És tão bonita quando conversas. Ouço melodias que me convencem.

Queres um sentido quando nem os pássaros desconfiam de algo parecido. Pouse no fio e cante para o futuro.

Nada pode o poema se não te entregas. Mesmo que saibas o que vem pela frente: a solidão do verso, o esplendor da açucena.

Rendilhada de acenos. Puxo por uma ponta e desfia-se o universo.

Nenhum verso durará para sempre. A não ser o que sussurras quando te acerto em cheio.

Não adianta chegar perto. Estás satisfeita com a nossa distância.

Vieste te servir de versos. Nem me olhaste, colecionadora de silêncios.

Te dedicas toda ao poema. Eu sobro, autor sem direitos.

Olhar pidão, beijo teu ombro.

Não esqueci de você. É que as vezes desmaterializo.

Nada é mais sério do que a concentração da espera antes do bote terminal da fera. Cupido sua quando retesa o arco.

Falo para alguém, assim como tens quem amas. Sintonia de viagem. Somos apenas passageiros da mesma carruagem.

Todo dia cultivo a flor que te ofereço. Às vezes machuco o jardim deste amor resistente.

Teu rosto é um beijo que pede. Cedo, em plena tarde.

Não preciso dizer nada quando puxo de súbito o que te cobre. O amor faz barulho quando se decide.

De costas, teu cabelo pela cintura era de pintura antiga. Desenhei teu contorno para que caibas em meu sonho.

Teus olhos são lagos que mergulham em mim. Perdes o ar na busca de corais.

Pouso em teus lábios como nave espacial em Marte. Em busca da vida que inexiste em meus metais.

Vou te contar um segredo, ela disse. Mas promete que vai esquecê-lo, para amanhã eu te surpreender de novo.

A Lua se abana com o leque das folhas enquanto se olha no azul do espelho.

O verso sofreu um corte. Caiu apontando o norte. Sangrou no mar, sal vermelho. Sereia com marinheiro.


RETORNO – Imagem desta edição: Claudia Cardinale.