Qual a relação profissional entre William Faulkner e John
Ford? Ambos trabalharam sob a influência de um gênio de Hollywood, Irving
Thalberg, que definiu novos parâmetros para a nascente indústria do cinema.
NEI DUCLÓS
Descubro que William Faulkner, Nobel de Literatura de 1949,
está citado no elenco de roteiristas de mais um John Ford, Ao Rufar dos
Tambores, ou Drums Along the Mohawk, de 1939, com Henry Fonda e Claudette
Colbert. O site IMDB, que costuma ser completo nas suas fichas, coloca o grande
escritor como “não creditado”. Fui atrás, armado de Wikipedia e Google Books
(que reproduz páginas remotas específicas sobre o assunto que nos interessa). Leio que Faulkner esteve presente no início do
processo de adaptação da novela de Walter D. Edmonds (maior best-seller da época depois de E O
vento levou, de Margaret Mitchell), sobre o casal de pioneiros na Guerra de
Independência americana. Mas foi considerado muito denso, inapropriado para o
que os produtores queriam.
Há um folclore que os pesquisadores demoliram nos últimos
anos de que Faulkner sofria em Holywood, o que não é verdade, só em parte, em
alguns momentos. Ele ganhava bem, 500 dólares semanais no início, chegando a
mil depois de alguns anos. Quatro mil dólares por mês no final dos anos 30 não
eram pouca coisa. Testemunhos confirmam que Faulkner levava a sério os encargos
dos scripts, apesar de ter tido dificuldades , pois não se sentia à altura do
que esperavam dele. Chegou a sumir por uma semana logo depois de ter sido
introduzido numa sessão exclusiva em que se decidiam os rumos de um filme.
Com baixa autoestima (ele tinha!), Faulkner timidamente
propôs fazer coisas pequenas, inclusive elaborar desenhos para o Mickey Mouse.
Mas Holywood imaginava grandes planos para ele, e o encarregou de produções importantes,
baseadas ou não em sua literatura., que acabou se beneficiando dessa interação com
os scripts, conforme disse mais tarde. Por que os chefões do estúdio sabiam que
ali existia um escritor que poderia render bem?
A resposta é a biografia do mais importante executivo da indústria do espetáculo dos anos 20 e 30, o gênio Irving Thalberg, um self made man que de secretário particular do presidente da Universal, Carl Laemmle, virou o mais importante executivo do ramo. Thalberg influenciou na contração de Faulkner e Scott Fitzgerald (que o retratou no romance The Last Tycoon), decidiu a carreira de Greta Garbo e criar novos paradigmas para a nascente indústria, inaugurando novos hábitos como demitir diretores, como fez com Erich Von Stroheim, o austríaco que desperdiçava dinheiro em bizarrices da produção.
A resposta é a biografia do mais importante executivo da indústria do espetáculo dos anos 20 e 30, o gênio Irving Thalberg, um self made man que de secretário particular do presidente da Universal, Carl Laemmle, virou o mais importante executivo do ramo. Thalberg influenciou na contração de Faulkner e Scott Fitzgerald (que o retratou no romance The Last Tycoon), decidiu a carreira de Greta Garbo e criar novos paradigmas para a nascente indústria, inaugurando novos hábitos como demitir diretores, como fez com Erich Von Stroheim, o austríaco que desperdiçava dinheiro em bizarrices da produção.
“Se você não fosse meu superior eu lhe amassaria a cara”
disse o Stroheim, furioso. "Que isso não seja empecilho para o senhor", rebateu
Irving. De fala mansa, se impunha com sua cara de menino e nas reuniões tinha
sempre não apenas a melhor idéia para solucionar tudo, como a “única” idéia
segundo um admirador. Cecil B. DeMille foi o primeiro a querer contratá-lo,
dizendo para seu sócio, Jesse Lasky: "O garoto é um gênio. Posso ver isso.
Eu sei disso”.
Quando um roteiro não funcionava na tela, ele solucionava. Foi Thalberg quem começou a colocar mais de uma estrela nos filmes, já que a grande depressão dos anos 30 descapitalizou as massas que pagavam ingresso. Era preciso mais. Irving também junto essa fome por estrelas com a vontade de comer, ou seja, com uma produção cara e caprichada em cima de roteiros de qualidade, como romances, contos e peças de teatro de escritores talentosos.
Quando um roteiro não funcionava na tela, ele solucionava. Foi Thalberg quem começou a colocar mais de uma estrela nos filmes, já que a grande depressão dos anos 30 descapitalizou as massas que pagavam ingresso. Era preciso mais. Irving também junto essa fome por estrelas com a vontade de comer, ou seja, com uma produção cara e caprichada em cima de roteiros de qualidade, como romances, contos e peças de teatro de escritores talentosos.
O agente
literário de Faulkner, Ben Wasson, que trabalhava para o chefe da agência dos
talentos Lelan Hayworth, indicou Faulkner,uma iniciativa estimulada por Irving Thalberg,
que só na Metro supervisionou 400 filmes. Thalberg Sofria de febre reumática e
morreu de pneumonia aos 37 anos. Devido à sua doença, estudava em casa, apoiado
pela mãe. De ascendência judaico-germânica, tornou-se um dev orador de livros e
quando se ofereceu num anúncio de jornal tinha sólida formação, aliada a uma
vontade enorme de vencer suas dificuldades. Ao ser escolhido, deslumbrou os
poerosos, como pode-se ver neste perfil.
A capacidade
quase infalível de Thalberg de combinar qualidade com o sucesso comercial, para
sintonizar arte com as exigências do caixa, fez com que ele não ficasse
satisfeito com o trabalho dos roteiristas de Drums Along the Mohawk. Os direitos do livro foram comprados por
25 mil dólares e Irving não queria uma patriotada, mas sim um romance histórico
focado no casal de pioneiros que enfrenta o ataque dos britânicos aliados a
índios. Havia um problema de cara: como livrar os ingleses de semelhante papel?
A solução encontrada foi colocar toda a culpa no partido conservador Tory e
também nos seus aliados nativos.
A segunda providência
foi evitar a carga excessiva de História. Uma das roteiristas, Sonya
Levien, tinha criado uma longa abertura mostrando uma conversa entre o
protagonista Gil Martin (Fonda) e o general responsável pela fronteira (o vale
ficava nos arredores da atual Nova York). A discussão era sobre o apoio federal
à luta naquele ermo, que estava a cargo dos fazendeiros como Martin. Irving
cortou toda essa introdução e focou a abertura no casamento de Gil e Lana, ela
uma cocota que sofreria muito na sua adaptação à vida dura no meio do mato
assolado pelos ataques dos inimigos.
Lamar Trotti e Bess Meredith foram os outros roteiristas
contratados e que ajudaram a produzir o sucesso de Ford, que já pegou o roteiro
pronto e deu seu toque de gênio. Só a cena da despedida de Gil, com Lana seguindo
a tropa até se perder na vasta planície, deitando-a por terra, é de fazer chorar
as pedras. No filme estão os elementos fordianos clássicos: a vida solidária de
uma comunidade saudável, ou seja, que convive na alteridade (os bêbados, os
pastores, as viúvas, as donas de casa, os soldados etc.); o confronto entre a
macheza da luta e a barra pesada da vida feminina - o marginal e a prostituta
de Stagecoach, o tio e a sobrinha de The Searchers, e neste filme, o lutador
que fica tonto e em pânico diante da maternidade, arrancando gargalhadas gerais
com sua fragilidade masculina.
Houve uma briga federal entre os historiadores e Thalberg,
pois eles queriam uma reprodução da História oficial e o produtor, uma obra da indústria do
espetáculo. Thalberg tirou o excesso de patriotada em torno da bandeira e
fez a política interagir com os protagonistas, que ganharam destaque. O foco foi não na Independência, mas no casal e suas desventuras,
a perda do primeiro bebê, o sítio sendo queimado pelos índios, a vida como
empregados, as separações provocadas pela guerra. Fonda já era estrela do
estúdio Fox, responsável pela produção e para onde Thalberg tinha ido. Fonda era bileteria segura, pois estrelara
sucessos como O Jovem Lincoln, também de John
Ford.
Na época o tema História tomava conta do cinema, com
inúmeras produções em torno de figuras lendárias e batalhas. O maior sucesso da
época, E o Vento Levou, fez parte desse movimento e desse debate. É um assunto
generoso nos detalhes e cruzamentos, do qual este texto é apenas um aceno de
longe, mais para estimular essa busca permanente. Pois assim é a pesquisa de
cinema: a partir de um roteiro pegamos a pista de inúmeros vetores, passamos
por talentos importantes e chegamos ao bom termo de saber um pouco mais sobre
um filme antigo, mas significativo.
RETORNO - Imagens desta edição: na foto de abertura, a cena citada da despedida das tropas; na segunda foto, Faulkner e na terceira, Thalberg.