Nei Duclós
Passeio na nossa memória e tens a presença de voos longos
entre livros e conversas. A vida que repartimos em breves momentos de amizade e
sonho.
Flor doce-amarga é o que lembra teu nome, que me
confidenciou endereços sem alarme, onde uma chuva miúda beijava os domingos.
Interrompias o expediente com teus projetos pulsantes.
Ríamos na mesa de café fora do tempo. Recuperávamos assim a tarde que tinham
levado.
Foste a amizade no deserto, sinal de que havia vida fora da
rotina. Combinamos uma sintonia que era puro espírito. Foi difícil, pois
nasceste bela.
Amiga perdida que reencontro agora, voltas com teu rosto
sereno, talismã da sorte.
Sempre erramos quando estamos próximos e não vemos direito o
tanto que perdemos. Mas o tempo ensina que em tudo temos apenas uma chance. A
segunda vez é quando o amor conserta.
Eras tu a estudante que me segredava histórias. Nos mais
belos momentos em que eu perdia tempo cultivando pedras.
Aquilo era amor, mas não precisava ser dito. E foi-se, como
tudo o que está vivo. Ficou a lembrança, tua madurez de fada.
Projetavas o futuro longe daquela guerra. Como se
imaginássemos um rancho no esplendor do campo. Lá, onde havia um regato, nosso
amor feito só de gestos.
Diziam que era namoro, mas em tudo transcendias. Tão doce
procurando na bolsa o nome de um estudo. Eu ficava te olhando como se visse
estrelas.
Metade de mim, rosto cruzado por um sorriso, pontuado pelo
olhar redondo de uma lua antiga. A moldura era o encanto que te impregnava.
O mais surpreendente é teu pedido de desculpas, como se um
ruído qualquer fosse tudo o que temos. Somos aqueles dias infinitos, em que eu
compartilhava a amiga dos meus sonhos.
Os anos se foram como corrente de uma ilusão forte, a de que
eu tinha esquecido tudo. Mas bastou uma frase para reinventarmos aquele
planeta.
Te chamo professora. Pequeninha naqueles palcos a ensinar
marmanjos a pensar direito. Te ouvir sobre o que fazias era um delírio. Eu
aprendia.
Não me perca mais de vista. Está contigo o domínio. Tens a
chave desse enigma, o amor oculto e perene, sob a face da amizade plena.
Entendi agora, amiga. Precisei muitos anos para chegar à tua
altura.
RETORNO – Imagem desta edição: Vivien Leigh.