12 de setembro de 2009

EMASCULAÇÃO NO "CAMINHO DAS ÍNDIAS"


Numa novela em que os homens usam saiote, o momento culminante é quando Tony Ramos cai enfim nos braços de Lima Duarte. Essa cena foi ensaiada o tempo todo da novela, que chega ao fim, desde o início, quando a mútua atração homo aproximou e afastou os dois grandiosos canastrões. Outros protagonistas reforçam essa vingança da autora, Gloria Perez, contra a virilidade. O sujeito que traiu a mulher por ter se apaixonado por uma psicopata passa o tempo todo da novela amargando um horror pessoal, confinado sob quatro paredes, e quando volta ainda é achincalhado pelos familiares. O marido (Rodrigo Lombardi) da Maya, interpretada por Juliana Paes, é corno e não sabe e quando descobre tem uma reação natural, mas precisa aceitar a situação imposta em segredo contra ele porque é assim que os homens se humanizam, na visão gloriaperenze.

Gloria Perez não vê homens no seu Caminho da Índias, apenas bonecos para sua manipulação. Tudo gira em torno das mulheres, pois só elas existem. As garotinhas que fazem dança erótica, os rapazinhos que caem nas armadilhas das suas namoradas, a tal luta pela emancipação etc. Como fica então o pretenso machismo indiano, protagonizado pelos barbudões fundamentalistas? É tudo fake, como o cenário e as roupas de uma dramaturgia que tem como modelo a manipulação do sambódromo pelo monopólio global. Há ainda os masculinos periféricos, como o interpretado por Caco Ciocler, que pisa no tomate ao perseguir a enteada, trai a confiança da nova mulher, por sua vez traída pelo marido. Há ainda o garanhão Humberto Martins que tem como esposa a histérica personagem interpretada por Chistiane Torloni. Trata-se do alvo principal de Gloria Perez, tudo o que ela execra (e, pelo avesso, a fascina) e deve ser demonizado.

A relação pretensamente hilária entre Torloni e a empregada é uma comédia da luta de classes, muito comuns nas novelas globais, em que sempre há uma empregada uniformizada sendo expulsa da sala (vai, vai, vai!) - deve ser a rotina das pessoas milionárias que vivem às custas dessa indústria. As duas se sobressaem numa trama que está cheia de homens bocós e pilantras, dando pequenos golpes, ou ingênuos absurdos, como o velho (Osmar Prado) que entrega suas rúpias para o golpista. Ou são safados ou idiotas. Ou então machões ou covardes, ou ambos. Ou prepotentes e frágeis, como Lima Duarte e Tony Ramos, que no fim estavam na mão da velha ranzinza, sabedora do segredo que os unia (a paternidade e a consequente filiação). Claro, dirão, novela é feita para mulher assistir, por que se mete nesse assunto? Novela da Globo faz parte da paisagem, está por todo o lado.

A grande tragédia do nosso tempo não são as mentiras, mas a perda da origem das mentiras. Muita gente mente e não sabe que está mentindo, porque a mentira é tão antiga e arraigada que faz parte da natureza. Esse feminismo de araque, que na próxima novela vai jogar crianças meninas nas garras de velhos lúbricos, estimulando essa carreira de modelo que roça a pedofilia impune e explícita, é o que conta na nossa mídia. Silvio Santos agora aposta em videos eróticos. Ou seja, para um povo castrado, nada melhor do que vender sexo, distorcido de suas características de prazer e satisfação plena, no rumo do esvaziamento corporal e espiritual para tudo ficar como está, sob a máscara de que os costumes estão mudando ou mudaram para algo, digamos, mais "aberto".

Vejo as novas gerações embarcando nessa canoa furada sem atinar para a fonte da mentira. Sigam o dinheiro e verão. Não se trata de valorizar a mulher, mas ganhar tempo e dinheiro transformando um gênero no algoz da hora, para que a virilidade, esse perigo político e comportamental, seja anulado. Parece justa a vingança contra os homens, já que a violência contra a mulher no país dos marmanjos assassinos é normal e comum. Mas nenhuma vingança é justa e execrar os homens, transformando-os em bibelôs das fêmeas, algumas extremamente canalhas, como a personagem interpretada por Leticia Sabatella, é uma forma de mentir sobre os papéis masculinos numa civilização. Flavio Migliaccio, o velho sob o tacão da velha ranzinza, Chico Anísio (um dos poucos atores de verdade em cena) o golpista juramentado, o outro que tenta dar o golpe do baú, mais o coitado (Caio Blat) que perde a noiva sei lá porquê, todos são marionetes da gula insuportável de Gloria Perez, que se considera detentora de todos os motivos para arruinar quem não nasce no gênero "certo".

Há exemplos nas outras novelas. Em "Caras e Bocas", há o bobalhão que fala a cada dois segundos "minha abelha rainha", o pintor que está nas mãos da ex-mulher, do filho, da agente e de um macaco, a adolescente que manipula todo mundo, a vilã que destrói vidas, o judeu que chora mais do que terneiro desmamado, todos são personagens dessa trágica distorção de gêneros, que culmina nas tardes de domingo do Faustão, com as velhas bailarinas de sempre sacudindo as partes, e que servem de moldura paraa celebração de narrativas bandidas. Tinha esquecido do coitado que toma leite com doping para que Norminha, interpetada por Dira Paes, possa sacudir o esqueleto pelas ruas impunemente, ao som da trilha musical do Brasil de hoje: "Você não vale nada, você não vale nada".

É, não devemos valer nada, mesmo. Estamos na mãos dessa súcia.

CEAGESP: O GIGANTE DO DESPERDÍCIO


Falando em não valer nada, é inacreditável o programa com todo o jeito de ter sido patrocinado pela Ceagesp e que foi ao ar na noite desta sexta-feira. Um Globo Repórter inteirinho celebrando o fato de a Ceagesp estar na mão de meia dúzia de grandes atravessadores e fornecedores (os grandalhões do setor são todos japoneses, com exceção na área dos cereais, pois feijão com arroz é coisa de brasileiro). A Ceagesp concentra toda a distribuição de alimentos do Brasil continente num único espaço, que foi para as picas nas recentes inundações, já que fica numa várzea imunda ao lado da cloaca do Pinheiros - sei porque morei anos lá perto. O sistema que encarece preços e impõe produtos mergulhados nos agrotóxicos (para que possam ser carregados de caminhão por milhares de quilômetros sem estragar) foi apresentado como um fenômeno natural.

Foi dado o exemplo do entreposto do Japão, mas esse país tem um território equivalente ao estado de Rodônia, tem que ter um só grande entreposto. O Brasil gigante precisa de um em cada estado, no mínimo. Mas isso pulverizaria o poder e a grana. Então eles obrigam todo mundo a ir até a Ceagesp, descarregar e aceitar o esquema, que gera um monte de desperdício. Mas isso também foi abordado, ou melhor, encoberto: claro que o que sobra, aquele monte de frutas e legumes podres, vai para os pobres, o que é uma meia verdade. A maior parte vai para o lixo, pois o esquema de superconcentrar tudo, tirar o máximo de lucro e foda-se o resto, gera mais descarte do que qualquer programa bem intencionado consegue suportar.

O que me irrita é mostrar os japoneses que dominam esse mercado estratégico do país serem apresentados como modelos raciais do trabalho. Os brasileiros, subalternos, empregados, são apresentados anonimamente ou de aspecto folgazão, brincalhão, aqueles sujeitos legais que ficam décadas lá. Mas os olhinhos puxados são os verdadeiros heróis do trabalho, que se fizeram por si. Nada contra japonês, italiano ou alemão. Mas chega de reforçar a idéia de que só pessoas de origem estrangeira gostam de trabalhar. (Foto: chuva inunda 90% do Ceagesp, segundo o SPTrans, o que expõe a vulnerabilidade do esquema pernicioso)

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