25 de setembro de 2009

CONSPIRAÇÕES


Como vive num puxadinho ao lado de um grande menir, pedra debruçada sobre o mar há milhões de anos, Sinistrus Joe está sempre de antena ligada. A praia onde mora há vinte anos é escondida, não ia quase ninguém lá, até abrirem uma birosca. Isso atraiu gente e é preciso tomar cuidado.

A ilha está intensificando sua sintonia com os grandes centros e vai que algum guampa torta resolve querer se fazer de engraçadinho com nosso recluso ex-tudo. Ainda mais agora, quando conseguiu instalar um micro que capta banda larga gratuita (de captura intermitente) com pequena antena parabólica.

Fui exatamente saber como estava se dando com o novo aparelho, que ele ganhou de presente de amigo rico e pão-duro, alimentado por uma gambiarra puxada de um dos poucos postes da praia.


Ele me recebeu como sempre, me olhando longamente com aquele olhar de “tu, por aqui?” Até se costumar com minha presença, emitiu todos os sinais para provocar constrangimento(é um teste, para ver se você realmente está a fim de fazer a visita). Mas não costumo dar bola para essas pirações de Joe e fui direto ao assunto:

- Que você achou dos últimos acontecimentos, Joe, agora que você segue mais de perto o noticiário via web?
- Ficou mais fácil fazer as ligações, disse ele.
- Ah, é? Conseguiste um bom técnico para arrumar tua instalação?
- Não, isso não te diz respeito. O que estou falando é que agora dá para entender melhor a fonte dos acontecimentos, aquilo que se situa mais no fundo e que as hardnews são só uma amostra pálida e superficial.
Vendo minha cara incrédulo, atacou:
- Sei, teoria da conspiração. É preciso deixar claro o seguinte: coincidências existem, mas não com intenções políticas! Quando dois mais dois é igual a quatro num evento, é melhor seguir por esse caminho, que assim vamos entender do que se trata. Se não fizermos isso, o tempo passa, tudo fica impune e mais tarde, anos depois, a gente descobre que de fato tínhamos razão em desconfiar.
- Em que você exatamente está falando, Joe?

BOMBA EM SANTO ANDRÉ

- Você não acha estranho, escritor, que logo na região do ABC, reduto do partido do governo, tenha havido uma megaexplosão em pleno coração urbano, bem no momento em que todas as atenções se voltavam para Tegucigalpa?
- Não vejo nenhuma ligação, disse.
- Veja bem, o noticiário tem um limite, certo? Mesmo na rede, isso existe – ele é a capacidade limitada da tua leitura, ok? Ou você consegue ver tudo ao mesmo tempo? Não. Então, o que eles chamam de conteúdo atinge um nivel que não ultrapassa, não vai adiante. Pode ser o tempo de duração,como é o caso dos jornais televisivos normais,que ocupam no máximo uma hora. Nos impressos, esses limites são mais claros, ou tenho que explicar a quadratura do círculo?
- Não, eu entendi, é preciso editar, ciscar na infinidade dos acontecimentos algo que seja representativo do dia.
- Exatamente. Mas as hardnews se impõem, você não pode fugir do rolo em Honduras e colocar no lugar dele a pesquisa sobre a sexualidade dos adolescentes, por exemplo. Esse tipo de fato acaba tomando conta da maior parte do noticiário, impedindo que as abobrinhas normais emerjam, certo? Ora, é público e notório que o Brasil interferiu em país estrangeiro, impôs uma situação complicada na véspera de uma eleição que, se o presidente não tivesse sido deposto, seria apenas a confirmação de mais um mandato para ele, o que a Constituição proíbe sob pena de expulsão do poder, certo?
- Sim, não há dúvida. O golpismo é de quem contrariou a Constituição, não de quem tomou medidas contra isso.
- Isso nem precisa discutir.
- Mas parece que vão chegar a um acordo e o sujeito pode voltar ao poder.
- Mesmo que volte, não poderá ser candidato, que a Constituição proibe. Pelo menos por enquanto.
- Ok, mas vamos em frente.

- Muito bem. Para evitar constrangimentos, é preciso que o noticiário oficial se limite a alguns enfoques premeditados, como chamar de golpista o governo que a Suprema Corte autorizou. O resto, como a opinião de juristas independentes (não aparelhados) que esclarecem a situação, ou o fato de os hondurenhos na embaixada negarem comida para os brasileiros fica de lado? Isso criaria um desconforto. Era preciso desviar a atenção, preencher com algo explosivo.
- Você acha que...
- Exatamente. Esse troço está mal contado. Os donos do local estavam sumidos, se esconderam, custaram a dar sinal de vida. O chefe dos bombeiros disse que fogo de artifício não tem aquele poder de explosão. O repórter que esteve no local disse textualmente que parecido ter explodido uma bomba lá. É o que eu acho. Alguém colocou uma bomba lá para desviar a atenção de Tegucigalpa.

BATIDA DE CAÇAS

O mar, nesta primavera, anda agitado, com ventos súbitos, friacas insistentes, tempestades mal-assombradas.Gaivotas se ressentem e acabaram entrecortando a conversa de Joe várias vezes. Fiquei em silêncio.

-E os caças franceses? Perguntou Joe. Você não acha estranho que logo agora tenha tido uma acidente com dois caças, idênticos aos que o Brasil quer comprar?
- Pois queria comentar, disse. A França tem só 17 caças e o Brasil quer comprar 36, não é demais? Parece que eles estão querendo selivrar da trolha.
- Não se trata disso, falou Joe. É que existe uma concorrência pesada internacional e essa transação significa muitos milhões de dólares, além do aspecto estratégico, em que a América Latina, graças ao Chavez e oujtros energúmenos, está pronta para ficar igual ao Iraque. Escreve o que eu digo.

Fiquei chocado com as observações de Joe. E se ele tivesse razão? Tudo pode acontecer quando a ambição política está em jogo. Ao mesmo tempo, me pareceu muita forçação de barra. Vai saber.

Permaneci mais um tempo, mas não me demorei. O cara é recluso demais e fica nervoso com a presença alheia. Nem gaivota mais ele suporta. E foi escutando o sábio do puxadinho de pedra espantando os pássaros da praia que fui-me embora, com a cisma provocado por suas palavras. Mas antes de pegar a reta, Joe me chamou:

- Ei, escritor, a explosão na casa de fogos foi em Santo André, não foi?
- Sim, respondi, aos gritos, porque já estava afastado do alpendre onde tínhamos conversado.
- Não foi lá que mataram aquele prefeito? O Celso Daniel? Crime que aquele jornalista do New York Times denunciou?
- O Larry Rohter, aquele que foi expulso porque chamou o presidente de bêbado?
- Não, o Larry foi expulso porque denunciou as ligações do crime, foi por isso.
- Verdade? respondi. Impressionante.

RETORNO - Imagem desta edição: foto de Daniel Duclós.

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