Nei Duclós
Teu perfume cruzou a tarde. Deixou um rastro, o meu verso.
Flutuas, aragem. Voo à toa de nuvem.
Vocação de pluma.
Quando finalmente arrranquei tua
roupa descobri que desde o primeiro encontro nada tinhas.
Aliso teu cabelo e desperto ciúme do
crepúsculo, que fica de fora, se exibindo.
A seda desliza na tua pele e num
arabesco se deposita no piso. Levantas para fechar a janela, pois anoitece. Meu
coração te segue, como um cachorrinho.
Foges da janela quando me aproximo.
Trago uma escada no bolso do delírio.
Esse encaixe é tão profundo que
molhamos. Borbulha o caldo primordial do poema.
Ondulas o peito de perfil, tsunami.
Chegas arrebentando o cais que era meu refúgio.
Não sou eu o fogo que faz acontecer
o jorro. Mas o apelo, a mágica emissão do verbo.
Abandonaste tudo para seguir o rasto
do verso que te faz tremer. Procuras a fonte da tua alegria.
Não sabem que precisas apenas de
sonho. Que seja uma rede, espessa de gana.
Vieste de poesia estando nua. Cerco
marítimo de palavra transfigurada pelo desejo.
É um susto quando não me vês, apenas
sentes. Essa palavra roçando tua perna, musa estridente.
Foi só imaginação, não aconteceu
nada. A não ser que esta felicidade seja a prova de que aconteceu tudo.
Mulher não deveria comer maçã. Na
primeira vez, foi expulsa do Paraíso. Na segunda, adormeceu perigosamente.
E se alguma irmã de Cinderela
tivesse também o pé pequeno? O príncipe estava frito.
Sempre fomos distantes. Palavras
quentes, silêncios, desconhecimentos. E de vez em quando um choro, nos
intervalos dos imaginados beijos.
Joguei os versos como dados no
tapete verde do tempo. A musa recolhe a sorte que lhe pertence.