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31 de março de 2010
O VERDADEIRO JOHN LENNON
A foto acima, tirada no início dos anos 70, encerra definitivamente a polêmica sobre a verdadeira identidade do mais importante dos Beatles. Peço desculpas aos inúmeros aspirantes, mas o fato é que eu sou John Lennon. Escrevi todas aquelas canções com meu parceiro Paul, morto num acidente de automóvel, como todos sabem. Paul foi substituído por esse babaca que acabou fazendo os Wings e perdeu 60 milhões de dólares num casamento tardio. Depois de ver o corpo do autor de Yesterday estendido no chão, quis ir embora e deixei no meu lugar o sujeito que acabou detonando a banda e disse que o sonho tinha acabado. Clone besta.
Fugi para o Rio, mas não me dei bem lá. Muita bandeira, iriam logo descobrir quem eu era só para me esnobar. Acabaria sendo colunista do Pasquim ou pior, do JB, já que, sem poder me apresentar nos palcos, tinha de me disfarçar como jornalista e escritor. Resolvi vir para o sul, que tem um clima quase londrino, não fosse o excesso de alemães, o que sempre me deixa nervoso pois lembro da época da guerra, quando os chucrutz barbarizaram uma barbaridade.
Assumi a identidade de um poeta da fronteira, coisa que me dá trabalho até hoje porque não sei quando se deve se dizer che ou tchê. Quando me pedem para fazer mate, entupo a bomba. E como nunca fui da elite britânica, não fiz aulas de equitação. Portanto, ao me colocarem em cima de uma sela, caio, arrancando gargalhadas. No tempo em que eu estava parecido com o John ainda me desculpavam, dizendo: o cara é hippie, deixa quieto. Mas hoje, nas cavalgadas nativas, sempre me jogam no lombo de um matungo, que morre no final do evento.
É o excesso de peso que provoca esse desfecho trágico. É uma desvantagem, mas serve pelo menos para eu assumir que sou John sem ter que me preocupar com as conseqüências. Quando eu tinha a aparência da foto acima, era um perigo, a toda hora queriam que eu cantasse alguma coisa e apertasse os olhinhos por trás dos óculos redondos coloridos. Agora, por mais que eu grite que sou Lennon ninguém me dá crédito. "Ara", me dizem lá na zona do Cafarate. "John Lennon Chacreiro!" E se agacham nos pombos, aquelas grandes pedras lisas de beira de rio. Por isso sempre digo para meu inimigos que, se quiserem me atacar, passem antes lá perto da Cafarate para ver o que é bom pra tosse.
Uma coisa boa de ser ainda John Lennon, apesar da idade e de ter sofrido muito quando mataram meu clone com cinco tiros em Nova York, é que continuo a compor canções. Canto no banheiro baixinho para não assustar a família, já que perdi toda a afinação depois de uma gripe braba que peguei no mato, em pleno mês de junho. Ficou um rasqueado fanho que às vezes é confundido com as músicas de vanguarda de Lennon e Yoko. Mas como não tenho nada com Yoko, nego com veemência. Sou apenas o sujeito que mudou o mundo, mais nada. Pelo menos mereço um pouco de respeito.
A única coisa que realmente me incomoda é não ter podido ir a Woodstock. Eu já tinha decidido vir para o Brasil. Estava estudando a língua com uma professora portuguesa, o que me tornou um sujeito de fala bruta. Levei um tempo para recuperar as vogais e começar a escrever poemas nos parâmetros brasileiros. Acho que aprendi. Musicaram alguns. Mas meus parceiros atuais nem desconfiam que sou o John Lennon. É duro de admitir. Agora encontrei a prova definitiva, posso convencê-los. Meu nome é John Lennon, vou dizer. Sou o cara da foto.
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