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16 de março de 2010
RECONHECIMENTO
Nei Duclós(*)
Parece não fazer parte da natureza humana o reconhecimento dos méritos alheios. Acredita-se que tenha existido um tempo em que havia admiração sincera. Hoje, esse devotamento desprendido deu lugar à “inveja boa”, como se a inveja, que é a eliminação virtual do Outro, possa ter natureza benigna de alguma forma. Quem teve o privilégio de avançar na idade sabe que precisa desistir do olhar alheio agradecido e se conformar com o segredo das próprias qualidades, compartilhadas apenas com a divindade.
“Deus está vendo” é um consolo, mas fica um rescaldo, uma esperança vã de que a qualquer momento a justiça vá se manifestar. Mas isso não se limita aos velhos. Qualquer um pode ser esquecido em vida. Não é outro o motivo das conversas aos berros, em que as pessoas, desesperadas, puxam a sardinha para a própria brasa. Nesses casos, o silêncio é a constatação de que só seremos ouvidos de verdade em outras vidas, quando as lições destes tempos obscuros forem totalmente assimiladas.
Não sei porque as pessoas não gostam de admitir que admiram alguém. Talvez porque haja uma idéia preconceituosa sobre o elogio, visto como manifestação de falsidade ou o mínimo de ser um objeto descartável. Quem elogia precisa ter capital simbólico para isso, senão é encarado como puxa-saco. Cuida-se para não elogiar para não dar o braço a torcer na tal sociedade competitiva. Quando alguém se manifesta a favor de alguém, ou se desculpa sobre o que vai dizer ou exagera até a insanidade para que ninguém conteste.
Não deveria ser assim. Gostar do que alguém faz ou é, sem nenhum outro interesse do que o prazer do convívio com os contemporâneos, sem conotação oculta nem mesquinharia à vista, é sinal explícito de vida civilizada, a que perdemos com a sucessão de ditaduras e de falsas democracias. Não queremos nos comprometer, por isso moitamos sobre as qualidades dos nossos pares. Apontar alguém pode ser confundido com delação. Escondemos as amizades sinceras para que não sofra ameaças.
Talvez seja isso. Ou então temos mesmo essa vocação de negar quem nos cerca, por uma questão de sobrevivência num mundo predatório. O que é trágico, quando vemos talentos verdadeiros sofrerem num exílio injusto, enquanto contamos as feridas proporcionadas pelo longo sofrimento.
RETORNO - 1. Imagem desta edição: Quem, de Ricky Bols. 2.(*) Crônica publicada nesta terça-feira, dia 16 de março de 2010, no caderno Variedades, do Diário Catarinense.
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