20 de março de 2010

A SEDUÇÃO DO OBSCURANTISMO



Pressionado pela censura do judiciário, da publicidade, do patronato, da política, o jornalismo aos poucos viu-se limitado e, junto com o país que degringola, estagnou. Os mestres do ofício foram afastados por motivos variados, mas principalmente porque incomodavam e não permitiam que forças externas fossem hegemônicas o tempo todo sobre a redação, que sob seu comando, ainda respirava. O sufoco gerou o ambiente ideal para medrar o obscurantismo, que aos poucos virou a conceituação oficial do jornalismo.

Vamos pegar algumas frases, confundidas com pensamentos. São flores do obscurantismo, mesmo à revelia de alguns dos seus autores, transformadas em carne de vaca da comunicação.

UMA COISA É UMA COISA, OUTRA COISA É OUTRA COISA – Significa que tudo pode ser cometido que não levantará suspeita, pois as coisas não interagem, não tem nada a ver uma com a outra. Serve perfeitamente para as negaças dos autores do mensalão, por exemplo, que não tinham nada a ver com isso, nada sabiam, apesar da Procuradoria Geral da Justiça apontar as quadrilhas. As coisas existem em si, não podem ser comparadas, não há conseqüências.

O JORNALISMO SEPARA O JOIO DO TRIGO E PUBLICA O JOIO - Atribuída a Adlai Stevenson, político democrata americano e dita, claro, em tom de blague, foi levada a sério por aqui. Justifica a publicação das tralhas e baixarias que vemos nos jornais, sob o álibi que estariam agradando o povo. Duvido que as pessoas hoje comprem jornal para ler baixaria. Tem tudo no you tube, na internet, na televisão. Para que perder tempo? Mas os jornalistas acham o máximo esse tipo de sacada e repetem sem parar, se achando o suprasumo da esperteza lúcida inteligente.

TODA UNANIMIDADE É BURRA - Nelson Rodrigues não tem culpa de sua frase virar instrumento obscurantista. Ele se insurgia contra os politicamente corretos, que impunham percepções, e procura abrir algumas janelas na inteligência coletiva. Mas não deu certo. Os mesmos criticados assumiram a paternidade da frase e repetem sem parar, confirmando assim a burrice da própria unanimidade. A frase serve para decepar a diversidade do livre pensar e tentar colocar todo mundo na canga ideológica. Você não pode contrariar que toda unanimidade é burra. Dizer por exemplo que a unanimidade de julgar assassinato crime hediondo é algo positivo.

É A ECONOMIA, ESTÚPIDO - Frase dita por um assessor de Bill Clinton na briga vitoriosa contra os republicanos, virou bordão do s articulistas, editorialistas, comentaristas de economia etc. É super usada porque assim chama-se o leitor de estúpido impunemente. Originalmente, quer dizer que a economia é decisiva numa campanha, só imbecil não vê. Mas serve para dizer que sem essa porcaria de política econômica da pirataria internacional não há salvação. Nem tente pensar diferente, você será chamado de estúpido.

CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA - O belo título de Garcia Márquez para um dos seus mais famosos romances já tinha overdose de uso há vinte anos, quando reclamei do excesso. Mas continua, porque os jornalistas acham que sua função é sacar tudo antes. A síndrome das Boneca Teresa, Eu Já Sabia atinge em cheio os jornalistas, que tudo preveem com seu tirocínio fantástico e por isso é que sacodem a cabeça afirmativamente depois de fazer a pergunta, pois já sabem a resposta. É a crônica da tua mãe sem calça anunciada. Jamais vão parar com isso, nem no ano cem mil.

RETORNO - Imagem desta edição: Mulher, de Ricky Bols. Nada a ver com o tema. Simplesmente acho o máximo o trabalho do grande Ricky.

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