31 de março de 2010

O BRASIL SE DESPEDE



Nei Duclós

Vai-te embora, Brasil, navio da minha vida
És grande demais para submergir
Saia deste porto guardado em degredos
E suma cercado de sereias e apitos
No horizonte exposto como cão vencido
Leva contigo o pão e o desperdício


Vai-te embora Brasil, convés do meu segredo
Na amurada se debruçam nossos ancestrais
De ternos eternos e chapéus de feltro
Mães e irmãs vestidas de espólios
A passear nas calçadas do tempo em sépia
Quero te ver longe daqui, país da memória

Vai-te embora, Brasil, sonho que recebi no berço
Como faca de estimação, um pacto de apertos
Um corpo torto, um rio junto à ponte
Não posso mais te ver pilhado em minha frente
Quero que escapes para a ilha que um dia foste
E de lá me mande sinais, a piscar na névoa

Vai-te embora, Brasil, campo de mar, porão de gávea
Naveguei contigo, contando apenas com palavras
E teu apoio do alto, quando me vias exangue
Pai que hoje nos falta, irmão que assopre o pano
Preciso que te salves e leves contigo a coragem
De sermos maiores do que esta mina de pó e pedra

Vai-te embora, Brasil, que já é tarde
O verão fechou as portas e há terremotos
Entidades armadas se abrigam nos tornados
E o céu ofusca de gás néon a perversa idade
Preciso me despedir, fechar as portas
E aguardar o vento final que traga a trégua

Vai-te embora, Brasil, que te quero inteiro
Leva contigo o chafariz, o arroio, retretas, praças
Vidros e venezianas, espelhos do verbo
Cuida bem do que tens, barca terminal das eras
Pois um dia voltarás para este templo torpe
E poderás restaurar o que virou deserto

Vai-te embora, Brasil, idéia de um coração altivo
Mão soberana que me traz cativo
Corte fundo de um perfil que nos abriga
Céu de estrelas cadentes, flâmula de gritos
Ando contigo para habitar o espírito
Porque inventei, como tu, o meu destino


RETORNO - 1. O video é do melhor disco de samba de todos os tempos, Axé, de Candeia. Nesta época de dourado e ouropel, nada como "Ouro, desça do seu trono", de Paulo da Portela. Brasil soberano, presente. 2. Atenção, como o poema é de hoje, fiz duas pequenas modificações minutos depois de postar. Portanto, quem copiou no bate-pronto, refaça a operação. Ficou melhor. 3. 31 de Março de 1964: O Golpe Civil http://bit.ly/1aVVnG. 4. O poema de hoje segue a trilha de O país perdido, poema do meu novo livro e traduzido para o italiano por Julio Monteiro Martins e equipe.

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